domingo, 29 de maio de 2011

Pedras que edificam a Igreja que não perdeu o Reino

“À medida que se aproximam dele, a pedra viva - rejeitada pelos homens, mas escolhida por Deus e preciosa para ele – vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas na edificação de uma casa espiritual para ser sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo”
(1Pe 2.4-5).
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São quatro e meia da manhã e seu Argeu já está de pé para mais um dia longo pela frente. Vai até a padaria, compra os primeiros (e mais quentes) pães do dia, volta pra casa, toma seu café e segue a jornada diária, de passar no lar dos idosos que ajuda a manter há quase 15 anos em Vitória/ES, e depois na creche onde também ajuda c coordenar, que atende pelo menos 100 crianças, todos os dias, nos dois turnos. Apesar de aposentado (após muitos anos de trabalho como operador de máquinas na Cia. Vale do Rio Doce), ele descobriu uma vocação que o move desde a conversão a Jesus: receber, ajudar e enviar de volta outras pessoas. Hospitalidade, para ele, virou mais que um dom (embora o seja) ou um dever cristão: é estilo de vida.
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Assim, com os recursos que adquiriu ao longo da vida dura como trabalhador e com a aposentadoria – tendo seus filhos já formados, casados e bem encaminhados – seu Argeu foi aumentando a casa onde vive há muitos anos e ali acomoda as “visitas”, incluindo amigos, irmãos da igreja, familiares que vêm e vão o ano todo para as mais diferentes ocasiões e pelos mais variados motivos. Além disso, ele hospeda pessoas (conhecidas ou não) que vêm de cidades circunvizinhas para se consultar no hospital da cidade, e faz todos os traslados com sua Paraty (da rodoviária, para casa, para o hospital, para casa e para a rodoviária de novo), com a praticidade de um especialista.
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Nos dias em que fui recebido como hóspede na casa de seu Argeu, tive a oportunidade de ver e provar muitas coisas. Passeei (e corri) pela bonita cidade de Vitória e sua região de belas praias e lindas serras; ajudei a celebrar o casamento de meu amigo Evandro com Kênia (a filha caçula de seu Argeu); conheci gente diferente e também uma cultura diferente da minha – embora todos sejamos brasileiros, cada vez que se viaja pelo Brasil, se percebe que temos muitos “Brasis” dentro do Brasil (como diria Carlinhos Veiga). Mas, sobretudo, também tive tempo para parar e contemplar. E via o seu Argeu, indo de um lado pro outro e tendo tempo de servir, conversar, atender pessoas e ainda ser pai, marido, sogro, avô, irmão e anfitrião no meio daquele agito todo. Quando eu acordava, ele já tava no batente há um bom tempo. E pensava comigo: “Esse homem não pára, Meu Deus! Será que tem idade e saúde pra essa vida? Como será que ele consegue?”.
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Mas, para além da impressão vaga e superficial de um senhor aposentado e bastante ativo, vi também um homem sensível, sincero, de olhar atento, bastante objetivo e direto no falar, preocupado em saber se tudo está indo bem, nos “conformes”, se seus convidados estão sendo bem tratados e, mais importante, se estão se sentindo “em casa”. E o mais engraçado é que, nem de seu Argeu, nem de dona Célia (sua esposa e parceira de caminhada, batalhadora, também muito amorosa e hospitaleira) não precisei ouvir nada, nem sequer um “sinta-se em casa”, para efetivamente assim me sentir. A atitude deles falou mais alto, e eles foram fazendo com que me sentisse em casa e, logo, era como se, realmente, eu estivesse em casa. E não estava?
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Seu Argeu é, consciente ou não, um dos milhares de agentes anônimos da Missão Integral espalhados por esse país. E a gente que se envolve tanto com o “falar”, com a erudição e o ensino, acaba percebendo que exemplos como o dele são lições vivas do amor de Deus ao mundo; teologias ambulantes que se fazem no caminho, ao andar e viver com Deus e com o próximo. E percebo que, de fato, não é preciso tanto saber quanto é preciso viver o que se sabe, sem ostentar, sem “botar banca”, nem anunciar em outdoor. E que a revolução do reino já acontece a despeito dos intelectuais (burgueses de pança cheia) que pensam, planejam e orquestram supostas “revoluções”.
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A fé que se pensa não é uma entidade abstrata, mas é a fé prática, que só pode ser pensada e repensada na medida em que é vivida. Logo, antes mesmo que minha mente elabore, que meu discurso anuncie, a fé já estava ali, “movendo montanhas”, promovendo a justiça do reino, gerando esperança, aplicando o amor. E o que mais me encanta (e me inspira na vida de crente) é saber que por aí há tantos outros como seu Argeu, pedras vivas que edificam a Igreja que não perdeu de vista o Reino, professores do agir, que ensinam sem saber, que abraçam sem perguntar e que amam sem fazer alarde.
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Jonathan

sábado, 21 de maio de 2011

#Nouwen: Orações sem palavras

Hoje orei sem falar: “Pai, que minha vida se abra para Ti, sem reservas, medos ou relutâncias...”.
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Uma das percepções centrais no pensamento de Henri Nouwen é a da oração como “modo de vida”. Ou seja, orar seria para ele outro sinônimo para viver. Viver a vida deixando-se ser encharcado pela presença de Deus e por tudo o que ela envolve. Nesta percepção, orar é um ato do ser que se traduz em palavras, mas não somente em palavras. Pois palavras são, segundo Nouwen, “apenas um modo de expressar a realidade da oração” – talvez o mais recorrido na tradição cristã para a qual a palavra é tão importante (para muitos, imprescindível).
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Esta visão vai ao encontro de uma intuição muito pessoal (minha), fruto não só de experiências com a oração, mas da percepção de sua (in)eficácia no mundo real no tocante à vida humana e seus mistérios, onde as palavras nem sempre encontram “o sentido” ou “fazem sentido”. É a intuição de que a oração genuína acontece (antes) no coração e pouco pode ser captada pelo discurso. Aliás, normalmente somos traídos pelo discurso, que tende a mascarar (no cativeiro da linguagem) o que se passa no coração e que talvez os olhos e a expressão reflitam um pouco melhor, embora sempre parcialmente.
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Dessa forma, sinto-me impelido a, como Nouwen, “redescobrir os momentos de oração nos rostos do homem e nas formas do mundo em que ele vive”, de um modo que somente um contemplativo crítico e sensível da realidade pode fazer, despido das urgências de seu ambiente e da tendência comum em trivializar a oração, por um lado, tornando-a um ato mecânico-religioso, e de fetichizá-la, por outro, como uma “varinha de condão”. Quando paro para contemplar, por exemplo, algumas histórias de vida sofridas de estudantes (que trabalham de dia e estudam a noite, ou que estão em busca de trabalho) e lutam diariamente para conciliar múltiplas atividades, tendo de lidar com as muitas contingências desse estilo de vida, posso perceber nas expressões e olhares cansados, sonolentos, mas alegres, relutantes e esperançosos, muitas orações sem palavras, pequenos e singelos gestos de uma busca que não cessa e, na dificuldade, traz consigo inúmeros aprendizados.
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Então, em breves esforços de compaixão, oro também, sem palavras, com os olhos marejados ou esboçando um sorriso, na confiança de que o Senhor está entre nós, partilhando conosco de cada instante. Ali, absorto por emoções e pensamentos que pululam e gritam em silêncio, encontro Deus, parafraseando Nouwen, na brisa suave que vem da janela – relembrando que o Espírito sopra e age no silêncio e de que onde houver luta, também haverá esperança – na angústia e na alegria do outro e na solidão de meu próprio coração.
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Assim, ao invés dos “punhos cerrados” – imagem utilizada por Nouwen para indicar tensão e auto-proteção – ouso orar a Deus “de mãos abertas”. Pois, como diz ele: “Uma vida imersa em oração é uma vida de mãos abertas, em que você não se envergonha de sua fragilidade mas percebe que é mais perfeito um homem se deixar guiar pelo outro do que procurar prender tudo nas mãos” (Oração, p. 79. Grifo meu.). Portanto, na perspectiva de mãos que se abrem, orar significará abandonar-se diante de Deus, deixando de lado todo anseio por controle e abrindo-se para o maravilhoso e imprevisível mundo das possibilidades do Eterno, desejando um outro “eu” possível e crendo que “outro mundo é possível”.
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Jonathan

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Uma constante (e omitida) tarefa

Fazer discípulos e acompanhá-los numa trilha rumo à maturidade em Cristo: eis uma das constantes tarefas da educação cristã em meio aos mais variados contextos.

Mas isso não passará de utopia improvável – a formação de mentores (não somente pastores) capazes de levar a cabo esta difícil tarefa de unir evangelismo e educação cristã – caso não haja um treinamento teológico no âmbito da comunidade. Um treinamento que ultrapasse o nível da manutenção das pessoas nos estágios de fé em que se encontram (os chamados “sermonetes”) e se preocupe com a reflexão séria e profunda das Escrituras à luz da realidade vivenciada por aquelas pessoas, equipando-as para que sejam efetivos instrumentos (para o reino) no raio de alcance de seus relacionamentos com o mundo “lá fora”. Assim, discipulado deixa de ser um programa de treinamento a serviço exclusivo de uma funcionalidade intramuros, e passa a ser um lócus (continuado) de formação do discípulo para enfrentar os desafios da realidade extramuros.

Quando falo em treinamento teológico não me refiro apenas àquele tipo de treinamento que se ocupa da sistematização de dados da revelação visando a repetição disso em um “plano (lógico) de salvação”, por exemplo. Refiro-me a uma atividade mais modesta – porque reconhece os limites de suas cogitações, e porque o cogito (as idéias) é fruto de uma relação com o que é cogitado (Deus) – sem deixar de ser intensa, e mais divertida, sem deixar de lado a reverência, de interpretar, através da Bíblia, os modos de ser e de agir de Deus no mundo, e como isso afeta diretamente o nosso modo de sermos seus embaixadores, no mesmo mundo. Isto deve nos conduzir a uma intimidade e entendimento maior com (o conhecimento de) quem somos, de quem Deus é e da missão que nos vem sendo conferida.

Esta atividade, especialmente no mundo (pós-moderno) de hoje, deve passar pelo reconhecimento de que, quando fazemos teologia, utilizando a analogia de Brian McLaren, “somos vasos avaliando o oleiro, crianças questionando seus pais, formigas discutindo sobre o elefante”. Daí vem seu lado “modesto”, seu caráter essencialmente humilde, porque conta inelutavelmente com a graça de Deus e o sopro de seu Espírito sem os quais teologia alguma é possível, tampouco efetiva, na vida de ninguém.

Nesse contexto, se permitirmos que a teologia volte a sua vocação de ser, de acordo com McLaren, “uma exploração sem fim e na busca eterna pela verdade, pela bondade, e pela beleza de Deus e sua relação com o nosso universo e tudo o que nele há”, então ela será “maravilhosamente ressuscitada por nós” , como tarefa de todos, não para substituir o lugar das Escrituras (como parece ser o receio de alguns), mas para nos ajudar a entendê-las e aplicá-las melhor. Sem isto, possivelmente teremos não apenas mentores rasos (superficiais), mas discípulos rasos e evangelistas rasos.

Portanto, aceitamos a tarefa de “fazer discípulos” não como parte de um programa para o crescimento da “minha denominação”, nem tampouco confiando no “braço forte” da igreja contra os seus supostos “inimigos” (os pagãos), que nos esperam no mundo para o confronto (e a esperada decisão por Cristo) final. “Fazer discípulos” é uma tarefa que só se realiza no temor Daquele que capacita os chamados, e na confiança perene em suas palavras: “Estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos”!

Jonathan