quinta-feira, 31 de julho de 2008

Vencendo a corrupção

É melhor arriscar-se a provocar um escândalo do que calar a verdade”. (São Gregório, o Grande).
A corrupção é uma das moléstias radicadas que mais afetam a humanidade atualmente. É um mal histórico, inerente à atividade humana nesse mundo. Lamentavelmente, a corrupção está infiltrada nos diversos âmbitos da sociedade: privado, estatal, acadêmico, econômico, cultural, artístico e, para nossa vergonha, também no meio eclesiástico. Ora, se até mesmo a igreja– a qual deveria ser o agente, por vocação, da esperança crística para o mundo – se envolve em esquemas de corrupção, a tendência, com efeito, é que as pessoas a repudiem, e com ela também os valores mais fundamentais de sua pregação (mas nem sempre), a saber, a justiça, o amor, a fé e a esperança.
Vivemos num mundo que nos impulsiona a depositar nossas esperanças no aqui e agora. Assim, ter esperança significa “manter-se vivo em meio ao desespero”, parafraseando Henri Nouwen. Como Paulo, defendo que “se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a essa vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co. 15:19). Mas se, por hora, essa é a única vida que temos, como se desvencilhar de um quadro fatídico como o que vivenciamos?
Não há respostas nem soluções fáceis à erradicação desse mal, visto que ele é virulento e brota das mentes ambiciosas dos seres humanos. Está muito mais “dentro” de cada um do que “fora”, por assim dizer. De modo que a proposta bíblica para se vencer a corrupção parte sempre de uma premissa ontológica: diz respeito ao “ser” uma nova pessoa pela graça de Deus. Por essa graça, Deus abre um novo caminho, não para a divinização do eu, como supõem os universalistas, mas para a libertação do ego, isto é, desse “eu-centrismo” que gera os pecados da existência. Pela graça, o eu não é recusado, mas é liberto da escravidão dos impulsos adulterados que ele mesmo provoca.
No Antigo Testamento, no livro de Miquéias 6:8, está escrito: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o Senhor pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e Andes humildemente com o teu Deus”. A prática da justiça continua sendo o principal antídoto contra a corrupção generalizada da raça humana. Enquanto houver pessoas que não se acomodam, não se calam, mas acreditam e lutam por justiça, viva permanecerá a centelha de esperança Divina nesse mundo. De tal maneira que a esperança não mais será “a última que morre”, mas aquela que jamais morre.

Jonathan

terça-feira, 29 de julho de 2008

Parodiando o mal (II)

Depois de ter escrito o primeiro post com esse título, resolvi, por fanfarronagem mesmo, sem muita pretensão, enviar para a Folha de Londrina - que tem um Espaço Aberto para artigos de leitores. Eles não só me responderam, como me pediram pra aumentar o artigo em mais umas 10 linhas. Foi o que fiz. Abaixo segue então a continuidade, desfecho ou parágrafo final que dei ao texto "Parodiando o mal", com a finalidade de publicação nesse jornal.

O cenário político atual da Câmara dos Vereadores de Londrina, por exemplo, é um relance de onde podem parar aqueles que pensam ser capazes de apenas parodiar o mal, brincando e se lambuzando com o poder econômico e político, e disso pretenderem sair ilesos. Para entrar nesse jogo asqueroso e inebriante do poder é preciso ter muito mais que o desejo de prevalecer, de enriquecer, de ser esperto, de tirar vantagem. É preciso aprender com o Coringa: não se pode querer burlar a ordem com a ordem, ou o sistema pelo sistema.

Com isso não estou querendo instaurar nenhum manual do “bom bandido”. Longe de mim. Só que o pior bandido (se é que há um tipo “melhor”), para mim, não é aquele de perfil escancarado, como o Coringa, Osama Bin Laden, Fernandinho Beiramar e tantos outros são. É, sim, o bandido de terno, o funesto fazendo papel de santo, o lobo em pele de cordeirinho, o pior inimigo em pele de “amigo do povo”, amigo do peito, como muitos dos “ilustres” da legislatura atual. Esses são as paródias do mal, o mal com cara de bem, atores de um filme que eu não quero mais pagar pra ver. Você quer?

Jonathan

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Manifesto contra o Prometeu desacorrentado

Parece-me que as eleições é um período em que, como tantas vezes na história, a memória costuma sofrer constantes atentados. Um dos atentados mais graves é a amnésia coletiva, que leva a população ao esquecimento de episódios políticos tão nevrálgicos outrora vivenciados. Os grandes protagonistas destes atentados à memória coletiva são os próprios políticos. Não estou me referindo a uma vala comum, onde se insere toda a classe política, mas me reporto a uma categoria política específica, que aqui decidi intitular Prometeu desacorrentado.

Prometeu desacorrentado é uma versão satirizada e re-significada da tragédia grega (escrita entre 462 e 452 a.C.), cuja autoria é atribuída a Ésquilo, que se chama Prometeu Acorrentado. Apesar de também ser uma tragédia em seus termos, o cenário político que aqui vislumbramos não se trata de ficção; tão pouco se passa na Grécia Antiga; mas é uma perspectiva da realidade política nacional e também de minha cidade, Londrina. Quero falar um pouco sobre o nosso Prometeu. Trata-se de um político corrupto (perece até pleonasmo), desleal, populista, demagogo, aclamado pelas massas mais humildes (o chamado “povão”), e abominado pela elite intelectual “mais abastad, sendo que parte dela e de todo o “resto”, está muito mais preocupada com a conservação de seus privilégios (como é o caso da classe média), mesmo que isto signifique render-se às fascinantes promessas de Prometeu.

Como cidadão, não posso deixar de me indigar com a prática de políticos como Prometeu, para quem muito interessa a manutenção da ignorância e do aparente disparate de memória de nosso povo sofrido e caluniado. Prometeu se aproveita disso, e promete continuar a realizar as obras faraônicas as quais, num passado não muito distante, mas que parece escapar à lembrança de seus fiéis eleitores, foram “interrompidas” sob “falsas acusações” de seus opositores, assim alega ele. Prometeu é um legítimo representante da perpétua corja de assassinos da justiça e da ética, que grassam no cenário fétido e podre da política brasileira desde seus primórdios.

E o que fazer então, visto que nem a própria justiça deste país consegue acorrentar devassos como Prometeu, que, assim, podem prosseguir gozando dos direitos civis e políticos de todo cidadão, usando e abusando da prerrogativa de prometer e ludibriar as pessoas? Melhor que a justiça parcial deste país, é o desacorrentar de nossas consciências e o uso correto do voto como forma inequívoca de dar UM BASTA aos “Prometeus” de nosso país, acorrentando-os pela força da democracia - uma quimera? - e varrendo-os de vez de cena. A todos nós, cidadãos e cidadãs brasileiros, discernimento, paz e lucidez no pleito que se aproxima.

Jonathan

Ps. Tempos depois de ter escrito esse texto, descobri que há um livro com o esse título: Prometeu Desacorrentado, de David S. Landes, sobre a transformação técnológica e o desenvolvimento industrial de 1750 até hoje. Só para constar!

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Parodiando o mal

É possível ao ser humano parodiar (ou interpretar) o papel de um "mal" sem ser direta ou indiretamente afetado por ele? Essa é uma das perguntas que me fiz ao assistir a atuação do Coringa (Heath Ledger) no filme “Batman – O Cavaleiro das trevas”. Muito se falou sobre o desempenho de Ledger nos meses que precederam a estréia do filme, especialmente em virtude de sua misteriosa morte, em Janeiro desse ano. O diagnóstico “oficial” para o falecimento (“overdose acidental de medicamentos”) parece não ter convencido muitas pessoas, que até agora tentam buscar uma explicação moral, psíquica e até espiritual para a morte do jovem ator, que alguns meses antes havia adentrado na pele do novo coringa, de versão mais sombria, sarcástica, ousada, inusitada, inteligente, assustadora, e por aí vai – criada também pelo próprio ator.

Ora, muito se discutiu e ainda se vai discutir a respeito, não tenha dúvidas disso. Assisti ao filme ontem e achei o papel do Coringa no filme simplesmente brilhante, fora de série, sem dúvidas um dos pontos altos da trama. Já se fala nos bastidores que o ator receberá uma indicação póstuma ao Oscar. É esperar para ver. Mas, voltando à questão inicial, enquanto assistia ao filme, fui-me lembrando das muitas especulações que ouvi sobre a morte do ator, que, em suma, gravitaram em torno não de um acidente, mas de um possível suicídio; alguns acreditam que ele vivenciou tão intensamente o papel que acabou não resistindo à complexidade de se encarnar o mal. Esse parece ter sido o espectro do também ator Jack Nicholson, que, comentando a morte de Ledger, disse em tom sarcástico: “Eu o avisei” (Fonte: The New York post).

Não posso dizer nem que sim e nem que não. Tudo não passa de especulação, especialmente pra quem acompanha tudo de tão longe. E a minha questão aqui não é diagnóstica (o caso de Ledger ou Coringa é apenas uma ilustração), é existencial mesmo. Lembro-me de uma passagem da introdução das Cartas do Diabo ao seu Aprendiz, de C. S. Lewis, em que esse autor relatava o quão tentador e perigoso foi para ele tentar pensar “com a mente do Diabo”; criar – a partir de seus conhecimentos – um arquétipo das trilhas que o mal percorre para chegar a seus fins. E me pergunto se terá sido diferente para Ledger? Nunca vamos saber ao certo... Nem Jesus se permitiu ceder aos apelos e paródias do mal (Lucas 4). Será o ser humano capaz disso, sem nenhum tipo de lesão? Não sei se esse foi o caso de Ledger e nem estou aqui para afirmar isso. Mas eu, particularmente, não acredito que tenhamos tal capacidade de distanciamento. E prefiro não pagar para ver...
Jonathan

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O que sentimos não é quem somos

Todos os dias recebo as meditações diárias do Henri Nouwen, enviadas diretamente pela Henri Nouwen Society. Elas são muito úteis e edificantes. Eu as leio todas as manhãs. É um pouquinho do discernimento espiritual de Nouwen, a cada dia. Essa meditação foi hoje muito especial. Às vezes me sinto de muitas e variadas formas, dependendo do dia e das circunstâncias que me envolvem. E a grande tentação é confundir aquilo que sinto – sempre num movimento de montanha russa – com aquilo que sou, sendo levado a trocar a estabilidade do espírito, pela instabilidade das emoções. Nouwen me ajudou, hoje, a relembrar que sou – em minhas convicções e razão de existir – muito mais do que minhas variações de estado de humor, muitas vezes, me permitem enxergar. E você também é...

Jonathan
===========================================================
Nossas vidas emocionais são cheias de altos e baixos. Às vezes experienciamos grandes variações de humor: da excitação à depressão, da alegria à angústia, de uma profunda harmonia a um profundo caos. Um pequeno evento, uma palavra de alguém, uma decepção no trabalho, muitas coisas podem gerar tais variações de humor. Na maioria das vezes temos um pequeno controle sobre essas mudanças. Parece que elas acontecem a nós muito mais do que são criadas por nós.
Dessa forma, é importante saber que nossa vida emocional não é o mesmo que nossa vida espiritual. Nossa vida espiritual é a vida do Espírito de Deus conosco. À medida que assistimos nossas emoções mudarem devemos conectar nossos espíritos com o Espírito de Deus e lembrar a nós mesmos que o que sentimos não é quem somos. Nós somos e permanecemos sendo, independentemente de nossos humores, filhos amados de Deus.
Henri Nouwen
Traduzido de Daily Meditation (www.henrinouwen.org)

terça-feira, 22 de julho de 2008

Jesus me curou!

Há cerca de oito anos conheci a dona Maria Rosa, avó do Raoni, um grande amigo meu, a qual vivenciava dias difíceis, lutando contra um câncer, que atacara sua garganta. Mesmo com as dores e a dificuldade em respirar devido aos agravos da doença, Maria encontrou forças para buscar a Deus naquele momento tão difícil e penoso, clamando para que curasse tanto a ela como a seu esposo, que também sofria com câncer no estômago. Embora as evidências diagnosticassem uma doença bastante avançada, pude ouvir as palavras confiantes desta senhora, que persistia em afirmar: “Jesus me curou! Eu tenho certeza que estou curada, em nome dele”.

O exercício da fé é algo misterioso e ao mesmo tempo extraordinário. E aqui não me refiro à “fé” adotada como barganha (basta ter fé para conquistar esta ou aquela vitória, realizar o mais dificílimo dos desejos). Não, definitivamente! Aliás, as pessoas precisam entender que esse tipo de artifício é contraproducente para o amadurecimento na verdadeira fé, que é um dom e não um afã. A fé, sim, tem poder para transformar uma situação fatídica ou adversa em benção, só que quem confere este poder não é exatamente o sujeito que crê, mas o Espírito que nos iniciou na mesma fé.

A transformação não ocorre por causa de uma determinação positiva de nossa mente, mas de acordo com a medida da Graça e da Soberania de Deus. O que nos cabe, por fim, é crer “sem duvidar”. Veja, isto não significa que no aprendizado da fé não tenhamos que conviver com eventuais dúvidas, posto que um ato sincero de fé implica em uma relação tão aberta com Deus, de alma, mente e coração, a fim de que Ele possa nos auxiliar a substituir a dúvida pela certeza, algo que não é tão simples. Jesus parecia não desconsiderar a hipótese de dúvida na fé, embora dissesse que tudo é possível ao que crê. Lembro-me das palavras do pai de um jovem possesso: "Eu creio. Ajuda-me na minha falta de fé".

Dentre todas as coisas o que mais nos falta talvez seja a predisposição em romper com as muralhas de nosso materialismo enraizado, do fatalismo e da amargura, que nos inibe em vivenciar uma fé mais ousada e corajosa, assim como a de dona Maria, que, mesmo tendo perdido seu marido, o Sr. Antonio, que veio a falecer, hoje pode continuar gozando da alegria de viver e lutar as batalhas da fé, pela vida, ao lado de Jesus, porque ela creu e foi curada. Dizer ao monte que se erga, ou afirmar de coração “Jesus me curou”, não significa repetir um jargão falacioso ou realizar um ato heróico, mas sim saber em quem se tem crido e o quão fiel e poderoso Ele é para realizar infinitamente mais de tudo aquilo que possamos pensar ou colocar nossa confiança. Essa é a verdadeira cura.

Assim, a fé pode ser vista como um salto de coragem que damos pelo poder da Graça. Fé é a convicção de que é preciso assumir riscos, e reconhecer que a vida nos guarda surpresas que não esperamos, mas que Jesus também nos surpreende com seu amor.

Jonathan

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Somerset Maugham

Ano passado, ganhei de aniversário de meu amigo Antônio Carlos o livro “O Fio da Navalha”, do romancista inglês William Somerset Maugham (na foto). Na contracapa do livro, a seguinte dedicatória: “Jon, você irá embarcar numa viagem emocionante. AC”. E, de fato, tem sido uma viagem emocionante. Não costumo ler muitos romances, confesso, essa é uma deficiência em minha formação que terei de correr atrás, não por obrigação, mas por desejo pessoal mesmo. Mas, pelo pouco que posso dizer, gosto de romances que, no bojo da narrativa, trazem não apenas histórias, mas também opiniões interessantes, polêmicas, feitas para quem gosta de pensar.
Aliás, quando quero pensar um pouco, deixar que a mente seja povoada de muitas questões e poucas “repostas prontas” e quentinhas dos fornos das intelectualidades medíocres e mercadológicas de nosso tempo, não tenho buscado em sermões, apologéticas ou livros cristãos – maioria deles, atualmente, focados na tal da “auto-ajuda”. Honestamente, pouquíssimos hoje me fazem crescer. Há, sim, boas exceções. Mas são exceções cada vez mais raras. A “regra” é sempre a mesma ladainha pobre de criatividade e de conteúdo. É cansativo demais. O remédio para minha fé, além de conversas honestas com Deus através de sua Palavra, e com uns poucos amigos, tem sido a leitura de autores de filosofia, poesia e romances.
Quando leio um Nietzsche, um Unamuno, um Kierkegaard, ou um Maugham, por exemplo, fico perguntando: como seria o mundo não fossem algumas mentes brilhantes como essas para pensar “fora da caixa” e fazer questões que todo mundo talvez faça, em algum momento, ainda que reprimidos pelas amarras do inconsciente? Questões cortantes e cruciais, embora muito infreqüentes hoje em dia. E por quê? Porque todo mundo só quer o quinhão de verdades que mais lhe interessa, agrada, conforta. E se os autores evangélicos são a satisfação desses desejos, quero distância deles, para minha própria saúde mental e espiritual. Deus me livre de tais literaturas!
No post abaixo, deixo vocês, leitores desse blog, com trechos do livro de Maugham, em que um dos personagens, Larry, coloca para fora suas dúvidas, questionamentos e opiniões. Não concordo plenamente com Larry. Mas tampouco concordo com as proposições religiosas que lhe serviram de motivo para pensar como pensa. Não sou diferente de Larry, nesse sentido. E por isso, desejo me colocar à disposição para um diálogo aberto e sincero com esse tipo de pessoas, tão mais cheias de fé – apesar da desorientação – e tão menos doentes que muitas mentes e corações “religiosos” que conheço.
Jonathan

O Fio da Navalha

Devia ter nascido na idade média, quando a fé era aceita naturalmente; teria então visto claramente o meu caminho e entrado para o convento. Mas eu não podia crer. Tinha esse desejo, mas não podia acreditar num Deus que não era melhor do que um homem bom. Os padres me disseram que Deus criara o mundo para sua própria glória. Não me pareceu um objetivo muito apreciável. Teria Beethoven criado suas sinfonias para sua própria glória? Não acho possível. Em minha opinião criou-as porque a música em sua alma exigia expressão e, depois, só o que tentara fora torná-las perfeitas, na medida do possível.

Eu ficava a ouvir os monges quando recitavam o Padre-nosso. Como podiam eles, sem apreensão, continuar a pedir ao Pai Celestial que lhes desse o pão de cada dia? Por acaso as crianças pedem ao seu pai terrestre que as alimente? Esperam isto dele; não sentem nem precisam sentir gratidão; e não há quem não censure o homem que põe filhos no mundo quando não pode sustentá-los. A mim me parecia que, se um criador onipotente não podia prover às necessidades materiais e espirituais das criaturas, teria então sido preferível não criá-las.


(...) Se foi um Deus bom e todo-poderoso que criou o mundo, porque motivo criou o mal? Diziam os frades: Para que o homem, dominando os seus instintos maus, resistindo à tentação, aceitando a dor, a tristeza e a infelicidade, como provações enviadas por Deus como instrumentos de purificação, se tornasse finalmente merecedor da graça. Isto me parecia o mesmo que mandar um sujeito com um recado a determinado lugar e depois, para dificultar-lhe a tarefa, construir um labirinto por onde se veria forçado a passar, cavar um fosso que ele teria de atravessar a nado, e finalmente que ele seria obrigado a escalar.


Não estava em mim acreditar num Deus sábio que não tinha senso prático. Não vi a razão para não se acreditar num Deus que não tivesse criado o mundo, mas que procurasse corrigir, na medida do possível, aquele que encontrara; um ser infinitamente melhor, mais sábio e maior que o homem, que lutava contra o mal que não fora criado por ele, podendo-se esperar que no fim chegasse a vencê-lo. Mas, por outro lado, não vi também razão para se acreditar em tal Deus.


W. Somerset Maugham
Trechos do livro: O Fio da Navalha. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Morte e vitória da consciência (II)

As testemunhas se foram, afugentadas pela indiferença, que por seu turno gera apatia – a incapacidade de sofrer – e está dá lugar então não só para o túmulo da consciência, como também da esperança e solidariedade. É o início da militância contra a vida; são os primeiros sinais da derrota: da consciência, do ser-em-Deus, da convivência pacífica e compassiva com os outros. Todas as vezes que matamos a nossa consciência, matamos a voz de deus em nós. E quando ela morre, outras coisas também começam a morrer.
Já a vitória e vivacidade da consciência podem ser vistas como um antídoto contra o desequilíbrio vital em todos os sentidos possíveis. É a atenção constante ao que dizem as testemunhas. É claro que essas testemunhas podem ser igualmente forjadas pelo legalismo e e moralismo que rege muitos sistemas religiosos e de pensamento. O final delas é a prisão do ser e seu martírio nas cruzes de suas falsas culpabilidades e medos, cujo fim trágico é também a morte.
A vitória da consciência, regida pelo espírito do Deus da vida, é da liberdade sobre a escravidão, da maturidade sobre a dependência doentia e infantil. Ela só pode ser mensurada pelos frutos e permanente transformação da mente pela inconformação frente aos padrões emburrecedores, assassinos de consciência. É a assunção da mente de Cristo, a qual nos permite não tomarmos a forma do vazio de consciência desse século, mas transformar-nos pela renovação de nossa própria mente e consciência, Nele.
*Imagem: "Consciência", por Maurício Z. Porto (http://novasvisoes.com.br)
Jonathan

terça-feira, 15 de julho de 2008

Morte e vitória da consciência (I)

A consciência é como mil testemunhas”, declara o autor de Provérbios. O que isso parece significar? A mim parece que na consciência, mais que em qualquer outro lugar, habita a força do juízo. Refiro-me, é claro, a uma boa consciência, sã, equilibrada, honesta. Mas quem define isso? Diante de tanta maldade que toma conta de nossa sociedade e tem levado pessoas a cometer atos terríveis contra elas mesmas, contra outras pessoas e contra o meio-ambiente, estaríamos presenciando a morte da consciência, tal como aqui anunciada?

A consciência, segundo o enunciado acima, é como uma platéia, que assiste e julga o espetáculo de nossos pensamentos, intenções e atos. E, ao fazê-lo, ao modo de coro pela vida, pelo bem, pelo que é justo, reinicia em nós o processo no qual esses mesmos atos e pensamentos passam por uma revisão, um “check up”, onde se identifica se extrai as raízes mais obscuras e estranhas a essa militância em favor da vida e da liberdade.

O Espírito da Vida sopra à consciência, reorientando pensamentos e ações rumo à luta para que a vida prevaleça. A vitória da consciência começa com um ligeiro incômodo e termina com a mudança e reorientação da práxis pessoal. A morte da consciência, por sua vez, é lenta e gradual. Ocorre cada vez que o grito da platéia é ignorado e começa a se tornar cada vez mais imperceptível, à medida que cada uma das testemunhas começa a deixar seu posto, por desistência, abandono ou expulsão, e o que resta é o vazio de consciência.
Continua...
Jonathan

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Uma oração de todos nós

Parecem-me bastante pertinentes algumas expressões e palavras que retratam a vida e espiritualidade cristã nas dimensões de uma luta. A espiritualidade integral é o sinônimo de um modo de vida espiritual que se encarna na realidade, tendo a aceitação consciente de que Cristo é o Salvador, comprometendo-se com a sua cruz, e dependendo inteiramente da ação do Espírito (Mt 16).

Nesse sentido, Davi foi um dos homens de Deus mais humanos sobre quem já li e ouvi falar. A bíblia o retrata como um protótipo de uma gente tão paradoxal como a gente é: coerente e obtuso, às vezes muito crente, outras meio incrédulo, solidário e egoísta, amável e execrável, alegre e triste ao mesmo tempo. Seus salmos simbolizam muito daquilo que somos no cotidiano, posto que apresentam orações e suplicas que vêm romper com um modelo “espiritual” desencarnado e angelical que tem se criado nos últimos tempos, do crente sem mácula, sem problemas, sem crise, sem dúvidas e, se brincar, até sem pecados.

A oração de Davi, presente no Salmo 13, expressa sua mais legítima humanidade. “Até quando Senhor?” (v.1-3), interroga ele expressando sua aberta indignação diante da circunstância em que se encontrava. Do lamento brota a súplica: “Atenta para mim, responde-me, Senhor, Deus meu!” (v.3-4). Por fim, de queixoso e suplicante, Davi demonstra-se confiante e grato: “No tocante a mim, confio na tua Graça (...) Cantarei ao Senhor, porquanto me tem feito muito bem” (v.5-6). Davi foi uma amostra viva de que Deus se agrada daqueles que, de coração, falam a verdade e vivem com integridade, muito mais dos que fazem obras de caridade, mas sem misericórdia, ou que num lugar levantam as mãos, choram copiosamente e se esparramam no chão em suposto culto a Deus, mas que, fora dali, prosseguem aceitando suborno, difamando com a língua, oprimindo o próximo, lançando intriga contra o vizinho, cultivam orgulho e “amor” próprio e alimentam uma mente maquiavélica.

Sou muito mais adepto à indignação, ao questionamento e à dúvida que, por fim, resultem em louvor e confiança, que a uma postura externa piedosa, autoconfiante e aparentemente inabalável, porém decorrente de um coração rancoroso, cheio de julgamento e amargura. Que Deus nos livre da falácia da justiça própria, do mérito e da vanglória, e nos de corações verdadeiros e sinceros, preservando nossa humanidade e incitando-nos a viver uma espiritualidade de gente, e não de anjos (ou demônios!).

Jonathan

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Feridos que curam feridas

Ninguém escapa de estar ferido. Todos nós somos pessoas feridas, seja fisicamente, emocionalmente, mentalmente ou espiritualmente. A questão principal não é “Como podemos esconder nossas feridas?”, para que não precisemos ficar embaraçados, mas “Como podemos colocar nosso eu-ferido a serviço de outros?”. Quando nossas feridas cessam de ser uma fonte de vergonha, passando a ser uma fonte de cura, tornamo-nos médicos feridos.

Jesus é o médico ferido de Deus: por meio de suas feridas nós fomos sarados. O sofrimento e a morte de Jesus trouxeram alegria e vida. Sua humilhação trouxe glória; sua rejeição trouxe uma comunidade de amor. Como seguidores de Jesus nós também podemos permitir que nossas feridas venham trazer cura para outros.
Nossa própria experiência com a solidão, depressão e medo pode se tornar uma dádiva para outros, especialmente quando temos recebido um bom cuidado. À medida que nossas feridas estão abertas e sangrando, nós afastamos os outros. Mas depois de alguém ter carinhosamente cuidado de nossas feridas, elas não mais assustam aos outros ou a nós mesmos. Quando experimentamos a presença curadora de outra pessoa, nós descobrimos nossos próprios dons de cura. Então, nossas feridas permitem que entremos em profunda solidariedade com nossos irmãos e irmãs feridos.

Entrar em solidariedade com uma pessoa que sofre não significa que temos de falar com aquela pessoa sobre nosso próprio sofrimento. Falar sobre nosso sofrimento raramente serve de ajuda a alguém que está passando por sofrimento. Um médico ferido é alguém que pode ouvir uma pessoa que está em dor sem ter de falar de suas próprias feridas. Quando tivermos passado por uma profunda depressão, podemos ouvir com grande atenção e amor a uma pessoa depressiva sem ter de mencionar nossa experiência. Na maioria das vezes é melhor não direcionar a atenção de uma pessoa em sofrimento para nós mesmos. temos de confiar que nossas próprias ataduras irão permitir que ouçamos aos outros com todo o nosso ser. Isso é cura.

Henri J. M. Nouwen
Traduzido de Daily meditation (http://www.henrinouwen.org/)

terça-feira, 8 de julho de 2008

Reflexões sobre vida e morte (II)

Por que a morte é tão terrível aos olhos humanos? Porque, para muitos, ela significa o “fim da linha”, o final da vida. Mas por que o pregador diz então que o dia da morte é melhor que o nascimento, e que o fim é melhor que o princípio? Pois, para aqueles cujo temor é o princípio da sabedoria e existência, a morte não é o fim, mas o porta de entrada da nova vida: “Eis que faço novas todas as coisas”. A morte é o fim da vida finita e a entrada na vida que continua na eternidade.

Outra questão é que a morte nos faz olhar para a vida com outra perspectiva. Diante da morte os vivos passam, ainda que por um momento, a enxergar o sentido limitado que têm de longevidade, e se lembrar da efemeridade da existência. A morte alheia incita o auto-exame; a dor e tristeza pela perda produzem introspecção – “porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração”.

A tristeza óbvia pela separação causada pela morte não deve nos paralisar (ainda que por certo período de tempo seja isso que ela produz), nem nos destruir, mas ajudar-nos a atingir a consciência de que nossas vidas estão sob a tutela de mãos maiores, maiores que a vida e a própria morte, mãos divinas, de amor eterno e sempre disponível.

Encarar a realidade da morte de frente é se preparar para ávida com o realismo e para a morte com a esperança da ressurreição; é aprender a cultivar os valores eternos e permitir, como afirma Dorotee Sölle, que o cálice do sofrimento transforme-se no cálice da fortaleza.

Jonathan

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Reflexões sobre vida e morte (I)

Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete... e o dia da morte, melhor que o dia do nascimento” (Ec 7.1,2).

O que é melhor: a tristeza ou a alegria? A morte ou a vida? O que prefiro: um fusca ou um jaguar? Sol escaldante ou sombra e água fresca? Parece que as escolhas mais comuns são óbvias demais em todas essas antinomias. A melhor opção sempre aparenta ser aquela que oferece mais conforto, que atenda da melhor maneira possível os desejos do coração. Mas o coração é enganoso, o prazer é ludibriante e a alegria (contentamento) é alienante. Nem sempre os caminhos mais fáceis levarão a um destino melhor. Completar bem a jornada pode significar e, muitas vezes, significa trilhar por caminhos tortuosos.

Não penso que o pregador – como é chamado o autor de Eclesiastes – esteja negando as vantagens inerentes à sempre levar vantagem na vida, em sempre poder optar pelo que, na lógica humana, se apresenta como a preferência mais natural. Ele apenas está querendo mostrar que há realidades na vida que só são perceptíveis por meio da desvantagem, do sofrimento, do luto. Esse é o tipo de afirmação que só se torna possível para quem já experimentou de tudo na vida para, no fim das contas, ser capaz de discernir caminhos produtores de sabedoria de outros caminhos que são loucura e pura vaidade.

De tão sábio, Deus parece um louco. As lógicas de deus, contrárias às abstrações da mente humana, limitada no tempo, no espaço e pelo pecado, são totalmente ilógicas pra quem só consegue ver as coisas através desse “eu” imerso no mar de expectativas da inumanidade global.


Jonathan