sexta-feira, 23 de abril de 2010

Estranha distância



Toda vez que escuto essa música de Stênio Marcius, “Senhor do tempo”, fico tremendamente tocado, e sempre me pergunto: por quê? E a resposta mais sincera que me vem ao coração é: porque, tal qual o filho pródigo mais velho, posso estar na casa do Pai, fazendo tudo do jeito mais correto, mas tão distante de um relacionamento vivo com Ele. Então, percebo que, de alguma maneira, preciso voltar...

Uma história de retorno do Evangelho de Lucas (não a dos Filhos Pródigos) me lembra isso. Em Lucas 24, os dois discípulos voltam pra casa, cabisbaixos, comentando os ocorridos, os fatos do momento. Aquela talvez tenha sido a maior frustração de suas vidas. Tente se imaginar no lugar deles. A esperança dos dois e de tantos outros, aparentemente, havia se esvaído e de uma forma cruel e vil, num madeiro, lugar dos malditos.

É como se tudo o que até então havia servido de alicerce desmoronasse. Isso já aconteceu com você? A sensação poderia ser descrita como a música da Maísa: “Meu mundo caiu!”

E é nesse momento que o próprio Jesus vem ao encontro deles. E o texto diz que eles não o puderam reconhecer, pois os olhos deles “estavam como que fechados” (24.16). Mas Cristo se põe a caminhar ao lado deles, como um estranho-presente. E o estranho faz perguntas, demonstra-se interessado no que se passava na vida deles naquele instante. Só que a percepção inicial é de que ele não passava de um caminhante qualquer, e muito esquisito por sinal, pois parecia ser o único em Jerusalém que demonstrara ignorância (proposital, no caso de Jesus) acerca dos fatos que haviam ocorrido...

Assim, a sensação é de que ele era mesmo um estranho; tão perto deles fisicamente, e ao mesmo tempo tão distante pra poder entender o que eles vinham sentindo. E não é assim que ele nos parece muitas vezes? Misterioso, estranho, às vezes calado, mas, ainda assim, presente! Ora, ele mesmo não prometeu que assim seria, quando disse que o Pai enviaria um “outro amigo”, o Espírito consolador, e que, desse modo, ele estaria com a gente até a consumação dos séculos? Precisamos agora aprender a reconhecer a presença de Jesus em sua ausência física.

Então, eu realmente preciso voltar... Voltar a enxergar o Jesus vivo, quando na mente tenho apenas o Jesus morto; voltar a sonhar os sonhos de Deus e ser encharcado por sua esperança, quando os fatos e circunstâncias da vida me aterrorizam ao ponto de me cegar e me paralisar; e, por fim, deixar que meu coração volte a arder por Jesus e pelo evangelho como um dia já ardeu, quando menino, por tantas vezes me emocionei com as histórias que minha avó me contava sobre o tremendo amor desse Jesus pelo mundo, e pela aliança que ele desejava fazer especialmente comigo.

“Que estranha distância agora... Senhor, lembra do menino que eu fui outrora... Deixa-me ver novamente o meu nome, escrito nas santas mãos do Senhor do tempo” [Stênio Marcius].

Voltemos ao primeiro amor...

Jonathan

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O inevitável fardo da escolha

Nossa vida é feita de escolhas. Escolhas que fizeram para nós, e escolhas que nós fizemos e continuamos a fazer, diariamente, de diferentes modos e sobre diferentes instâncias da vida...

“Mas, eu não escolhi nascer”, diz alguém, sempre que precisa culpar outro alguém (no caso, seus pais) por quão miserável é a sua existência. É verdade, essa pessoa (que posso ser eu mesmo ou você) não escolheu nascer – eu já disse, há algumas escolhas às quais nos submetemos sem poder participar nem retrucar, e o nascimento é uma delas. Por conseguinte, pode-se dizer que também não escolhemos nosso sexo (nem o escolheram nossos pais; por mais que preferissem esse ou aquele de antemão, foi uma combinação genética e natural quem “escolheu” por nós), cor, etnia, lugar no qual nascemos, crescemos, nem nossa árvore genealógica, família, classe social, pátria (alguns incluiriam aqui até a opção sexual) e, no princípio, até mesmo o time de futebol e a religião...

Diante disso tudo, a consideração que nos resigna a uma impossibilidade de fazer escolhas iniciais está correta. Mas afinal, onde entra o meu poder de escolha?

No processo de nosso crescimento, desde a infância, pode parecer que não, mas nós fizemos escolhas. Por exemplo, fui eu quem, certa vez, escolheu levar minha irmã bem cedo pra fora de casa, em busca de nossa mãe, enquanto meu pai dormia... uma escolha que resultou em seu atropelamento. Por sua vez, foi ela quem escolheu resoluta a soltar de minha mão e correr independente pela rua até que o carro a atingisse. Por anos, pensei (e me culpei por assim pensar) que tudo foi em função de minha escolha, como irmão mais velho; mas envolveu a dela também... Por mais imaturas, infantis e até inconseqüentes, todos os que têm pulso de vida, inteligência e corpo, desde muito cedo, fazem escolhas, e usam-nos como bem entendem...

Eu posso até não ter escolhido nascer, mas não posso viver minha vida miserável, pra sempre culpando outros por sua miséria. Tenho de me perguntar: e depois de tudo, quem escolheu viver assim? Quem se limitou a esse modo de vida? É preciso coragem para assumir, e carregar seu próprio fardo.

Hoje, quando olho para trás, e vejo tanta coisa que poderia ter dado errado em minha vida simplesmente porque deram errado na vida de outros a meu redor, em função das escolhas que fizeram, percebo que um contorno invisível da graça divina sempre esteve ao meu lado e, mesmo sem que me desse conta, me auxiliou nas escolhas que me fizeram ser quem eu sou hoje. Devo isso às escolhas? Sim, sobretudo às escolhas que levaram Deus e suas palavras de benção em consideração. As erradas também me ajudaram de alguma forma, pelo menos a não errar mais do mesmo jeito...

O texto de Deuteronômio 30.15-20 é um bom exemplo desse exercício de liberdade de escolha que inerente e que desafia a cada pessoa: “Vê que proponho, hoje, a vida e o bem, a morte e o mal... os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que te propus a vida e a morte, a benção e a maldição”. Deus expõe diante de seu povo a possibilidade de escolha, todos os dias, por uma dessas realidades. A vida e a morte, segundo esse texto, são potencialidades inerentes às decisões que fazemos todos os dias, das perguntas que tocam nossa autoconsciência ética e espiritual: com esse ato, estou optando pela vida ou pela morte? Estou matando ou dando vida? Destruindo ou construindo? Pintando ou borrando o quadro?

Deus é bastante claro sobre quais são as suas preferências. Ele prefere que optemos por seguir seus caminhos, ouvir à sua voz, dar atenção à sua Palavra, porque estes são meios de vida e não de morte, de benção e não de maldição. E a dica que o próprio texto dá é, obviamente, um sinal ofertado pelo “Deus da vida”: “escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência” (Dt 31.19).

Escolher a vida nem sempre é o caminho mais fácil, nem o mais prazeroso; muitas vezes, é o mais custoso e árduo caminho, que envolve renúncia, fé, entrega, disposição para o aprendizado e "otras cositas mas"... E quem foi que disse que seria um “mar de rosas”? Escolhe a vida para que vivas! E hoje, o que vai ser?

Jonathan

domingo, 4 de abril de 2010

Falar de Deus

Esse assunto, que invariavelmente surge nas aulas que ministro aqui e acolá, fez-me lembrar de Paul Tillich, que em sua “Teologia Sistemática” se indagava sobre o que faz do teólogo um Teólogo, na acepção cristã da palavra. Parece uma questão tão banal e de óbvia implicação, mas não é. Pois se a tarefa do teólogo é “falar de Deus”, Tillich chega a conclusão de que qualquer um pode, até mesmo com alto nível de habilidade e competência, exercer essa função.
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Contudo, quem é o ser humano para “falar de Deus”? O que poderia o ser humano falar sobre Deus, sem que Deus antes o tivesse “permitido”? Aí saímos de Tillich, e vamos a Karl Barth (sei que alguns mais conservadores agora podem querer me condenar por conciliar dois “opositores” do mundo da teologia), que afirmou que “só Deus pode falar de Deus”. Por derivação, podemos dizer então que o que falamos de Deus é a partir daquilo que Ele mesmo já “falou” sobre Ele, isto é, através da revelação.
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Mas a revelação não é pura e simplesmente “palavra”, apreendida apenas pelo intelecto e traduzida na linguagem, aceita como conhecimento, e sem nenhuma relação com as outras dimensões do ser humano. Aí entra a espiritualidade, que é integral, na qualidade de relacionamento, mais do que a elaboração de conceitos; não se pode “falar de Deus” simplesmente, é preciso se relacionar com Ele.
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Assim, a teologia só pode ser frutífera – se mantivermos a perspectiva de uma relação com a espiritualidade cristã – se, e somente se, estiver acompanhada de e for alimentada por uma relação viva e intensa com o Senhor, com sua Palavra, e através da oração (que pode ser o próprio viver, mais que um mero rito). E, como consequência ou simultaneamente, me fazendo abrir janelas, a partir de meu próprio ser, para o outro, para me relacionar com ele(a) em amor.
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Daí sim, vamos e devemos “falar de Deus”, não mais ou apenas como fruto de mera especulação filosófica, mas como resultado de um desejo genuíno de contar para as pessoas e cantar para o mundo as maravilhas, beleza e graça do Senhor, e que se evidenciam (não como evidência factuais, mas relacionais) na vida do servo, como mensagem de esperança para os perdidos, e oportunidade de reencontro para os pródigos...

Jonathan