segunda-feira, 25 de abril de 2011

Conversa pra boi dormir?

Eu sou um teórico. Admito isso sem jogar confetes, porque assim sou eu. Tá no sangue. O que faz de mim um teórico? É que meu ofício envolve pensar nas inúmeras possibilidades de explicação de algo e por isso invisto um bom tempo com auto e alter (do outro) análises. O que isso muda na realidade? Nada diretamente. Muda em mim, pensador, e na medida em que “me” muda, o mundo – uma partícula dele pelo menos – também muda. Para onde isto nos conduz? Para o reconhecimento de que esta tarefa é tão importante quanto a de realizar coisas.

Dependendo do círculo de pessoas para o qual falo, a questão pode se inverter e alguns objetarão quanto a superioridade da idéia em relação à ação, entendendo que esta gera aquela. Só que este é um jogo sem fim e sem vencedores. Platonistas e Aristotélicos, Hegelianos e Marxistas, Conservadores e Progressistas, Teóricos e Ativistas parecem estar sempre às voltas com a velha questão: o que precede o que? Ou: o que/quem vem primeiro?

Creio que este é um empreendimento tão infeliz quanto o de tentar determinar quem veio primeiro, se ovo ou se galinha. Inútil, como jogar o bebê fora junto com a água do banho. A complexidade da vida me conduz a uma lógica mais dilatada de e/e (mais possibilidades de leitura) ao invés da de ou/ou (oito ou oitenta) na vida de modo geral e também para esta questão. Logo, viver e entender a vida, experimentar e analisar, teorizar e praticar são termos “colegas” de jornada e não (precisam estar) em lados opostos, embora sejam diferentes.

Então, comecei dizendo que sou um teórico. A questão é: e daí que sou? Daí que ser teórico não faz de mim um não prático – em muitas circunstâncias tenho que botar em prática aquilo que creio, penso e teorizo. Tampouco me leva a ignorar a importância da prática, muito pelo contrário; e o mesmo se aplica ao prático em sua relação com teoria e teóricos. Mas, se na ocupação de nossos lugares sociais e vocações não tentássemos dividir ou dar primazia, esse papo de obviedades, que com relutância travo aqui, não passaria de “conversa pra boi dormir”. Temo, contudo, que poucas pessoas (ainda e por mais antiga que seja a questão) estejam livres da necessidade dessa conversa, com exceção dos bois e de outros animais menos complicados.

Jonathan

sexta-feira, 8 de abril de 2011

A dádiva da deficiência

É preciso ser muito “forte”, num sentido não muito convencional de força, para embarcar no mundo de fracos e fraquezas. Isso, pois nosso mundo é feito e disposto aos fortes, ou pelo menos os que “aparentam” ser. E onde a suposta força é celebrada e a fraqueza é rejeitada, não há lugar para os fracos e suas intragáveis demonstrações de pequenez e falta de virtude, aos olhos humanos.

Nessas horas aparece o conflito entre a humildade e a vanglória, a deficiência e a suficiência... Quero falar desse conflito aqui. Em 2 Coríntios, capítulo 12, Paulo conta a história de um homem que havia sido arrebatado ao paraíso – se no corpo ou fora do corpo ele não sabia dizer – e que lá ele ouviu coisas indizíveis, que ao ser humano não é licito referir. Em certo momento, ele denuncia ser ele mesmo esse homem (v. 5-6), dizendo não se gloriar de tal feito, embora pudesse fazê-lo, já que se trata de algo verdadeiro. Mas que não o fez por uma razão simples: para se proteger contra os falatórios das pessoas... Imagine o que elas diriam, ou como reagiriam!

É nesse contexto então que ele diz o que mais quero chamar a atenção aqui: contra sua possível soberba, foi lhe dado um “espinho na carne”. Na tradução The Message, usa-se a expressão: “Dom ou dádiva de uma deficiência”. E a razão parece ser evidente: isso é para que você fique em permanente contato com as suas limitações!

Fico imaginando (já que é o que posso fazer): esse espinho pode ser a representação de qualquer coisa – a) uma deficiência física ou mental; b) uma carência emocional; c) uma limitação externa ou desarranjo provocado por alguém ou por uma situação adversa, e assim por diante. Para mim, o espinho é um antídoto às avessas, é o que me livra de ser dominado pela vontade de poder, de ser massacrado pelo meu ego, de ser lançado no quarto escuro da pretensiosidade.

Dificilmente de cara tendemos a ver essa deficiência como uma dádiva, não é mesmo? É, na verdade, um incômodo, um embaraço, que desejo arrancar a todo custo, como Paulo (ver: v. 8). E nessas horas nós procuramos o cirurgião, queremos a cirurgia! Mas o cirurgião diz: não vou te operar, porque eu já estou operando em você, de um modo diferente... Deus opera com a Graça! E por isso ele diz: a minha graça é suficiente para você. E essa é uma palavra apropriada: “deficiência”, pois é o oposto de “suficiência”. É por isso que lutamos tanto contra ela, não é? Porque almejamos a suficiência quase em tudo, ou em tudo o que podemos.

Assim, a fraqueza – seja ela em que dimensão se apresentar – é condição de nossa continuidade na graça, de nossa dependência de Cristo, do aperfeiçoamento de seu poder em nós, como discípulos a serviço do Reino! Que você e eu aprendamos a celebrar e a ser agradecidos por aquilo que somos, com nossas virtudes e defeitos. Que o Senhor da graça nos ajude a exercitar nossa humildade em nossa aceitação de que não podemos tudo, nem temos controle sobre tudo e resposta para todas as coisas.

Jonathan

sexta-feira, 1 de abril de 2011

#Nouwen: Casamento entre teologia e espiritualidade


Muitos textos que escrevi no blog até hoje foram sobre ou baseados em Henri Nouwen. Intencionalmente, porém, usarei o marcador #Nouwen daqui para frente para textos nos quais estiver em franco diálogo com ele, até como forma de compartilhar com vocês as reflexões e discussões que temos realizado em nosso grupo de leitura da obra desse fascinante escritor.

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Todos fazem teologia (consciente ou inconscientemente) quando refletem sobre e dão significado ao exercício de sua fé (dádiva) em seus múltiplos contextos. E minha defesa particular, nesse sentido, é a de que devemos continuar fazendo isto, só de que de modo consciente, maduro e bem orientado.

Em uma de suas mais celebradas obras, intitulada originalmente “In the name of Jesus”, mas traduzida ao português como “O perfil do líder cristão no século XXI” (Atos, 2002), Henri Nouwen defende que somente uma “intensa reflexão teológica” poderá nos fazer “discernir, com senso crítico, para onde estamos sendo guiados. O preço de se viver sem uma sólida reflexão teológica é o de que os futuros líderes “serão pouco mais do que pseudo-psicólogos, pseudo-sociólogos e pseudo-assistentes sociais” .

Eis um trecho do pensamento do autor sobre tal processo:

Os líderes cristãos do futuro precisam ser teólogos, pessoas que conhecem o coração de Deus e são treinadas – através da oração, do estudo e da análise detalhada – a manifestar o supremo evento da obra redentora de Deus no meio dos inúmeros eventos aparentemente casuais de sua época. Reflexão teológica é refletir sobre as dolorosas realidades de todo dia e sobre as positivas também, com a mente de Jesus, para assim despertar a consciência humana para a percepção da suave orientação de Deus em nosso interior (p. 57).

A conclusão óbvia deste raciocínio de Nouwen, em consonância com o pensamento de Kierkegaard - de que "não há verdadeiro autoconhecimento sem o conhecimento de Deus ou [sem estar diante] de Deus" - me parece ser a de que, se não é possível desenvolver um conhecimento razoável de quem somos (a disciplina do autoconhecimento) sem estar diante de Deus disposto a conhecê-lo, então, de igual modo, estar diante de Deus disposto a conhecê-lo e perceber a “suave orientação” de seu Espírito em nós mesmos também não é possível sem uma séria e dedicada reflexão teológica.

Para tanto, ainda segundo ele, os discípulos, discipuladores e líderes do futuro precisam atravessar o mar vermelho das desconfianças e preconceitos relacionados à reflexão (sobretudo a teológica) e se engajar critica e abertamente nesta tarefa a partir de seu próprio lugar social e ministerial. Paralelo a isto, “muita coisa precisa acontecer nos seminários de teologia”, como afirma Nouwen. Em sua percepção, eles “precisam tornar-se centros onde as pessoas são treinadas no verdadeiro discernimento dos sinais de sua época”. E, igualmente importante, esta formação não pode envolver apenas intelecto, mas ser também segundo o autor uma “profunda formação espiritual, envolvendo a pessoa no seu todo, ou seja, o seu corpo, mente e coração”.

Em tempo: vale lembrar, por fim, o que disse Gustavo Gutiérrez, um dos mentores de Nouwen nesta percepção, em seu livro "Beber em seu próprio poço" (2000): “Uma reflexão que não ajude a viver segundo o Espírito não é uma teologia cristã. Toda autêntica teologia é uma teologia espiritual” (p. 52). Esta percepção deve recuperar, ainda que em um plano ideal, o lugar da teologia na espiritualidade cristã do dia a dia, que é o de ser orientadora crítica da vida e do discernimento da igreja em missão.

Jonathan