quarta-feira, 2 de maio de 2012

Oração, eficácia e anarquia

Revolution
Poucas vezes, associamos o tema da oração a práticas de cunho não (ou nada) religioso, como por exemplo, aquelas que, no cotidiano, tocam o campo da ação e da eficácia. Eficácia aqui tem a ver com a qualidade da ação que promove alguma transformação objetiva na realidade. Nesse sentido, sua relação com a oração envolve a transformação promovida no viver concreto de pessoas e em seu mundo. Assim, mais importante que as fórmulas pragmáticas de eficácia – a oração eficaz como aquela “que funciona” – é verificar se a oração representa uma revolução de mentalidade e de estilo de vida ou se tem sido mais um instrumento ideológico de alienação e amansamento de consciências a serviço dos sistemas de dominação e adestramento vigentes.

Vale lembrar aqui da advertência feita pelo diretor de cinema norte-americano Godfrey Reggio: “Penso que é ingênuo orar pela paz mundial se não vamos mudar a forma na qual vivemos”. De nada adianta orar pelo governo e seus governantes sem que isto nos conduza a um patamar de indignação, protesto e denúncia quando, por exemplo, no governo há (e quase sempre há) corrupção, improbidade e injustiça. É inócuo o compromisso de oração de sacerdotes de uma cidade, que oram, ungem e abençoam o prefeito em seu gabinete, sem a eficácia de uma conversa franca, construtiva e inteligente sobre a maneira como este e seus correligionários têm administrado a cidade. É triste quando circunscrevemos a oração apenas aos terrenos do “religioso” ou do “espiritual”, pois, assim fazendo, arrancamos seu potencial de transformação integral da vida humana.

Em Londrina temos vivenciado nos últimos tempos uma situação política das mais vergonhosas e tristes de nossa história, na qual prefeito, primeira-dama, funcionários de alto e de baixo escalão, além de alguns vereadores estão sendo acusados e investigados pela (suposta em alguns casos, e comprovada em outros) participação em um esquema de corrupção, lavagem de dinheiro, improbidade administrativa, suborno e extorsão, dentre outros. Enquanto não aparecem evidências claras de seu envolvimento direto no esquema, o prefeito Barbosa Neto, por sua vez, tem adotado o discurso manjado do político “João sem braço”, tal qual o presidente Lula no famigerado esquema “Mensalão”, de dizer que é inocente, não sabia de nada e, como “prova” disso, faz questão de que tudo seja devidamente apurado e investigado em seu governo. A impressão que fica é que o mito do “caçador de marajás”, desde Fernando Collor de Melo, se perpetua com certo grau de sucesso na política brasileira, junto com a “moral” das vistas grossas e da cara de pau.

É lamentável que nós (cidadãos, religiosos ou não) não tenhamos opinião alguma a emitir, nos resignando a tão somente papagaiar o repetido jargão de que “na política é assim mesmo”, ou a fazer a conformada oração “para que Deus abençoe nossa cidade e nossos governantes”. É um devaneio dos mais canalhas reivindicar prosperidade, bênçãos e a conquista do território da cidade “para Jesus” quando nela grassam sinais do anti-Reino bem diante dos nossos lustrosos narizes! Quando isso acontece precisamos dizer que há um cristianismo não-constantiniano que ainda subsiste, e não está identificado ou mancomunado com qualquer sistema ideológico ou político, mas tem seu compromisso primeiro com o Reino de Deus e seus valores. Isto implica, talvez, na identificação com um modo não-integrado, não-sistêmico ou institucional, anárquico e pacifista de ser, no qual a oração deixa de ser um instrumento a serviço da “ordem” e do “progresso”, passando a ser um instrumento desestabilizador da (des)ordem humana perversa.

Entenda-se o elemento de anarquia aqui não como apologia infantil da pura desordem, ausência de qualquer governo ou mesmo da violência gratuita, mas como um voto de protesto e contestação em prol do direito à vida e do ser humano, e como rejeição dos caminhos associados ao poder como dominação, vigente nas instituições, religiosas ou políticas, governamentais ou não. A oração da eficácia é a oração por justiça, que se conjuga com a luta corajosa contra a injustiça onde quer que ela, e a despeito de que forma, apareça, e em favor da paz do Reino, que é uma “paz com voz”.

Esse é um tipo de oração que pode nos livrar da associação perversa e hipócrita, seja com a agenda de oração dos sacrílegos ou com a agenda de poder dos corrompidos. Como diz Gabriel, O Pensador, “não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta”. Então, até quando a gente vai ficar levando porrada (risada e cusparada na face) nessa vida aburguesada que levamos, fazendo de conta que não estamos sendo atingidos, lesados, ou que não é da nossa conta? A corrupção é também resultado de nossa omissão. Pense nisso.  
Jonathan