segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O voto na tragicômica disputa entre ‘Deus’ e o ‘Diabo’

PT-x-PSDB-por-Zé

O maniqueísmo (divisão da realidade/mundo entre bem e mal) é gritante na atual campanha eleitoral, especialmente entre correligionários da direita e cidadãos apartidários facilmente cooptados pela corrente de rebanho “anti-PT”, que pintam Dilma como sendo “o mal”, “o Diabo de vermelho”, enquanto Aécio é o “bom moço”, político competente e “do bem”. Quem desconhece a história da redemocratização brasileira desde os anos 1980, pode pensar que isso, além de normal (isto é, da norma), é atual. Mas muitos sabem que esse maniqueísmo infundado já está entre nós há pelo menos 25 anos, sendo apenas (e acriticamente) revisitado e repaginado a cada nova eleição. Que fique bem claro: meu ponto aqui não reside no fato de alguém votar em Aécio ao invés de Dilma, afinal estamos em uma democracia em que todos, em tese, têm (ou deveriam ter) a liberdade e o direito de expressar sua opção; a questão está no corpo de “argumentos” usados para isso.

Desse modo, longe de mim querer aliciar alguém em favor de minha posição; apenas analiso um ângulo dentro deste complexo quadro – no qual, é óbvio, também acharemos ataques pessoais e (provavelmente falsas) teorias da conspiração sendo, lamentavelmente, lançados (como bala de canhão) de ambos os “lados”. Se isso, por um lado, “faz parte” da democracia, por outro também a enfraquece por não contribuir ao bom debate de ideias, ao diálogo e ao respeito às diferenças.

‘Mea culpas’ afora, meu espanto aqui está no uso desenfreado do maniqueísmo, como se, entre seres humanos pudesse haver coisas tais como “o puro bem” ou “o puro mal” em lados opostos e estanques. Braulia Ribeiro (a quem respeito e admiro), por exemplo, ao comentar sobre a aliança Aécio-Marina, disse que “Marina sabe aonde está o bem e o mal nesta eleição, que não é ao contrário do que muitos pensam uma eleição ente duas forças iguais”. E ainda finalizou reiterando que: “Existe bem e mal nesta eleição sim. Marina e Aécio estão do lado do bem”. (Ver: https://www.facebook.com/braulia.ribeiro - postagem de 19/10/2014).

Deixo aos analistas políticos o papel de explicar, muito melhor que eu, como isso pode ser uma simplificação excessiva da atual disputa eleitoral. Restrinjo-me a falar sobre o quanto isso é, sim, uma excessiva simplificação da condição humana. Aqui alguém pode questionar sobre a razão de se falar (filosoficamente) da condição humana numa discussão política. E a razão é óbvia: a política e suas instituições, e o político e suas lutas, são reféns e ao mesmo tempo cúmplices, num certo sentido, da condição humana, isto é, do que nos constitui como seres humanos. Por razões cósmicas, somos dotados de potencialidades: tanto de discernir bem e mal, como de agir em prol do que identificamos como sendo bem ou mal. Essas potencialidades convivem e crescem juntas numa relação paradoxal (não paradigmática e nem dualista). Logo, não há ninguém que seja tão justo, que não falhe, nem tão injusto, que incapaz de acertar em alguma coisa.

Assim, o maniqueísmo é, a meu ver, um corpo estranho na órbita atual dos seres, das situações, dos pensamentos e do saber da complexidade. Em outras palavras, o complexo não pode ser reduzido ou analisado sob pontos de vista unilaterais ou simplistas. E já não podemos falar em “bem” ou “mal” em estado puro nem em relação aos candidatos e seus partidos, nem em relação a quaisquer instituições humanas. Todo mundo está, mais ou menos, sujo de lama (como se pode ver na charge acima). Em que base, portanto, podemos nos posicionar? Para além das paixões ideológicas ou de qualquer onda coletiva, penso eu que podemos fazer diferença com nosso voto através de um discernimento claro a respeito de qual história, proposta, plano, projeto ou conduta políticas/os, melhor se aproxima (dentro de suas contingências próprias) de ideais e aspirações, sempre relativos, que envolvam, mais que interesses corporativos, de classe, de grupos e de guetos sociais ou econômicos, as necessidades mais amplas e variadas de toda a nação, especialmente os mais pobres – afinal, como no ditado, “a corda sempre arrebenta para o lado mais fraco”.

Isto pode parecer ingênuo, mas eu diria que toda utopia necessita, para seus fins, de um pouco de ingenuidade, do mesmo modo que todo povo carece, para vencer o lugar-comum, os dualismos, e a opressão da realidade, de utopias que sejam suas. E não poderemos atingir isso enquanto continuarmos nos portando com indiferença no dia a dia, e/ou como torcedores fanáticos num estádio de futebol a cada nova eleição, não pensando, apenas gritando. Discernir (mais uma vez) é preciso!

Jonathan