quinta-feira, 26 de junho de 2014

Seres do desconhecimento

All the same
O tempo e as variadas situações vão revelando o ser e a disposição de cada pessoa, escondidos muitas vezes por trás de uma redoma muito frágil de proteção. Não me esqueço da pergunta central do filme "Crash, no limite": Você acha que se conhece? No que a dor, o apuro, a pressão, a doença, a perda, o poder, o sexo, o dinheiro, o moralismo, a violência, a raiva, o descontrole, e as paixões como um todo podem nos transformar? A calmaria, o grito de paz (onde não há paz), a prosperidade e a felicidade não duram para sempre. E quando elas passam o que é que sobra da gente? Para onde vão nossa coragem e nossa integridade?

Não parece ser à toa que a máxima de Friedrich Nietzsche no prefácio à Genealogia da Moral continua sendo útil. Dizia ele que "nós, homens do conhecimento, não nos conhecemos; de nós mesmos somos desconhecidos. Nunca nos procuramos: como poderia acontecer que um dia nos encontrássemos?".

Inocente, ignorante ou mal-intencionada (ao menos momentaneamente) é a pessoa que se lança precipitadamente na tentativa de se definir como isto ou aquilo; como "bom", "mal", "gentil", "covarde", "gênio", "incompetente", "boa esposa", "bom pai", "filho irrepreensível", "imprestável", "generoso", "político honesto", "cristão exemplar". Bem diz a sabedoria de Eclesiastes: "Todavia, não há um só justo na terra, ninguém que pratique o bem e nunca peque" (Ec 7.20). Quão tola não é a pretensão à indefectibilidade? Quão destrutiva não é a autocomiseração ou o sentimento de que ninguém te ama, de que você não presta para nada, de que tudo o que faz não serve, não dá certo; ou pior, de que sua índole é essencialmente má e nada pode ser feito sobre isso?

Como seres tão complexos como somos podemos nos deixar reduzir a tão pouco, e por tão pouco? Como podemos passar tanto tempo na casa da mentira e da ilusão, respirando o ar carregado da falsidade? Como podemos vender tão facilmente nossa integridade por causa de um nome, de uma posição, de uma ostentação, de uma reputação? Não é à toa que rimos alto e nos divertimos ao som de uma boa música, regada de companhias furtivas e muito álcool, num momento, e noutro, quase que paralelo, precisamos nos entupir de Lexotan e Rivotril pra sobreviver àquele dia e no dia seguinte começar tudo outra vez. De fato, mergulhamos nesse mar sem fim do desconhecimento, com grande risco de jamais nos encontrarmos.

Ser feliz, ter sucesso, prazer, bem-estar e qualidade de vida em tudo é bom demais, é o que todo mundo quer e isto não é mal em si. A questão está no preço que pagamos para entrar nesse universo. Quanto vale a felicidade? Qual é o preço do bem-estar? Se o alto custo for negar a própria vida, suas idiossincrasias e paradoxos; abandonar-se no desconhecimento, ignorando a aventura que é o aprender a viver pra saber viver bem e o autoconhecimento; se para isso o outro, o próximo tiver de se tornar, para mim, não mais que instrumento útil ou pedra de tropeço, preferirei e escolherei, conscientemente, não querer ser feliz – pelo menos não nesses moldes.

A consciência pode ser uma doença, como diz Miguel de Unamuno; mas entre a consciência que me aprofunda na realidade, e a feliz e consentida ignorância, que me aliena dela, ainda fico com a primeira. E me recuso a reduzir a mim e aos outros a rótulos fáceis, baratos e que desmancham no ar. Afinal, quem sabe o dia de amanhã? Quem conhece a própria reação ao próximo ato, à circunstância seguinte? Quem pode prefigurar o rosto que terá de enfrentar na próxima vez em que se vir diante de um espelho?

Jonathan

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Meia-Maratona de Floripa: uma experiência e tanto!

Meia de Floripa 2014

5:00 da manhã, o despertador toca, é hora de levantar e preparar-se pois o café seria servido às 5:30, sendo que às 6 o ônibus que nos levaria ao local da largada estaria à nossa espera. Chegamos e nos juntamos à multidão que, ansiosa, esperava a largada. Às 7:12 foi dada a largada; embora ciente da fadiga que me tomou nos últimos 3 dias, saí determinado a pelo menos repetir meu melhor tempo em 1/2 maratonas (1:39').

A paisagem de Floripa é simplesmente inspiradora, apesar do mau tempo. Contudo, no quarto quilômetro já percebo que alguma coisa não ia bem, minha energia estava abaixo do normal, mas ainda assim persisto no objetivo. No km 8 começo a encontrar os companheiros, que foram ficando para trás - "bom sinal", pensei, e continuei na mesma toada, não obstante as bolhas que já começam a incomodar. Ao atingir o 10° km, notei que meu tempo estava abaixo do comum, e que provavelmente a meta precisava ser revista. No km 14 confirmo a percepção, minha energia começa a cair bruscamente e já noto que o objetivo foi muito alto para meu estado corporal - água benta na pretensiosidade.

Prossigo, agora com mais cautela, nem imaginando o que me aguardava adiante. Passei o km 15 com 1:13', abaixo do que queria, mas ainda razoável dadas as circunstâncias que vinham se apresentando. No km 17 veio o golpe mais duro; já me vi quase sem energias e as pernas começaram a acusar fadiga, pesadas e sentindo as primeiras fisgadas. Naquele momento, as bolhas no pé já castigavam bastante. Um amigo corredor passa por mim e recebo o primeiro incentivo para prosseguir (precisaria bastante disso nos quatro últimos quilômetros). A subida no km 18 por pouco não foi fatal, pensei em parar ou andar, mas percebi que se o fizesse seria fim de prova para mim. Continuo, agora aos trancos e barrancos, correndo mais com a mente que com o corpo, já extenuado àquela altura, quando a chuva caía mais forte. No iPod começa a tocar 'Titanium' - "I'm bullet proof nothing to lose far away, far away... you shoot me down, but I won't fall, I'm titaniummmmmmm", e penso: se o corpo não é de titânio, a mente agora precisa ser.

No km 19 agradeço por estes anjos que nos entregam água ao longo do caminho, um pouco de hidratação e bora pro esforço final. No quilômetro final sou alcançado pelo companheiro Sergio Augusto, que me lembrou uma vez mais o sentido de companheirismo na vida e na corrida, primeiro dizendo: "vamos juntos nesse quilômetro final", e depois ajudando a me segurar junto com os irmãos Edison e Fouad Salomão, quando, com hipoglicemia, quase caí logo depois da chegada. Nunca se é tão feliz na corrida se não temos amigos. Obrigado, meus brothers! Finalizei literalmente acabado e sem forças, mas tremendamente emocionado pela superação.

Sim, a corrida me ensina muito sobre a vida e sobre mim mesmo. Nesta prova fui lembrado de que a fraqueza e o fracasso são sinais de humanidade, bem como a coragem de prosseguir apesar das limitações também é, e que a gente pode aprender mais com elas que com a própria vitória. Obviamente não terminei no tempo esperado, mas ganhei muito pela experiência ímpar, pela superação de limites e pela chance de dar e receber solidariedade e calor humano. No fundo a vida e a corrida só são completas através do encontro com o outro, o diferente, que se faz irmão e irmã nas estradas sinuosas da vida. No fim das contas, é muito bom também poder aprender com as experiências dos outros e se regozijar em suas vitórias. Parabéns a todos/as que aguerridamente terminaram essa prova. Agradeço ao Deus de toda a terra, de vivos e até de mortos por mais este tempo de surpresas e oportunidades. E rogo que eu possa correr pro resto da vida, pois correr é viver, e viver é bom demais.

Jonathan