terça-feira, 27 de novembro de 2012

Antes… (Parte II)

Esperança-caos

2. Antes

Essa é uma palavra-chave para o autor de Eclesiastes. É preciso viver intensamente, lembrando do Criador, "antes"... Antes do quê? Antes que chegue o inevitável momento da vida em que (o que segue é uma paráfrase dos versos 2-7):

... Não tenhamos mais prazer

... A luz da vida perca seu brilho e seja tomada por uma escuridão sem fim, e nossos olhos já não vejam mais

... Na velhice, nossos corpos já não nos sirvam como antes

... Não tenhamos mais força, e até mesmo aquilo que é relativamente fraco (como um gafanhoto) seja peso para nós

... Que toda aquela potência de antes se transforme em impotência e fragilidade

... E nossos amigos e família comecem a fazer planos para nosso funeral, e os "zés" e "marias" velório da vida comecem a chorar pela nossa partida "desta para melhor" (ou pior, quem sabe?).

É bom ressaltar que a velhice aqui é uma metáfora da decadência, do fim. Alguns têm essa experiência bem antes da velhice. Um acidente ou uma doença podem provocar isso. E como teremos vivido? Então, o que há para viver, o que é possível viver – ou o que o Criador espera que a gente viva – que se decida viver hoje, de preferência , porque o amanhã não existe ainda e nem sabemos se existirá (para cada um dos viventes). Como já disse o poeta Renato Russo, "é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar, na verdade não há". O que há depois de hoje? Ora, o amanhã. A pergunta é: para quem?

3. Vaidade

Por isso, assim ele resume a nossa vida debaixo do sol: "Tudo é vaidade!". Ou seja, tudo é transitório, passageiro, superficial, futilidade pura! Há outras duas definições da vida, que se encaixam bem com essa: (a) somos um “punhado de pó” – do pós viemos, ao pó voltaremos; (b) somos como neblina, que vem e logo se dissipa (Tiago). Na mesma música antes citada, Renato Russo diz: "sou uma gota d'água, sou um grão de areia". Ou seja, somos bem menores que nossa pretensiosidade nos leva a acreditar (ou a nos auto-iludir) que somos.

Isto implica que a vida, não importa quanto tempo a gente viva, diante da eternidade, é incrivelmente curta e, como se costuma dizer, passa muito rápido. E aquilo que foi e o que passou não têm volta. Como diz outro poeta (Lulu Santos): "nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia, tudo passa, tudo sempre passará. A vida vem em ondas como o mar, num indo e vindo infinito". Nesse sentido, cabe aqui a frase de Ed René Kivitz, em seu O livro mais mal-humorado da Bíblia (2009): "Sábio não é aquele que busca a novidade para se saciar: sábio é aquele que consegue entrar na rotina da vida e fazer as coisas repetidas como se as fizesse pela primeira vez".

Como eu leio isso tudo? A partir da perspectiva de que “sei que nada será como antes amanhã” (Milton Nascimento). Não haverá uma segunda vez para amar como eu posso fazer hoje (pelo menos não igual a esta): para perdoar, para me reconciliar, para dar atenção ao meu filho, para beijar minha esposa, para dizer e demonstrar a minha família, ao meu irmão, ao meu amigo, que eu o amo... Então, eu preciso me lembrar de fazer, na oportunidade que tiver, todas essas coisas (e outras) como se fosse a primeira vez, considerando ainda que não sei (e ninguém sabe, exceto o Criador) se, na verdade, não será a última...

Não sei quantas oportunidades Deus ainda vai me dar para eu viver me lembrando Dele, quantas “segundas chances” terei na vida. Assim, tudo o que tenho é o hoje, é o agora; o presente é o tempo da oportunidade. Portanto, há sim algo do presentismo e imediatismo de nosso tempo que precisa ser celebrado (ou reorientado). Pois, no que concerne ao futuro, não sei se será um tempo para mim, porque o futuro não pertence a mim, mas a Deus e somente a Ele. E o futuro além-do-tempo que temos em Deus (vida eterna), só tem sentido se experimentado, mesmo que em parte, já-no-tempo. E aí, o que temos para hoje?

Jonathan

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Antes... (Parte I)


A música "epitáfio", dos Titãs (2001) é apropriada pra uma reflexão sobre o sentido da vida. "Epitáfio" nada mais é que aquela inscrição da lapide do túmulo no cemitério. Geralmente ali se escreve aquilo que a pessoa foi, uma qualidade dela. Ex: 'Ana, esposa fiel, mãe dedicada, mulher irrepreensível'.
A música, porém, inverte isso e apresenta uma lista de coisas que a pessoa queria ter feito, mas não fez. Em suma, é como se ela dissesse: "eu queria ter vivido melhor, curtido intensamente os momentos singulares da vida... mas não fiz". É uma linda canção, que fala de ideais de vida possíveis, mas de um lugar de impossibilidade: o instante da morte. Embora tratemos a morte com extrema recusa, estranhamento e medo muitas vezes, ela tem uma função pedagógica: lembrar-nos sobre como temos vivido e que valor damos à vida, às pessoas que amamos. Podemos dizer que ela é uma espécie de companheira onipresente, que a gente tem certeza que mais hora, menos hora, vai dar as caras. Que ela vem é algo certo, quando ela vem é que não sabemos.
A poesia dos Titãs, porém, chama atenção a dois problemas pelo menos. Primeiro, mostra que, nos últimos instantes de vida, quando não há mais nada a ser feito, alguém lamenta o que poderia ter sido feito, mas não foi ou não fez. Segundo, afirma que "o acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído". O acaso – que diz respeito a coisas que acontecem sem causa, sem razão aparente – não escolhe a quem vai atingir, nem tampouco tem protegidos. Se tudo depender do acaso, então minha vida está nas mãos daquilo que há de mais incerto e implacável. É isso que a gente quer: deixar para que, no Epitáfio, lamentemos a decisão que podemos tomar hoje – de viver e tentar fazer a coisa certa? Entregaremos nosso destino ao acaso e deixaremos “a vida nos levar”?
Agora vamos a Eclesiastes (12:1-7) para ver o que mais pode ser dito sobre isso. Gostaria de destacar algumas máximas que sobressaem neste texto:
1. Lembrar
Lembre-se do seu Criador nos dias da sua juventude, antes que venham os dias difíceis e se aproximem os anos em que você dirá: ‘Não tenho satisfação neles” (12.1).
Em outra tradução se diz "honre e aproveite" seu criador enquanto se é jovem... Por que a juventude? Talvez porque seja uma fase em que mais avulta a pretensão a auto-suficiência do ser humano. Pense em um jovem adolescente, descobrindo um universo de coisas novas sobre si, sobre o mundo... Mas pense também em um jovem adulto, entre seus 25-35 anos, sentindo-se dono de sua vida, vivendo como se aquele vigor fosse durar para sempre, gozando de sua própria produção, como quem faz tudo acontecer por si mesmo. O que ele poderia querer com o Criador?
Mas, a dura realidade (ou a boa notícia, exceto para a geração “Peter Pan” da vida) é que ninguém será jovem para sempre. A juventude e a primavera da vida são vaidade (passageiras/ transitórias/ passam como um vento), diz o questionador de Eclesiastes. Então o conselho é: “Aproveite o máximo dessa vida, viva intensamente, siga os impulsos do teu coração. Mas saiba que não vai passar batido, e você vai prestar contas ao Criador sobre cada pedacinho do que viveu” (ver Ec 11.9-10). Vejam que o autor não é contra o prazer e a felicidade. Não é contra aproveitar a vida – afinal, Deus é o inventor e mantenedor disso tudo, não é? A questão me parece ser a de como aproveitamos a vida? E sem uma relação de amor ao Criador e tudo o que Ele fez, resta perguntar: o que fica disso tudo que temos vivido?

(Continua...)

Jonathan

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Uma rápida sobre a experiência da escrita

Escrever Lispector

Um historiador é tanto mais útil quanto mais livre -- Peter Gay

A escrita, associada a esse campo de possibilidades, que é a pesquisa, é uma aventura fascinante cujo fim é indeterminado e imprevisível. Tentar eliminar um certo grau de indeterminação intrínseco à natureza da escrita, é uma forma de empobrecê-la, de retirar-lhe a liberdade. É isto que a academia faz, muitas vezes, ao impor o lado metódico (“científico”) sobre a criatividade. A metodologia deve estar à serviço da criatividade do escritor/pesquisador, e não o contrário.

No "academicismo", o problema não é a falta de critérios de interpretação, é o transbordamento e a canonização dos critérios (ou seja, a presença excessiva ou obsessiva deles). A solução não está, a meu ver, na abolição de todo e qualquer critério no empreendimento da escrita ou nos empreendimentos científicos. Todos adotam algum critério para representar a realidade pretendida (mesmo que inconscientemente). Uma solução, talvez, seja a des-mecanização da metodologia da pesquisa  e da escrita - o que implica não em ser menos criterioso (cuidadoso com o que e como fala), mas menos bitolado na aplicação exagerada de certos critérios. Isso mata a liberdade de pensar e, como tal, de escrever, ao mesmo tempo em que aniquila a fome pela leitura.

A escrita que se resume à terceirização – notas de rodapé técnicas sobre o que outros já fizeram e como aplicaram as regras consagradas que sua ciência celebra – é, no mínimo, entediante e desinteressante. Textos que "arrastam" leitores, em geral, são aqueles permeados pela personalidade e pensamento próprios de seu escritor, e de uma experiência com a qual o leitor possa se identificar. A objetividade é uma pretensão cansativa.

Jonathan