quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Eu abomino a religião de vocês!

Em vez disso, corra a retidão como um rio, a justiça como um ribeiro perene!” (Amós 5.24).

Através dos profetas, Deus anunciou justiça, paz, retidão, necessidade de arrependimento e misericórdia. Irou-se contra as instituições dos homens, que serviam como forma de “adorá-lo” e servi-lo na casca, e mascarar a opressão que reinava entre os do povo, inclusive “religiosos”.

Nesse texto de Amós, capítulo 5, Deus está abominando a religião de Israel. Como se estivesse dizendo: esse Deus a quem vocês dizem estar tão próximos, definitivamente não sou eu. Vocês acham com sacrifícios e com uma exterioridade pia, vocês podem “me conquistar”. “Banana pra vocês”. Vocês não podem me conquistar com elogios e adornos. Eu tenho nojo disso.

Isso mesmo, nojo. Nojo, porque eu sei que isso não vem do coração. Nojo, porque é impossível servir a dois senhores ao mesmo tempo; afinal, “foi a mim que vocês trouxeram sacrifícios e ofertas durante os quarenta anos no deserto, ó nação de Israel? Não! Vocês carregaram o seu rei Sicute, e Quium, imagens dos deuses astrais, que vocês fizeram para si mesmos” (v. 25-26).

Nojo, porque não dá pra dizer que anda próximo de mim quando se despreza e se oprime o próximo, seu irmão, o pobre, o órfão e a viúva que andam perto de você, e sobre quem você usa e abusa do poder de expropriação em sua causa própria. Ah, se você soubesse como eu detesto a sua religião, você nunca me chamaria de “Seu Deus”, porque no coração de vocês definitivamente eu não sou. “Pois eu sei quantas são as suas transgressões e quão grandes são os seus pecados. Vocês oprimem o justo, recebem suborno e impedem que se faça justiça ao pobre nos tribunais. Por isso o prudente se cala em tais situações, pois é tempo de desgraças. Busquem o bem, não o mal, para que tenham vida. Então o SENHOR, o Deus dos Exércitos, estará com vocês, conforme vocês afirmam” (v. 12-14).

Quem diz que ama a Deus, odeia o mal e não o pratica. Quem odeia o mal, faz o bem em contrapartida, como fruto da sua relação de vida com Deus, que se estende por tabela aqueles e aquelas a quem chamamos “próximo”. O “próximo” não é apenas aquele que está “perto”, mas é “aquele com quem eu me comprometo” (Segundo Galilea). Então, saibam: eu não quero o sacrifício de vocês, pois sacrifício sem misericórdia é abominação aos meus olhos. Eu trocaria tudo isso por uma coisa muito simples: “Em vez disso, corra a retidão como um rio, a justiça como um ribeiro perene!” (v. 24).

Jonathan

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Frente a frente com o paradoxo

Sooner or later bad luck hits us all” (Ec 9.11 – The Message)

Não fomos ensinados a sermos amigos das contradições e paradoxos. Paradoxo diz respeito àquilo que é contrário à opinião comum (doxa); que contra-diz, que apresenta um desequilíbrio e denota algum tipo de inconstância. Na nossa vida em rebanho (como diria Nietzsche), somos tentados a seguir a “doxa”, ao pensamento da maioria, à tirania do normal, do bom e do belo; a declarar (quase como que um mantra) que a vida é bela, a despeito dela não ser.

Todavia, como o pregador (questionador), há aqueles que pararam para pensar na realidade tal como ela é, e viram na beleza da vida alguns traços de feiúra, rastros do pecado que habita no coração do ser humano (cf. Ec 7.29). E como nós cristãos lidamos com desequilíbrios e paradoxos, nos quais temos parte? Para exemplificar o modo como vejo esse enfrentamento (ou não), usarei uma tríade: Negação – Combate – Saídas Baratas.

Negar parece ser sempre a primeira e instintiva reação (até certo ponto, normal) do ser humano diante dos paradoxos. Não queremos encará-los, reconhecer que eles existem, dar a eles uma atençãozinha sequer. Porém, com o caminhar, os mais lúcidos (os que mais sofrem) se dão conta de que abraçar a vida sem aceitar os paradoxos que lhe são inerentes é o mesmo que querer segurar uma rosa sem tocar nos espinhos.

Circunstancialmente, portanto, criamos modos de combate ao paradoxo, sendo a própria negação um deles, como primeiro passo. Queremos a todo custo a “paz perpétua”, a resolução do conflito, resgatar quem sabe o marasmo de antes, tão melhor que a angústia de agora. Contudo, nem o mais fervoroso dos cristãos está livre dela. A angústia talvez não seja assim um “bicho-papão”. Ela pode ser o combustível que nos move na direção contrária a do abismo, direto para os braços do Pai, que nos recebe amorosamente.

Entretanto, invariavelmente a gente se depara com o que chamo de “saídas baratas”, que são as fórmulas fáceis do cotidiano provenientes de um emaranhado de propostas de auto-ajuda, que arrebanham milhares com promessas de uma vida mais fácil, leve, próspera e feliz. Ser cristão, nesse ínterim, é seguir corretamente os passos indicados, o que significa “boa sorte” sempre e não tem como ser diferente, tem? Tem sim, diria o Eclesiastes.

A “má sorte”, como diz a tradução indicada no início, “cedo ou tarde, atinge a todos nós”. Tudo o que respira está sujeito às intempéries do tempo de do acaso. Eis que então nos vemos diante do desequilíbrio e o paradoxo: aquilo que era pra ser não é, e aquilo que é, não era pra ser (ver Ec 9.11). O tempo da calamidade cai de repente sobre nós, cedo ou tarde (Ec 9.12). A questão, de novo, é: como lidamos com essas situações, como enfrentamos o paradoxo?

Nas situações paradoxais, muitas vezes entramos em litígio (conflito, controvérsia) com Deus; supomos que Ele tem de intervir positivamente nas situações. E se Ele não fez, então permitiu. E se permitiu, por quê? Não vejo um grande mal no litígio com Deus. Jó, Davi, Jeremias, Jesus e tantos outros entraram no litígio, e nem por isso naufragaram na fé. O exemplo deles me ensina que estar com Deus não me isenta das contingências, mas me ajuda a passar por elas com outra perspectiva (a da fé).

A vida na fé, ao contrário do que muitos pensam, é opção por situações e posturas contraditórias, do ponto de vista humano. É uma vida aberta às possibilidades e ao paradoxo. A fé é a certeza que nos leva à luta, apesar das incertezas e em meio a contradições, imprevistos e situações infelizes. Na vida humana o paradoxo existe, é um dado, não pode ser extraído e nem explicado; é para ser assumido.

Jonathan

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

IV. A aceitação jubilosa de si mesmo

O remédio para a doença – ainda que amargo e nem sempre tão eficaz e instantâneo como um tranqüilizante narcísico – pode ser expresso pelo que Rosset chama de “aceitação jubilosa de si”, ou o que Tillich chama de “coragem de ser a despeito de não ser”, e que o apóstolo Paulo denominou “limitar seu orgulho à esfera que Deus lhe confiou” (2Co 10.13) e “viver de acordo com o que já se alcançou” (Fp 3.15-16).

Tomando de empréstimo todos esses termos, eu diria que a aceitação jubilosa de si mesmo passa por uma profunda assimilação – tão profunda que penetre não somente o intelecto, mas o âmago, as “entranhas”, como no conceito hebraico de “coração” (leb) – das tenras palavras de aceitação do Pai: “A minha graça te basta” (2Co 12.9). Parafraseando Tillich, trata-se da coragem de “aceitar a aceitação”, isto é, aceitar a nós mesmos como somos, porque assim fomos previamente aceitos pelo Pai, sem nenhum requisito mínimo.

Em outras palavras, é correr na contramão de Narciso, que reside em cada um de nós por força da natureza, e aceitar quem somos, a despeito daquilo que desejávamos ser, desencadeando-se das falsas representações e dos falsos “eus”, que nos afastam de uma relação sadia conosco mesmos e, por conseguinte, com Deus e com o próximo.

Não poderemos andar de acordo com Deus se não andarmos “de acordo com o que alcançamos”, como defendeu Paulo. Termino com uma frase de Rob Bell: “Você não poderá estar conectado com Deus enquanto não estiver em paz com quem você é, da maneira como foi feito e a vida que lhe foi dada”.

Jonathan