sábado, 23 de agosto de 2008

Alma Sobrevivente

Como sobreviver aos inevitáveis desencantamentos que a vida em uma comunidade de pecadores (igreja) pode ocasionar? É possível reencontrar o caminho da graça em meio às duras marcas que o cristianismo institucional vem deixando na vida de muitas pessoas?

O livro Alma Sobrevivente (2004), de Philip Yancey, tenta responder a essas e outras difíceis perguntas, embora sua intenção principal não seja a de dar respostas prontas em fórmulas ou pacotes fechados. Aliás, essa não parece ser uma característica desse famoso jornalista e escritor norte-americano, que produziu diversas obras de grande aceitação perante o grande público cristão, tais como Maravilhosa Graça, O Jesus que eu nunca conheci e Decepcionados com Deus. Além disso, o autor é editor independente da famosa revista Christianity Today. Caminhando na “contramão” de muitos escritores best-sellers de sua cultura, vinculados a uma linha evangélica mais pragmática e fundamentalista, Yancey adota, não somente nesse livro como também nas várias obras que já escreveu, uma linha de pensamento bíblico-teológico mais crítica e honesta, aberta ao diálogo com outras áreas do saber, empática com a humanidade e ampla no que concerne à percepção da relação entre o cristão e o mundo que o rodeia.

Essa obra é subdividida em treze capítulos. Em cada um deles, Yancey fala sobre uma personalidade – entre elas, escritores, professores, militantes, pastores; cristãos ou não-cristãos, de diferentes nacionalidades – que, como uma espécie de mentor, mudou os rumos de sua caminhada de alguma forma, possibilitando com que sua fé sobrevivesse aos abusos pelos quais passou durante sua infância e juventude na igreja. Aliás, o subtítulo no original traduz melhor, a meu ver, a intenção geral do livro: how my faith survived the church (“como minha fé sobreviveu à igreja”).
Uma palavra dita por Yancey resume e sinaliza a relevância de sua obra, além de me desafiar pessoalmente como cristão e escritor: “Quando comecei a escrever abertamente sobre minha fé, concluí que só tinha uma coisa a oferecer: sinceridade. Já tinha ouvido suficiente propaganda vinda da Igreja. Preferi ater-me à posição de um peregrino, não de um propagandista, descrevendo a vida com Deus da maneira como ela realmente acontece, não como deveria acontecer” (p. 280).

O ponto comum entre os personagens desse livro não reside somente na influência que tiveram sobre seu autor, mas, no fato de que ele procura, em todos os casos, fazer menção ou contar histórias que remetem não apenas aos grandes feitos como também às falhas e deficiências de seus “heróis”. Foram pessoas “cheias de vida” precisamente porque não negaram as contradições de seu ser nem a sua humanidade. Quantas falsas expectativas não cairiam por terra e quantas previsíveis decepções não seriam mitigadas se a igreja toda aprendesse a tão óbvia, porém árdua lição de se enxergar como um organismo vivo que se assenta sobre bases organizacionais humanas e, por isso, imperfeitas?

Nesse sentido, faltam-nos igrejas-gente, líderes-gente, que se vejam e seja vistos como tais e não como messias ou super-heróis da fé. Falta cair um dos últimos elos que nos mantém ligados ao anti-Cristo: a auto-suficiência; e resta cairmos outra vez e sempre nas garras da Graça, a primeira e última ponta de esperança de uma relação renovada com o Senhor e da existência de uma igreja que vive e proclama integralmente as boas novas do evangelho.

Jonathan

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