segunda-feira, 31 de agosto de 2009

¡Gracias!

O amor, a gratidão e a generosidade, bem como o sofrimento e a contingência têm múltiplas faces. E se Deus se faz presente na realidade, na história das pessoas a quem Ele ama, então posso ver Deus através das múltiplas faces de meus irmãos e irmãs humanos, parceiros de caminhada neste mundo.

Lembremos das palavras de Jesus: “Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me hospedastes; estava nu, e me vestistes; enfermo, e me visitastes; preso, e fostes ver-me... Em verdade vos afirmo que, sempre que o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (Mt 25.35,40). Isso não é instigante?

Sinto uma grande alegria e profunda gratidão a Deus por ter me oportunizado passar esse tempo curto, mas tão agradável em Maputo. Ouvi tantas histórias diferentes da minha, contadas e expressas nos olhos de meus agora amigos moçambicanos.

Grandes coisas pude aprender com eles e creio que eles comigo. Fico feliz em ter podido experimentar a hospitalidade moçambicana, e receber um pouco do amor e cuidado de Deus por meio desses amados Dele, que vivem geograficamente tão distantes do lugar onde eu vivo. Uma vez mais o Senhor me mostrou que ele se revela no outro, e através do outro me convida para um relacionamento vivo e dinâmico, dentro de uma trajetória cheia de surpresas e experiências enriquecedoras.

Durante a viagem, comecei a ler o livro “Gracias: a Latin American journal”, de Henri Nouwen, onde ele relata sua experiência de seis meses na América Latina. A questão principal em torno da qual gravitam tais relatos é vocacional: “Deus tem me chamado para viver e trabalhar na América Latina nos anos seguintes?”. Chama-me a atenção essa busca sincera do autor por entender sua vocação e a vontade de Deus naquele exato momento, deixando fluir suas dúvidas e convicções, misturadas com a confiança de que o Senhor o guiaria no instante exato, como o fez.

É precisamente essa convicção que tem me movido nesses dias a entregar meus caminhos e algumas idéias incertas que tenho a respeito dele a Deus, e permitir que Ele guie meus passos, instigando-me a pensar, investigar, decidir e, ao mesmo tempo, reconhecer meus limites e, assim, estar aberto às possibilidades que me esperam à porta adiante. Essa é a maravilhosa e assustadora fascinação de viver na dependência de Deus, aprendendo a apreciar, como diz meu amigo Marcos Monteiro, caminhos belos e imprevisíveis...

Gracias Senõr!

Jonathan

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A minha Graça te basta...

“... porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza” (1Co 12.9).

Sempre fui ensinado a não duvidar nem pôr em cheque o valor da Palavra de Deus. Isso, pois tenho boas razões para crer que, se assim o fizer, não sairei decepcionado, afinal ela provém de Deus. Todavia, a cada dia que passa me convenço de que a não decepção é uma das presunções mais tolas que alguém pode nutrir, porque elas acontecem o tempo todo, não é mesmo?

Por razões obvias ou tácitas, grandes ou pequenas, importantes ou banais, o fato é que estamos fartos delas. E isso ocorre não porque haja algum indício verdadeiro na existência ou na Bíblia que me prometa aquilo que não pode cumprir, tal como muitos políticos os fazem. Mas há um forte indício de que eu tendo a criar uma expectativa grande demais ou ilusória a respeito de mim mesmo, dessa existência, de Deus, dos outros, e essa é uma das fontes de minhas decepções.

Em certa época de minha infância eu nutri a expectativa de ganhar uma bicicleta. Meus pais não prometeram, aliás, eles até adiantaram algumas vezes que isso jamais aconteceria. Porém, natal após natal, aniversário após aniversário, a expectativa permanecia, e com ela, sua não realização, e a grande decepção... Tive que aprender a duras penas que nem sempre meus ensejos interiores corresponderiam à realidade, às condições externas e ou à vontade de Deus pra mim. Depois de um tempo eu até tive uma bicicleta, mas esse não é o ponto, é? Porque outros anseios tomam lugar, eles são de uma fonte inesgotável, de modo que permanece a sensação de que nada é suficiente o bastante para aquietar meu eu que sempre quer mais, e mais...

Esse é um de meus espinhos na carne, que me dá “bom dia” quando acordo e “boa noite” quando me deito. É como um parasita que não sai, porque veio talvez para ficar de vez. Identifico-me com o pedido de Paulo: “Três vezes pedi que o arrancasse”. É insuportável conviver com isso, então arranca-o de mim, afasta de mim esse cálice! E mesmo quando, como Paulo, reconheço uma razão plausível para sua permanência, ainda assim prefiro não ter de conviver com o espinho.

E a resposta de Deus vem demolir minhas falsas pretensões e expectativas de que as coisas poderiam ser facilitadas para o meu lado: “A minha graça é suficiente pra você”. Daí, entendo que o papel de Deus não é o de dar um jeitinho nas coisas como num passe de mágica, mas o de Ser-presente sempre a meu lado, usando situações, favoráveis ou desfavoráveis a meus olhos, para meu crescimento, e aperfeiçoando seu poder por meio de minhas fraquezas.

Paradoxal, não? Estamos acostumados a ouvir que poder é sinônimo de força. Mas isso NÃO vale para uma vida na e pela graça, pois tal vida só “é” na graça, e ponto; não há nada a mais, ela basta, ela é melhor que a própria vida, pois sem a graça não há vida. De tal maneira que todos os dias em que tenho de ter face a face com o espinho, peço a Deus forças para me convencer, um pouco mais, outra vez, que a sua graça me basta, é suficiente para mim.

Isso me conduz a uma vida de honestidade, que passa pela aceitação e celebração de quem eu sou e da vida que me foi dada, com suas rosas e... Espinhos! Era pra ser assim; o espinho, seja lá ele de que natureza for, talvez tenha mesmo de permanecer para me esbofetear e lembrar-me sempre que dependo do Senhor. Nessas horas, posso lembrar dos versos da canção de Stenio Marcius, que interpreta poeticamente o texto de Paulo:

Às vezes parece que estou só e vencido, mas ao olhar vejo o meu Senhor, olhando para mim e dizendo, dizendo assim: a minha graça, a minha graça te basta, te basta, te basta; Porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. A minha graça te basta, te basta, te basta, porque quando sou fraco é que sou forte, que sou forte, que sou forte”.

Jonathan

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Teologia no limear entre Seminário e Igreja (II)

1.
Falamos em reforma de nossas percepções, programas e estratégias. Contudo, volto à questão de Edgar Morin e pergunto: como reformar nossa maneira de fazer e pensar teologia sem reivindicar para a igreja semelhante reforma? E como reivindicar isso sem confrontação direta e indireta de sua história e práticas?
2.
“Bater em igreja”, como se fez e de certo modo ainda se tem feito está longe de ser uma solução coerente e plausível. Na verdade, se tornou um recurso desmantelado e muito infeliz, quando foge em muito da perspectiva de edificação. Desta feita, haveria uma postura mediana, que conjugue confrontação com cooperação? Eu creio que sim. Podemos continuar confrontando a igreja, quando ela sai dos trilhos, mas não porque a detestamos e sim porque a amamos. Podemos continuar confrontando na perspectiva de sermos não demolidores (pois essa é a posição mais fácil) e sim cooperadores construtivos, pois, parafraseando Jürgen Moltmann, aprende-se teologia no diálogo, na confrontação e na cooperação.
3.
Por fim, diminuir as distâncias – tarefa que se constitui num desafio e, porque não, numa arte – implica em mudar nossa visão conceitual e prática da teologia para que a igreja, aos poucos, possa também mudar a sua. Teologia não é assunto e nem matéria apenas para profissionais. Teologia é uma tarefa de todo o povo de Deus, ao passo que, com diria Gustavo Gutiérrez, em todo crente há um esboço de teologia, quando cada um dá significado à sua fé e vida pessoal e comunitária com Deus.
4.
Assim, nosso esforço como instituição teológica deve estar em mostrar à igreja que teologia é uma tarefa também dela. Trata-se da recuperação da visão de uma teologia laica, que se dirige aos leigos e também parte deles, quando esses são motivados a verem a si mesmo como teólogos, pois só assim, por meio de um renovado valor ao fazer teológico disciplinado, eles poderão ser mais fiéis a Deus por meio de sua Palavra. Como reitera Moltmann, “todos os cristãos, quer jovens ou velhos, quer mulheres ou homens, que crêem e fazem alguma reflexão sobre isso, são teólogos” ("Experiências de reflexão teológica", p. 23).
Jonathan

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Teologia no limear entre Seminário e Igreja (I)

Fui convidado a me juntar a um processo coletivo de reflexão sobre como diminuir uma suposta distância existente entre Seminário (ou Faculdades de Teologia) e Igreja. Minha preocupação sobre a referida distância se dá a partir da teologia, isto é, em pensar a teologia como um elemento (não ocasional) que se faz, bem ou mal, presente entre essas duas instâncias e sobre cujo papel e relevância precisamos repensar. A breve reflexão que segue é a parte final do texto que apresentei na Reunião Pedagógica da Faculdade Teológica Sul Americana.

A mesma relação de aproximação-distanciamento que pensamos aqui entre seminário e igreja, Edgar Morin pensa em termos de escola e sociedade. Para ele, essa relação remonta a uma recorrência: “a sociedade produz a escola, que produz a sociedade”. E assim ele conclui: “Qualquer intervenção que modifique um de seus termos tende a provocar uma modificação na outra”. Poderíamos, ao modo desse autor, também afirmar que, até certo ponto, a igreja produz o seminário, que, por sua vez, produz a igreja? ("A cabeça bem feita", p. 101).

Se sim, podemos pensar essa tórrida relação de amizade e às vezes de estranhamento entre o seminário e a Igreja como um processo de troca. No meio está a teologia, como um produto inerente dessa troca. Ela não é fruto nem do isolamento, nem da fusão, mas da permanente tensão entre aquilo que se faz na igreja e o que se faz no seminário. Não haveria assunto para professores, teólogos e estudantes nos diferentes fóruns da academia, não fosse a presença viva e, bem ou mal, atuante da igreja em suas múltiplas facetas.

A insipidez das reflexões teológicas por um lado, e a aparente aversão da igreja pelas modalidades do pensar teológico, por outro, têm feito a igreja aos poucos passar do status de entidade filo-teológica (amiga da teologia) para anti-teológica (inimiga da teologia). Diminuir essa distância que paulatinamente se foi criando, implica em enxergar essa “crise” quem sabe como uma via de mão dupla, com ambos, seminário e igreja, assumindo o devido ônus e responsabilidades específicas por se chegar a esse ponto.

Mas como requerer isso da igreja (nossa desejável parceira e “cliente”) sem pensar seriamente na questão que ela tem nos feito: por que e em que nós precisamos de vocês? Nesse momento pelo menos, as modificações na mentalidade e prática da igreja são quem têm nos levado a modificar a nossa, e bem pouco o contrário. Mas talvez seja esse um movimento necessário para que o contrário também volte a acontecer, ou não?

A questão é que, por mais adaptados que estejamos a ela e suas demandas, os estudantes que ingressam num ambiente acadêmico sério como pretendemos que seja o nosso, ingressam para, inevitavelmente ou como fruto natural do processo, sofrer modificações que sob ou fora de nosso controle podem ser para o bem ou para o mal dessa tentativa sublime de reaproximação. Nesse sentido, ainda que não queiramos conflito com a igreja, acabamos arranjando problemas à medida que modificamos algumas cosmovisões dos estudantes; queremos que eles sejam “homens e mulheres” da igreja, mas sendo antes de tudo do e para o reino. E quem garante que as igrejas hoje querem servir ao reino? Queremos que elas sirvam, e por isso muitas vezes as confrontamos.

(Continua...)

Jonathan

sábado, 1 de agosto de 2009

Aprendendo de modelos

Há um ditado que afirma que ninguém nasce feito, nem para a vida, nem para a carreira (vocação), ou qualquer outra instância. Também quanto à fé, ninguém nasce feito. A partir do momento em que a recebemos, quando mudamos de rumo, somos caminhantes, aprendizes, sempre inacabados, sempre trilhando sendas diferentes, dispostos às transformações que se encontram na porta adiante.

A vida na fé é cheia de riscos; sem riscos, não há fé em livre exercício. E fé não exercitada é fé morta. Nosso exercício de fé é sempre baseado no exercício de fé de outras pessoas. Nossa fé, assim, é individual, mas é sempre fé em relação com outros. Logo, não é somente a minha fé, mas a fé de Jesus, de Paulo, de João, Pedro, Maria, Madalena, Carlos, Marcos, Antonio, Valéria, e tantos outros nomes cujas “fés” se juntam à minha nessa caminhada no reino do amor de Deus.

Aprender na fé é aprender de modelos. Nas cartas de Paulo, por exemplo, há seis diferentes passagens em que a palavra “imitadores” (no grego, mimetes) aparece, via de regra, expressando o fato de que não estamos sós nesse caminho. Ele diz: “Sede meus imitadores, como também eu sou de Cristo” (1Co 11.1). Em outro momento ele afirma o mesmo e completa: “observai os que andam segundo o modelo que tendes em nós” (Fp 3.17).

Numa primeira instância, portanto, todos somos imitadores de Cristo. Tentamos andar como ele andou, nos relacionar com as pessoas conforme o modelo que nele vimos, responder ao clamores do mundo ao nosso redor de acordo como ele respondeu ao seu. O nazareno, que andou pela Galiléia, que era filho e aprendiz de carpinteiro, mas também era Filho de Deus e aquele que deu a sua vida por seus amigos – ele é nosso modelo maior. Imitamo-lo por sua graça, pela força que ele supre.

Numa segunda instância, porém, somos imitadores da fé que os outros têm em Cristo. O conhecimento cognitivo de quem foi Cristo e do que ele fazia não explica, ao todo, a existência de tantas pessoas que continuam crendo conforme a fé do crucificado e ressuscitado. A minha fé engendra-se a partir da fé do meu irmão, de como ele a exerce no dia a dia, como lida com a vida, como ama, e o tipo de ser humano que ele é.

Aprendemos de modelos e aprendemos de Jesus, modelos que nele se espelham, neste que continua vivo, caminhante, entre nós, por meio de mim, de você e de nosso próximo... O exercício de uma fé pessoal saudável é insustentável sem a presença do outro, e sem a vida em comunidade.

Jonathan

Ela (a Igreja) - Por Rob Bell

Uma das metáforas centrais para Deus e seu povo através da Bíblia a do noivo e sua noiva. Deus é o noivo; seu povo é a noiva. Eu gosto disso porque faz da Igreja “ela”. Nós precisamos reivindicar essa imagem.
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A igreja é Ela.
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Ela é um mistério, não é mesmo? Ela continua caminhando depois de todo esse tempo. Depois das cruzadas, da Inquisição e a Televisão Cristã a cabo. Continua em frente. E prossegue havendo pessoas como eu, que acredita nela como sendo uma das melhores idéias de todos os tempos. Apesar de todos os descaminhos e desvios por ela tomados. Apesar de todas as pessoas que se afastaram de Deus em função do que experienciaram na Igreja.
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Eu começo a me dar conta do por que: a igreja é como uma espada de pontas duplas. Quando é boa, quando está ligada, quando é certa, é como nada na terra. Um grupo comprometido com o serviço abnegado e o amor ao mundo ao redor dele? Maravilha. Mas quando é mau, todo o potencial se converte ao caminho oposto. E desce do altíssimo lugar dos altos ao mais baixo dos baixos. Às vezes numa mesma semana. Às vezes num mesmo dia.
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Mas ela continuará vivendo. Ela é indestrutível. Quando ela morre numa parte do mundo, ela explode noutra. Ela é global. Ela é universal. Ela está por toda parte. E enquanto ela é frágil, ela permanecerá. Em cada geração haverá aqueles que vêm beleza nela e darão suas vidas para vê-la brilhando. Jesus disse que as portas do inferno não prevaleceriam contra ela. Essa é uma linguagem forte. E é verdade. Ela continuará se propagando através das eras, servindo, doando e conectando pessoas umas com as outras e com Deus. E as pessoas vão abusar e manipular e tentar controlar a igreja, mas elas vão passar. E ela vai continuar...

Rob Bell

Trecho traduzido do livro Velvet Elvis (Zondervan, 2008, p. 172).