quinta-feira, 14 de novembro de 2013

A coragem de ser quem se é

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O meu corpo e o meu coração poderão fraquejar...” (Salmo 76.26).

Não ter com quem realmente contar diante das “más notícias” da vida é uma fonte de grande angústia para qualquer ser humano com um mínimo de sensibilidade. Às vezes nem entre alguns amigos, certos membros da família, da comunidade, e colegas de trabalho menos ainda, contamos de fato com alguém. Por quê? Porque está cada vez mais difícil encontrar companheiros/as para a hora da dor em uma sociedade que consagra a vida indolente, feliz e, de preferência, sem grandes dilemas, principalmente aqueles para os quais não temos resposta nem tampouco paciência para lidar. Falar em depressão, transtornos, fraquezas, bipolaridades ou neuroses com esse tipo de gente é o mesmo que lançar pérolas aos porcos – se bem que os porcos, por razões óbvias, não julgam nem têm preconceitos semelhantes aos que, diariamente, vemos especialmente no meio religioso.

Não escrevo para demonizar esse tipo de gente. É uma constatação apenas de que elas estão cumprindo fielmente, e um tanto irrefletidamente, aquilo que o espírito do tempo – de louvor ao sucesso e de exorcismo do fracasso – lhes designou.

Percebo, contudo, que ainda existem pessoas singulares, cuja singularidade advém precisamente do fato de que têm tanto aprendido quanto inspirado no mundo àquilo que Paul Tillich (outro espírito singular) chamou de “a coragem de ser”: de ser quem se é e de ser “como uma parte”. Somos (ou podemos nos tornar) quem somos de verdade à medida que admitimos jubilosa e corajosamente nossa parcialidade, precariedade e provisoriedade em quase tudo na vida, tanto no sentido de que não damos conta da existência, como no de que partilhamos nessa mesma existência de fragilidades muito semelhantes.

Esta é a coragem que nos permite viver com integridade as dores e alegrias de ser-no-mundo; ela também nos convida à partilha com outros (pessoas singulares que Deus graciosamente coloca em nosso caminho) e descobrir que, de modos diferentes e em intensidades que não podem ser mensuradas, todos podemos fraquejar e fraquejamos. Esta possibilidade concreta nos humaniza. Assumir e viver o que somos, com nossas luzes e sombras, por mais doído que seja, não nos destrói, mas nos torna mais humanos, como não deixa mentir o exemplo do “Deus Crucificado”. Negar, sublimar o ignorar este lado da vida é, portanto, nos desumanizar. De pessoas singulares, assim, congraçamo-nos no indiferentismo fingindo (e pregando) felicidade e paz, onde o que existe é mais complexo; perdemos a coragem do coração, tornamo-nos pusilânimes.

Por isso é que, como contrapartida, sou fã dos poetas bíblicos, pois eles mostram que a Bíblia é um livro repleto de histórias escritas, narradas, vividas e dramatizadas por gente como você e eu, e por um tipo de pessoa que eu gostaria de me tornar: inteira, corajosa, compassiva, demasiadamente humana. Viver na obscuridade não é saudável pra ninguém; negar que ela nos ronda, muito menos. Limitações existem e só são entraves para quem, luciferianamente, tem síndrome de Deus. Aos que creem e vivem sob o poder de Deus, porém, elas são caminho de liberdade. Só quem reconhece a fragilidade do próprio coração pode dizer com trêmula convicção: “... mas Deus é a força do meu coração e a minha herança para sempre”.

Jonathan

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Todo mundo é pródigo!

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Assumir a sua, a minha, a nossa prodigalidade é parte de nossa condição humana, para ser mais humanos. Eis a visão da alegoria bíblica do “filho pródigo” em Lucas: não existe ninguém que, em alguma dimensão ou extensão de sua vida precária, não seja/ esteja perdido...

Então, quando dizemos, por exemplo, que a missão da igreja no mundo é conduzir “gente perdida” a Deus, o que isso efetivamente quer dizer?

Para muitos, na prática isso significa que já fomos achados, estamos na casa do Pai, que tudo está sob perfeito controle, portanto não somos perdidos, os “outros” é que são.

Se nutrirmos algo semelhante em nosso coração, não podemos estar mais fora do prumo divino, pois denegamos nossa condição humana precária e carente da graça em nome de algo “maior”; usurpamos uma suposta divindade e, uma vez mais, aceitamos a oferta da serpente.

Essa história, contudo, mostra que é possível permanecer perdido, mesmo sem nunca se deixar perder, sem nunca ter partido, como é o caso do filho mais velho.

Esse é um dos paradoxos da parábola: quando dizemos que já fomos achados, que nada mais resta para ser redimido, aí é que perdidos estamos e de modo permanente, invisível. Quando, porém, reconhecemos que perdidos estamos, mesmo que por pouco, significa que há esperança de ser encontrado ou reencontrado...

Isso, no entanto, não é a desgraça da missão de Deus, mas a sua qualidade; a assunção de nossas fraquezas e da condição humana é o que nos torna úteis nesse mundo. Parafraseando Segundo Galilea, o que não pode ser assumido também não pode ser redimido. Cristo assumiu nossa condição para, só então, redimi-la.

Sendo honesto, então, preciso admitir isso: sou um eterno reincidente! Não há um dia sequer de minha vida em que, por muito ou por pouco, eu não caia. Essa é uma verdade inconveniente sobre mim: eu vivo caindo! Nem todos sabem; poucos gostam de admitir, mas Deus o sabe...

A inconveniência dessa verdade está não somente no fato de que ela me expõe como pessoa, mas também de que ela mostra que o cair não precisa ser inimigo do estar de pé, de levantar, de poder se reerguer. Na verdade, como diz o ditado, “para cair, basta estar de pé”. Ou, melhor ainda, como disse Paulo, “quem pensa estar de pé, cuide para que não caia”. Cuide, e não negue; cuide, e não reprima; cuide, o que significa, lide com a possibilidade sempre iminente da queda...

Por isso, é importantíssima no filho mais jovem a atitude de reconhecimento, em que se admite: “Estou perdido”! Sem isso, não há encontro possível. Quem nunca se sentiu perdido na vida não pode reconhecer a alegria e a satisfação de ser encontrado...

De muitas e variadas formas eu fui encontrado, assim como de muitas e variadas formas eu continuo perdido; tentando não cair, e ainda assim caindo vez por outra; levantando-me pela graça e tentando prosseguir na força que Deus, a família, os amigos, a comunidade suprem.

Assim sou eu, assim é você, e assim também é Deus. Como assim, Deus? Sim, Deus! Ao reler a parábola, percebo que não somente os dois filhos são as figuras vulneráveis e perdidas da história. O pai também é. Não da maneira dos filhos, é claro; o pai é “perdido de amor”.

É essa imagem de Deus que a parábola me revela: de um Deus de amor, que também se encontra “perdido” em busca de seus filhos perdidos e não descansa até que, finalmente, os encontre. Um Deus que nos ama com um amor incondicional, incansável, imponderável, insano e nada justo aos nossos olhos. Um amor que, como defende Brennan Manning, “abraça a todos sem exceção. De novo, o amor de Deus é tolo”. Desejo aprender mais dessa tolice divina para, quem sabe, me encontrar mais humano.

Jonathan