quarta-feira, 25 de julho de 2012

Manifesto pela abolição do politicamente correto em teologia

Politicamente correto

Começo avisando aos desavisados, caçadores da heresia alheia e paladinos da retidão, que não sou a favor do mau-caratismo, da indiferença e da falta de educação ou consideração pelo outro. Tento seguir a palavra de Paulo, que diz que, no que for possível a nós, tenhamos paz com todos os homens, sem ignorar a de Jesus, que afirmou não ter vindo para trazer paz, mas espada. Então, por favor, não confundam o papel exercido pelos pacificadores, com o dos pacifistas (que querem paz a qualquer preço), dos passivos (que aceitam irrestritamente a paz ou a espada que lhe oferecem) ou dos politicamente corretos – que negociam, encenam, proclamam, associam, brindam, celebram "paz", mesmo não havendo paz, o que implica em haver justiça, harmonia, reconciliação. A paz do politicamente correto, em especial, é a paz "que eu não quero conservar pra tentar ser feliz", parafraseando "O Rappa".

Por que não? Porque o politicamente correto é uma invenção do impostor, do manipulador e do religioso, propagada e aceita em rebanho, a fim de manter um efemêro, superficial e ilusório senso comum de qualquer coisa: uma falsa hamonia, uma falsa preocupação e comprometimento com os "altos valores" humanos, uma falsa posição favorável aos direitos de grupos minoritários, uma falsa e patética defesa do interesse geral de sei lá o quê, quando o que está em jogo é, na maioria das vezes, o interesse de um (indivíduo, grupo, classe) só. Acho que o coisa-ruim, quando maquinava sobre como poderia persuadir sem ser notado, resolveu dar uma "ajudinha" pra que se criassem duas coisas: uma se chama propaganda – uma apreciada e bem-sucedida forma de se contar mentiras, e ainda receber aplausos e dividendos por isso – a outra tem sido nominada de “politicamente correto”.

Então, minha definição (simplista) de politicamente correto, é: a vitória parcial do coisa-ruim contra a possibilidade da integridade e honestidade humanas e uma forma de nos manter parecendo ou querendo ser o que, no fundo, não somos, não pensamos, nem acreditamos, mas que, em nome da preservação de uma imagem e reputação, afirmamos ser-parecer-crer, com óleo de peroba bem passado na face.

Por que isso é um problema particular para o fazer teológico?

Simples, porque o fazer teológico é, antes de tudo, um fazer profético, tanto no conteúdo quanto na forma. E o compromisso primeiro do profetismo é com a mensagem a ser proferida e com Aquele que a confere: Deus. Não está à serviço nem de sistemas, instituições ou do poder temporal onde quer que ele apareça. Pelo contrário, fala precisamente para denunciar os desvios e transgressões provocados por estes, contra Deus e contra a vida. Dessarte, o profeta não pode se ativer ao que é politicamente (ou religiosamente) correto, mas se atém a todo o conselho de Deus, de acordo com o discernimento provido pelo Espírito à luz da Palavra. Se chegar a desagradar A, B ou C é porque foi fiel à sua vocação. Se passar a se preocupar com o que pensam, com o que dizem, com o pescoço e reputação próprios, perde sua razão de existir, e já não pode mais ser chamado “profético”.

Não estou dizendo que a palavra profética é destrutiva. É claro que ela pressupõe a palavra de encorajamento e motivadora de esperança, mas também pressupõe correção de rota, denúncia, vaticínio, que nem sempre – ou quase nunca – soam assim tão agradáveis, sobretudo para a pessoa, grupo, governo ou instituição a quem ela se dirige propriamente.

Daí, insisto que a teologia, profética por natureza, não está primariamente a serviço das igrejas ou qualquer outra organização. Ela está a serviço da missão de Deus, na qual a Igreja se insere, como meio e agente e não com um fim em si mesmo. A concepção da Igreja como um fim (finalidade) em si representa, de inúmeras formas, o fim (extinção) dela em sua razão de existir: servir à missão do Reino. Se a teologia, portanto, serve à Igreja é por sua conexão e fidelidade à missão. Até aí tudo bem, creio. O problema é que é muito difícil separar, na prática, a Igreja de suas expressões históricas e interesses institucionais. E a teologia como profissão e forma de sobrevivência no Brasil depende, infelizmente, de uma estreita relação com essas expressões que aqui são, em sua esmagadora maioria, sua fonte de subsistência. Logo, a teologia se vê à mercê dos interesses institucionais e mercadológicos das igrejas e seus departamentos, e tende por isso a pautar sua prática e discurso mais pelo que é conveniente e politicamente correto que pela liberdade no exercício da vocação que lhe é própria. Se admitirmos, por força das condições históricas e contextuais dadas, que essa relação de prestação de serviços e quase subserviência é necessária e inevitável, pelas razões já arroladas, então não há como falar na abolição ora pretendida, nem em fazer valer o que chamo aqui de vocação primária da teologia. E diante de tal realidade, longe estamos de falar em uma teologia que, na sua relação com as instituições, grupos e pessoas, seja livre e libertadora.

O que proponho, afinal, torna-se, para fins práticos e pragmáticos, algo utópico, quase irrealizável em sua amplitude, especialmente dentro de uma instituição de educação teológica. Isso é o que provavelmente dirão meus colegas diretores e administradores envolvidos com ET. A não ser que:

1. A instituição não dependa do estado ou da igreja para sobreviver, o que no Brasil só se tem feito possível em universidades que abrigam e sustentam a pobre teologia, por meios de seus outros (ricos) cursos;

2. As instituições isoladas não vendam suas convicções no altar das matrículas de cada semestre, feitas por estudantes que as igrejas mandam – o que pode (e provavelmente irá) resultar em sua bancarrota;

3. O teólogo não se preocupe com as possíveis retaliações a que venha sofrer – incluindo a perda do emprego, por manter-se mais fiel às convicções que ao bolso; ou

4. Que construa uma carreira profissional paralela a teologia, podendo assim “sustentar” sua vocação sem dependência de relações institucionais e seus posicionamentos orquestrados, especialmente no que toca à arte de escrever.

Escrever sem liberdade é como navegar em um lago: você tem todos os instrumentos para viajar muito longe (far away), mas não consegue sair dos limites da extensão do lago, já bem pré-definidos. Ou seja, nos tornamos teólogos de segunda ou terceira mão, entregadores de pizza e não pizzaiolos, escriturários ou amanuenses do discurso alheio e não escritores de pulso, transgressores, espíritos livres.

Jonathan