sábado, 28 de fevereiro de 2009

Liberdade, liberdade, onde fostes parar?

Se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará” (Gl. 5:2)

A corrida da fé é também uma corrida em busca da liberdade, mesmo quando não se sabe ao certo a qual liberdade está-se reportando. Liberdade do pecado, dos medos, das pulsões da “carne”, das angústias da alma, da culpabilidade. Sim, foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Afinal, ninguém pode dizer que é feliz estando na condição de escravo, a não ser que seja masoquista. Paulo, porém, quer mostrar um tipo de liberdade muito mais globalizante: a liberdade de consciência. Não há cárcere mais aprisionador que nossa própria consciência. Viver mentalmente encarcerado, ou com a consciência “pesada”, é estar alijado (separado) do processo de libertação, é decair da Graça, conforme Paulo. O apóstolo perseguido, humilhado, difamado: não estaria ele pregando a libertinagem e levando o povo à viver uma vida dissoluta? Não seria a circuncisão uma solução mais sedutora que a própria liberdade pela Graça?

Quantas acusações infundadas, dúvidas geradas, erros cometidos por causa desta difamação da Graça, por aqueles que, muito antes, haviam sido instruídos a viverem conforme a mesma. Equívocos históricos ainda correntes entre nós, cristãos, que, por enquanto, apenas ensaiamos vivenciar a liberdade para qual Cristo nos libertou. Ainda hoje pode-se ouvir vozes dissonantes em relação a Paulo, ressonâncias judaizantes, pregando um “outro evangelho”, acrescentando artifícios à fé, cedendo à tentação da autojustificação: “Livres sois, pois, mediante a lei, por esforço pessoal, e isto provém de vós, para vossa própria salvação”. Não seria este o “evangelho” que ainda se tem pregado?

Na verdade, em tantos casos, não se prega mais a Palavra, mas julga-se “tomar posse” da palavra em si, a tal ponto de poder mudá-la “um pouquinho”, como uma síndrome judaizante. É por isso que a Graça fere tanto, e é por isso que é tão escandalosa, apesar de ser a mais essencial das pregações. Posto que, ao mesmo tempo em que ela livra das prisões e cadeias do ser, ainda torna nulas as tentativas de se viver uma fé “capenga”, que, por um lado, incita a uma “liberdade” combinada com individualismo, confundida com licenciosidade, e, por outro lado, produz o que chamo de responsabilidade excessiva, do legalismo e do mérito pessoal.

A liberdade de consciência, para a qual Cristo nos libertou, só pode ser vivida em amor, assim como o peixe só encontra liberdade dentro d’água, usando a analogia de John Stott. Essa liberdade não anula a responsabilidade, nem tampouco a Graça, visto ser ela mesma (a liberdade) fruto da Graça, ou seja, resultante deste “favor imerecido” que Cristo, em forma de servo sofredor e obediente, conquistou pra nós na Cruz.

Jonathan

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Teologia e história

A teologia é um produto da história. Ela se faz na e a partir da história. Grande parte daquilo que se produziu no pensamento cristão foi resultado de um diálogo com os contextos históricos e as necessidades geradas a partir deles. Paulo, Agostinho, Aquino, Lutero, Calvino, Wesley, Barth, Bonhoeffer, e outros, foram teólogos e homens da igreja de seu tempo, e escreveram, fizeram história, porque ousaram responder teologicamente a seus contextos, de modo relevante e transformador. Quando separamos as duas coisas, teologia e história, tornamos o nosso fazer teológico um fazer estéril e irrelevante, por não responder aos anseios de um tempo específico e, em contrapartida, visar atender somente a uma demanda intrínseca ao campo teológico, aos bancos da academia.

Uma das queixas mais comuns em relação ao estudo da teologia é que ele não diz respeito à vida da igreja, tanto a comunitária como em sociedade. Grande parte das produções teológicas, é verdade, se limitam ao deleite literário e intelectual daqueles que circulam exclusivamente no âmbito das faculdades e seminários teológicos. Aquilo que pensamos, falamos e produzimos nesses meios, em geral, não tem sido direcionado à igreja em sua missão de servir e amar o mundo que Deus amou, isto é, não tem alimentado o ser e o fazer da igreja. Inútil abismo esse que se criou. As iniciativas que surgiram com a Reforma geraram, senão uma igreja mais próxima da teologia, talvez uma teologia que se passou a se ocupar mais com questões práticas envolvendo a vivência pastoral, a vivência dos leigos e as dinâmicas comunitárias. Os cânticos e a liturgia dos cultos, por exemplo, são a mais explícita expressão da teologia que se produz nas igrejas. E os teólogos(as) existem para equipar a igreja a fim de que nela se produzam cânticos e práticas litúrgicas que sejam equilibradas do ponto de vista bíblico-teológico, no que toca à razão de existir da igreja: a missão de adorar ao criador por atos e palavras.

Produzir uma teologia que seja intencionalmente colada à história é estar mais próximo da vontade do Deus que governa e é soberano sobre a história. De modo que a conexão entre ambas, não só é necessária, como inevitável, por mais que se tente omitir ou negar. A matéria-prima da teologia não é Deus, mas os seus atos, as formas pelas quais se revela, sua paixão intensa pelo ser humano e pela vida, e o cotidiano e vivência históricas; o Senhor se revela no mundo que criou com suas próprias mãos, de modo que, parafraseando John Stott, somos chamados a ouvir duas vezes: ouvir ao Espírito, e ouvir ao mundo. Escuta e sensibilidade ao Espírito e aos clamores externos: terá sido esse o “segredo” desses homens e mulheres que mudaram a história, fazendo e pensando teologicamente?

Jonathan

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

A melhor idéia, o lado certo

Leia Eclesiastes 7.1-14
1.
Não tenho dúvidas de que Deus age: sabiamente, inesperadamente e a seu próprio tempo. Ele não se cansa de me surpreender; está sempre me mostrando como muitos de meus planos são vazios de sentido, e minhas previsões, prematuras. Gosto de autores que, com suas palavras, escancaram esse meu modo prematuro de agir e de pensar; que vão além do senso comum, me fazendo refletir e encarar realidades que estou sempre tentando evitar (papel da igreja). Assim é o autor de Eclesiastes. Faz perguntas que a vida mesmo nos faz diariamente. Remove os alicerces, para depois reconstruir. A ênfase de Eclesiastes está nas coisas que parecem nunca mudar, e nas frustrações com que temos de lidar aqui e agora. Isso se nota nas máximas: “Nada faz sentido”, e “Tudo é vaidade” ou futilidade.
2.
No texto indicado, o autor propõe uma série de “melhores” alternativas que, de cara, aparentemente, nada têm de boas. São totalmente contrárias à opinião normal das pessoas em nossa cultura. Quem, em sã consciência, diria que o dia da morte é melhor que o dia do nascimento, que um ambiente de luto é melhor que um de festa, ou que a tristeza é melhor que o riso, e o fim, melhor que o início? Talvez ninguém. Mas o Pregador disse. Por que? Certamente, porque experimentou o gosto de cada uma delas, e enxergou o sentido ou o falta de sentido de todas elas. Consideremos, por exemplo, a tristeza e a alegria. Nossa “cultura” criou um aparelhamento para nos manter cada vez mais longe das crises, dores e tristezas. Nesse texto, porém, a alegria é criticada por ser passageira, e a tristeza celebrada por preparar o caminho para uma alegria mais profunda e gerar sabedoria.
3.
O último bloco do texto vem-nos falar mais incisivamente sobre a imprevisibilidade de Deus, sobre as coisas que Deus faz e que nós não compreendemos, e sobre essa tolice de sermos “auto-suficientes” (v. 13). Quer reconheçamos ou não, ainda fazemos parte de uma sociedade que se vale da máxima de Karl Marx, de que “nenhuma era histórica apresentou tarefas que não pudéssemos desempenhar”. Tudo está previsto! Em nossas agendas lotadas e rotinas previsíveis, buscamos o mínimo de interrupções possível, como garantia de nossa segurança. Cortamos nossas tarefas diárias do tamanho de nossa auto-suficiência, como diz Anthony Giddens. Vivemos na ilusão de que precisamos muito pouco de Deus, a não ser para momentos emergenciais.
4.
É daí que nascem nossas maiores frustrações: não temos o controle sobre nossas próprias vidas, por mais que tentemos segurá-las com os punhos cerrados. São as pequenas ou grandes “ruínas” da vida que nos ajudam a acordar e que são necessárias pra nos mostrar o quanto somos dependentes: de Deus e dos outros. A melhor idéia e o lado certo não existem à parte de Deus! Portanto, devemos ter coragem de orar com simplicidade, como o salmista: “ensina-nos a contar nossos dias para que alcancemos coração sábio” (Salmo 90). Salomão não oferece uma “palavra final” neste texto.

Somos ansiosos por palavras finais, “gran finales” com receitas de como devemos agir. A suma deste texto, a meu ver, é a suma do livro todo: “Teme a Deus”. O que fica, para mim, é a lição de que a transformação que Deus promove em nós não é instantânea, como um “abracadabra”! Vida cristã é a transformação que Deus faz num processo, a ferro e a fogo! Assim, os incidentes e acidentes, felizes ou infelizes, não devem ser encarados como coincidência fatal, mas como evidências das mãos modeladoras de um Deus que deseja que cresçamos e amadureçamos. Isso sim é ver pelo lado certo!

Que essa palavra nos inspire a adotar mais os critérios de Deus ao olharmos para a vida.

Jonathan