quinta-feira, 31 de julho de 2014

Fogueira das vaidades: um escrito impertinente

tudo-e-vaidade

Andam dizendo, e não é de hoje, que as redes sociais em geral, e especialmente o Facebook, são como “fogueiras de vaidades”. Não preciso discutir muito isso, pois é óbvio a qualquer observador/a um pouco mais atento/a. No entanto, na mesma medida em que precisamos ser recordados de certas obviedades, também precisamos aprender a desconfiar delas. A crítica é válida, mas deixa muitas perguntas honestas tais como: tem saída? É possível entrar nessa fogueira sem sair chamuscado? Quem é capaz de afirmar que sua auto-exposição nas redes, por mais contida que seja, não é fruto de vaidade? É menos vaidosa a pessoa que decide ficar de fora das redes apenas para dizer que não se rende “a esse tipo de modernidade” ou ao “universo virtual”, pois prefere as “relações reais”? Dizemos que “fulana é vaidosa”, “beltrano é narcisista”, “ciclana vive de ‘selfie’ em ‘selfie”, mas não percebemos nossa própria vaidade velada por trás até mesmo desse tipo de crítica.

Dias atrás fui “pego” (busted!) por um amigo enquanto criticava um religioso da cidade por aceitar o título de “cidadão honorário” da Câmara de Vereadores, dizendo a mim mesmo que profeta com honra não é uma coisa boa. Então esse amigo rebateu indagando: tudo bem, isso é um desses contrassensos cristãos que a gente vê todos os dias – esse camarada não é o primeiro, nem será o último –, mas será menos vaidoso/a aquele/a que porventura rejeita tal honraria, para depois contar às pessoas a respeito, que, por sua vez, dirão que ele é um autêntico crente e o aplaudirão por tal feito? Percebem a encruzilhada em que o “ser gente” e participar das coisas de gente nos coloca? De novo, há saída? Se há, certamente ela não é barata e nem fácil.

E mais, somos vaidosos até da manifestação da consciência de nossa própria vaidade e da de outras pessoas, pois, por temos a consciência ao nosso lado, fatalmente nos julgamos “mais nobres” que os outros, “espíritos livres”, como diria Nietzsche (também possuído por uma grande dose de vaidade). Como alguém, como ele, que julga ser um “espírito livre” pode ser livre? Livre de quê? Das obrigações sociais, talvez; da cobrança dos relacionamentos complicados, dos holofotes exigentes das corporações e instituições e das conhecidas opressões do “olho de Deus” expressas na religião, quem sabe. Mas de uma coisa, um simples fato da existência, esta pessoa não é livre: de si mesma. Ninguém é livre de si, e quanto mais arroga para si o fato de ser livre do devir e do dever de ser, mais escrava de si mesma ela se torna. Nunca houve expressão mais arguta e penetrante que do pregador de Eclesiastes: “Tudo é vaidade e correr atrás do vento”.

Sejamos honestos, todos gostamos e procuramos um público que nos adule, nos aplauda, reconheça e nos coloque para cima. Aturamos pouco as críticas duras, sinceras e verdadeiras. Não queremos conviver com quem é capaz de, num simples olhar, nos desmascarar. Precisamos de outra coisa, clamamos por apreciação, aceitação, controle. Nos derretemos facilmente com as curtidas, compartilhamentos e comentários que aqui e acolá pipocam em nossas “timelines”. Quem nunca escreveu nada pensando nisso? Quem nunca procurou algo polêmico, algo interessante, algo da moda, algo impactante e sensacional para compartilhar à espera de uma boa curtida? Será que somos tão bons, tão cândidos e tão originais para admitir que nada fazemos em prol de algo sem esperar nada em troca? E isso não é nenhuma demonização, é apenas uma “verdade sangrenta”.

No fim das contas, quem não se sabe ou não se vê assim, que atire a primeira pedra, pois minha vaidade está aqui, pronta pra “matar no peito” e sair jogando. Decidi cuidar de minha integridade, mesmo que isso me custe a tão valorizada reputação; não quero mais falar dos outros como se, na verdade, não estivesse olhando para o próprio espelho. Quanto mais reconheço que “nada do que é humano me é estranho”, que não há profanidade maior que a pachorra de a tudo declarar profano, mais próximo me vejo de Deus, da graça e de tudo o que é mais sagrado na vida.

Jonathan

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Perguntinhas despretensiosas…

Perguntinhas
Você já pensou o quanto de tempo gastamos buscando e esperando a aprovação alheia? Quantos de nossos esforços, alegrias, decepções, risos e lágrimas resultam das expectativas que colocamos sobre "o sim" ou "o não" alheio?

O quanto lutamos para sermos aceitos e, depois que somos, o que nos dispomos a fazer para manter viva a aceitação? Como sofremos quando alguém nos critica, difama ou deprecia, ou seja, como nos angustia essa tal de opinião que os outros têm da gente?

Quando foi que perdemos a "coragem de ser", sobre a qual falou Paul Tillich: de ser quem se é e de ser “como uma parte”, e de aceitar-se como se é mesmo sabendo da possibilidade de não ser aceito dessa forma? Será porque deixamos de ouvir a voz que nos chama de "filhos amados", ou porque sequer um dia a ouvimos e assim nos reconhecemos?

O que nos falta para que encontremos aquela liberdade interna, que nos liberta desse "eu" carente de aprovação externa, e que nos convida a manter acesa em nós a chama da integridade e o caminho para a autenticidade?

Como indaga o Teatro Mágico, pra onde foi a coragem do nosso coração? E como problematiza Jesus, de que vale ganhar o mundo inteiro e perder a própria alma? Ou (uma afirmação para variar) como diz Carlos Drummond, o mundo não vale o mundo, meu bem... ou será que vale?

Jonathan

quarta-feira, 9 de julho de 2014

O mistério revelado da vontade divina

Wind-God-Tree

Ensina-me a fazer a tua vontade, pois tu és o meu Deus; que o teu bondoso Espírito me conduza por terreno plano (Salmos 143:10).

O que é a vontade de Deus? Como conhecê-la? O que fazer para cumpri-la? Esse é um mistério que tem permeado a vida de pessoas ao longo de milênios. O jeito com que se trata esse assunto é o que gostaria de refletir aqui.

Não há dúvida de que, ao lermos as Escrituras, encontramos o princípio de que viver bem, com temor e dignamente significa dispor a vida para andar conforme a vontade do Senhor. Converter-se a Cristo, em parte, também é isto: permitir que nossa vontade saia cada vez mais de cena, a fim de dar lugar a uma vontade maior e soberana: a de Deus. O ponto para mim, porém, é: se temos consciência, quando buscamos a vontade de Deus, do que envolve esse “andar conforme”.

O salmo (143) de Davi, humano, honesto e orgânico, servirá como ponto de partida aqui.

Antes de tudo, trata-se de uma oração, de uma súplica. Normalmente, nós suplicamos com mais força quando sofremos. E é o que está acontecendo com Davi. Diante dos muitos conflitos que enfrenta, apela para a justiça e fidelidade divinas [v. 3]. Mostra-se muito angustiado e com o coração aflito, “em pânico” [v. 4].

Costumo dizer que a angústia não pode ser desprezada, pois é uma das avenidas que nos conduzem aos braços de amor de Deus. Mas nem sempre conseguimos lidar com ela. Sentimos como se a angústia fosse um peso, uma ferida aberta, uma faca cravada no peito da gente. E muitas vezes ela tem a ver com frustração, com medo, com sentimento de rejeição e abandono, e com as incertezas.

Então, apressados pra sair dessa logo, suplicamos pra que Deus se apresse a nos responder, a dar um rumo definitivo. Mas descobrimos que na vida não há rumos definitivos – nem a morte, biblicamente falando, é um rumo definitivo.

E o mais duro golpe aos apressados é ter que lidar com as indefinições, incertezas e dúvidas que fazem parte da vida de qualquer pessoa comum. Dessa forma, a “vontade de Deus” vai se tornando a fórmula religiosa para expiar tudo o que é indesejável, como também para alimentar o que se deseja. Daí brota as distorções, tais como:

Prega-se que precisamos estar no “centro da vontade de Deus”...

Que cada detalhe da vida não pode fugir do plano de Deus para nós...

Que a vontade de Deus é isso, e não pode ser aquilo; se desastres acontecem, foi “da vontade de Deus”; se o avião não saiu do aeroporto, era propósito de Deus, porque certamente ele cairia; se perdi um emprego, foi Deus quem quis, pois estava preparando um ainda melhor pra mim, e por aí vai... Vontade privatizada!

A moça ora para que Deus envie o homem segundo a Sua vontade para ela casar – no mundo todo existe só um. Estatisticamente, ela terá que orar muito, mas muito!

Jovens aderem a movimentos de santidade que afirmam que “esperar” (pelo amor, pelo casamento, etc.) é “a vontade de Deus” pra vida deles...

Será que a gente não para pra pensar no Deus monstrengo e esquizofrênico que vamos desenhando com todo esse besteirol teológico? Nos efeitos disso aos “pequeninos”?

Então, só pra contrariar, eu resolvi criar outro movimento: o “Eu escolhi ir à luta”. É um movimento de gente crente e temente, sim, mas que tem consciência que “não adianta olhar para o céu com muita fé e pouca luta” (Gabriel O Pensador). Que quer estimular uma liberdade responsável, o risco da decisão, a busca da vontade divina pelo discernimento.

Essa é, para mim, a chave do Salmo 143: quando, do desespero, Davi pede que o Senhor o ajude quando tiver que escolher o caminho a se andar [v. 8]; quando roga para que o “ensine a fazer sua vontade” [v. 10]. A vontade é de Deus, mas a escolha é nossa. E Deus só pode ensinar sua vontade a quem quer aprender, quem se lança na aventura de aprender, pois é vivendo [errando e acertando, sofrendo e mudando] que se aprende...

Por isso discernir é preciso! O salmista [119:27] também ora: “Faze-me discernir o propósito dos teus preceitos, então meditarei nas tuas maravilhas”. Na tradução A mensagem: “Ajuda-me a entender estas coisas de dentro pra fora”. A Palavra Divina!

Portanto, posso concluir que a vontade de Deus não se mostra instantaneamente; a vontade de Deus se experimenta e se pondera, pela renovação da mente [Rm 12.2]. Como eu entendo a vontade de Deus? Como um mistério revelado que só se entende e se experimenta na medida em que se caminha e em que se vai à luta.

O que eu quero dizer se traduz perfeitamente na música do Teatro Mágico, que diz:

Milagres acontecem quando a gente vai à luta!

Minha proposta aqui é muito simples: vamos à luta sem medo do que vamos encontrar, se derrota ou vitória, se sucesso ou fracasso. Pois Deus tem cuidado e cuidará de nós por onde formos; se nos desviarmos e, de coração, quisermos mudar a rota, Ele mesmo nos ajudará a colocar de novo nosso vagão nos trilhos de sua vontade. Que haja esperança!

Jonathan