sábado, 28 de março de 2009

Oração e Gratidão

Hoje, quando tenho o privilégio de completar meu vigésimo oitavo aniversário, com muita alegria, paz e me sentindo um ser tremendamente abençoado, pela vida, a família, os amigos, os dons, o ministério, e as responsabilidades que me foram por Deus confiadas, como dádiva e graça, me vejo imerso em um mar de águas profundas de gratidão... A paz com Deus é a paz com aquilo que somos, com o que temos e com a vida que ele nos deu, diria Rob Bell, mas é também a paz que excede todo entendimento, paz que somente um ser integralmente disposto a ouvir e discernir a voz do Espírito da vida pode ter.

Minha aptidão para ouvir está estritamente associada com meu movimento em direção à honestidade com Deus. Deixo essa singela oração, como expressão de um coração grato, porém cônscio de suas armadilhas; feliz, porém desejoso de uma vida que vá além da superficialidade que grassa nos quadros da religiosidade de nosso tempo, pia, ritualística, moral, mas sem vida, sem conexão, sem liberdade. É assim:

Pai de amor, perdoa-me por tantas vezes privilegiar pedidos, desejos e o teu poder apenas para realizá-los, de um modo distante do teu querer; por todas as vezes que te tratei como amuleto, como um gênio da lâmpada, utilitariamente.

O Senhor me chama para um relacionamento de amor, enquanto eu, tantas vezes, estou somente preocupado comigo mesmo, com o que amanhã vou comer, vestir, onde vou trabalhar, quanto vou ganhar... assim me esqueço, Paizinho, que um relacionamento vivo contigo pressupõe a confiança básica no teu cuidado pleno nessas e em todas as demais coisas dessa minha efêmera existência.

O Senhor quer de mim uma só coisa: um coração prioritariamente devotado ao teu reino e à tua justiça, ao passo que constantemente me tenho visto dividido entre dois ou mais senhores; queres singularidade, mais eu insisto em viver na duplicidade. Dá-me hoje, Senhor, um espírito manso, humilde e tão dependente de ti qual um bebê, necesitado do seio de sua mãe. Dá-me a sensibilidade suficiente para enxergar quando vier o bem. E que nos dias maus, que certamente virão, não deixe eu de dar fruto, pelo teu Espírito e pelo poder da tua graça, que me é suficiente. "Porque quando sou fraco, então é que sou forte".
Sinceramente teu,

Jonathan

quinta-feira, 26 de março de 2009

A Canção Das Mãos Vazias - por Gedson Lidório

Alguns profetas Deus colocou nas mãos a espada, outros o cajado, e outros... bem... outros há, como eu, que têm mãos vazias... Aprendi, com isto, que não preciso de um trono, pois para quem deseja lavar pés aos outros, o trono é desnecessário, ficará sempre vazio.

Não preciso de carta de apresentação dos grandes, pois quem se dirige ao pobre e necessitado é a sua última esperança. Não preciso de reconhecimentos eclesiásticos, pois não tenho missão alguma a cumprir nos templos e sim nas ruas e campos. Nem preciso de grande nome, os surdos nunca o ouvirão; não preciso ser grande em qualquer coisa, os cegos não perceberiam. Não tenho ao menos um cajado na mão.

Mas, minhas mãos vazias têm deixado transbordar bálsamo para corações partidos, cura para os doentes, unção para os oprimidos, carinho para os que sofrem, liberdade e salvação aos prisioneiros da morte. Foi somente quando Deus esvaziou minhas mãos que entendi mais profundamente o que é ter um coração cheio de misericórdia e compaixão. Foi aí que entendi o que é dar um banquete e convidar os pobres, alienados, oprimidos, despedaçados...

Minha missão tomou rumos incertos a todos que me cercam; ficou mais difícil de ser cumprida, não pode ser definida nem querida pelos que a analisam. Eu sei que é difícil enxergar o dom naqueles que o dom é ter mãos vazias... somente sabem de tudo, aqueles coraçõezinhos que não tinham mais esperança no mundo e nunca tinham mãos que os segurassem para não continuarem a cair no abismo... e de repente... acharam mãos que estavam vazias o suficiente para agarrá-los. O amor de um destes corações, apenas de um, me dá energia suficiente para continuar a jornada por mais mil anos... mesmo de mãos vazias.

Gedson Lidório

terça-feira, 24 de março de 2009

Religião, justiça e humildade

(Leia: Lucas 18.9-14).

As Escrituras e as tradições religiosas que nelas se baseiam, dizem pra gente que nesta vida temos que ser justos e criar relações baseadas na justiça (de Deus e dos homens). Só que nossa justiça não é como a justiça de Deus, definitivamente. A nossa é balizada no feito ou não feito, mérito ou demérito. Ao passo que Deus, que é Justiça, age com base na graça e no amor. A Bíblia diz que não há um justo sequer que faça o bem e não peque. A tentação dessa nossa justiça capenga está em estabelecer ações morais calcadas num certo “bem”, e assim galgar o mérito, a salvação, a perfeição fisiologista – que não depende do estado interior, mas do cumprimento de determinadas regras e padrões no exterior.

O pecado, assim, torna-se uma categoria insignificante que só toma de surpresa os insignificantes, os impuros e os imorais, que descumprem as leis e mandamentos de Deus pelo simples fato de serem como são, vide o exemplo do publicano da parábola. Religião e vida se dissociam, assim como santidade e natureza humana. Por causa disso, como vaticinou J. Urteaga, “a terra está cheia de cristãos e, no entanto, o poder está nas mãos dos mortos”.

Não somos justos, mas fomos feitos justos por causa do sacrifício do único justo que habitou na terra. Nele, foi aniquilado tanto o jugo da ausência de justiça inerente ao existir na carne, como também o mérito humano. Assim, a santidade humana é produto da justiça de Deus e do humilde reconhecimento de nossos defeitos e limitações. Pra ser justo e santo, antes, é preciso ser plenamente humano. E ser humano é aceitar de corpo e alma as implicações que esse termo carrega; é assumir-se honestamente, é não tentar mascarar as imperfeições mais ou menos óbvias, seja por meio da resignação, seja através do exercício de uma “piedade pervertida”, parafraseando Ricardo Quadros Gouvêa, falsa e infrutífera.

O reino de Deus, como advertiu Jesus, não é feito de adultos cínicos e dissimulados, que só cresceram no tamanho e na sem-vergonhice, mas de crianças simplíces, honestas, verdadeiras, que possuem uma fé que ultrapassa meros feitos e sacrifícios, e que estendem braços livres, porém cônscios de sua dependência, em direção a Deus. De serezinhos que desenvolveram um coração humilde e aberto às novidades de Deus e a confiar plenamente em suas palavras, recebendo sem reservas o seu terno amor. Esses descerão justificados para suas casas, “porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado” (Lc 19.14).

Jonathan

segunda-feira, 23 de março de 2009

O Evangelho Integral (Parte final)

Algumas considerações finais sobre o que procurei abordar e enfatizar nessa série de quatro textos sobre a integralidade do Evangelho:

(1) Confrontados por uma encruzilhada que nos coloque entre a vida e a morte, o bem e o mal, não podemos nos esconder atrás da religião. A omissão é tão ou mais fatal do que os muitos pecados que a “convenção” nos leva a rechaçar (Ex. beber, fumar, adulterar, vícios, etc.).

(2) Devemos lutar para que a vida seja preservada, contra as intolerâncias e pragmatismos religiosos de nosso tempo. Muito preocupados em “não-fazer” uma série de coisas, deixamos de fazer o bem que nos cabe. Não servimos a um Deus sádico, mas a um Deus de amor, graça e misericórdia.

(3) Nossa missão de amar as pessoas indistintamente implica em romper com as barreiras de lícito e ilícito, sagrado e profano, mais e menos “espiritual” do nosso universo religioso (ler Tg 1.10-16).

(4) Mentes e corações corrompidos geram imposições falsas, contra uma falsa “corrupção”. Todas as coisas passam a ser santas para aqueles que são santos no Senhor.

(5) A verdadeira corrupção, porém, precisa ser combatida; essa corrupção que gera injustiça, miséria e dor, e que tanto tem se proliferado no nosso país. Como disse, parte de nossa missão é não nos omitir perante as escolhas que o próprio Deus fez: pela vida, pela justiça, pelo amor, paz, alegria e esperança. Esperança de dias melhores na “casa da humanidade” e de uma vida vindoura na eternidade, onde não haverá mais lágrima, choro ou dor.

Mas, e até lá? Empunharemos a bandeira da esperança apenas como um ideal vazio, ou a vivenciaremos de maneira concreta, nas lutas pela paz, pela justiça, dignidade e igualdade entre os seres humanos? Não basta falar de esperança, é preciso lutar para que ela se mantenha viva. Como afirma Orlando Costas,

“O signo de esperança para o mundo que provê o o Espírito na comunidade eclesial se confirma no serviço libertador do povo de Deus em favor da humanidade. Falar de esperança para um novo mundo, sem participar em esforços concretos para fazer desse mundo um melhor lugar de vida, é negar essa mesma esperança; com efeito, é fugir para uma abstração vaga do outro mundo, que paralisa a força transformadora da missão escatológica do evangelho e termina sacralizando o status quo. A esperança para a redenção do mundo sem a ação redentora no mundo é uma blasfêmia”. (Costas, Evangelización Contextual, p. 80).
Jonathan

sexta-feira, 20 de março de 2009

O Evangelho Integral (Parte III)

O texto de Marcos 3.1-6 é significativo para pensarmos nas prioridades do Reino e em como a vivência do evangelho requer muitas vezes confronto com as estruturas institucionais, religiosas e societárias (engessadas) predominantes. Após ter reinterpretado a Lei do Sábado com autoridade e fundamento (2.23-28), Jesus se vê diante de uma situação prática: curar ou não curar no sábado? O tema que me salta aos olhos aqui é, portanto, o da religião x vida; instituição x ser humano. O Evangelho nasce precisamente da ação de Deus em romper as barreiras e escravidão impostas pelos sistemas desse mundo, a fim de gerar libertação integral ao ser humano. É um Deus apaixonado pela vida e que ama e valoriza o humano acima que qualquer coisa.

A narrativa começa relatando um retorno de Jesus à Sinagoga. Por coincidência (ou não?), ali havia um homem com a “mão ressequida” – mão paralisada provavelmente por uma infecção nos nervos, que prejudicou a circulação sanguínea e a capacidade de movimento. Essa doença o marcava perante a sociedade: ela era sinal de maldição em Israel (1Rs 13.4-6; Zc 11.17). Os fariseus estavam à espreita, como sempre, para achar alguma falta em Jesus. Percebendo aquilo, Jesus o chama “para o centro”. Essa atitude é duplamente provocativa, pois (a) Jesus, como foi dito, costumava inverter as prioridades - traz para o centro aquilo que está à margem, e coloca o à margem o que é encarado como "centro"; (b) faz perguntas retóricas aos fariseus: o bem ou o mal? A morte ou a vida?

Diante de Jesus, os fariseus emudecem. Primeiro, para não ferir a própria lei; segundo, para não dar o “braço a torcer”, a fim de não contradizer sua própria forma de espiritualidade. Sem debate algum, a resposta foi dada! O silêncio dos fariseus deixa Jesus profundamente indignado: como podem líderes que falam “em nome de Deus” terem a mente e o coração tão fechados? Em que se sustenta seu discurso austero sobre Deus e a “boa religião”? Em uma obediência cega ao mandamento, que se recusava a refletir e, além do mais, negava a própria dinâmica da lei em relação às dinâmicas da vida.

Entre o jugo, as algemas e estreitas imposições da religião, e a opção pela libertação, cura e vida plenas, Jesus escolhe, outra vez, a vida. Ele tem paixão pela vida. Em Jesus, não apenas a mão daquele homem foi restaurada, mas houve uma libertação integral, por pelo menos três razões:
  1. Ele saiu da margem e veio para o centro. As pessoas são mais importantes que as instituições. Essa é a mensagem de Jesus aqui. Mas, muitas vezes, amamos mais as instituições que as pessoas, e isso deve ser motivo de preocupação.

  2. Recebe amor, perdão e salvação. Jesus ama aquele homem à medida que o chama para o centro, dando importância a ele como pessoa. Ele o perdoa, porque não lhe imputa maldição alguma. E ele salva quando escolhe fazer a cura (não há tensão aqui entre curar e salvar).

  3. Sua dignidade como pessoa é restaurada por meio da cura. Ele não precisaria mais viver à margem da sociedade por causa de sua doença. Poderia olhar as pessoas nos olhos, sem vergonha, e viver normalmente como qualquer pessoa, respirando a vida com mais intensidade.
(Continua...)

Jonathan

quinta-feira, 19 de março de 2009

O Evangelho Integral (Parte II)

Esse tipo de crítica nasce do discernimento de que a vivência da fé não pode estar separada de uma responsabilidade mais ampla com o todo criado por Deus, e de que missão, antes de tudo, é a ação de Deus por meio do Espírito Santo (o seu agente) visando resgatar a humanidade das situações de morte e pecado em que se encontra. O Espírito habita onde há liberdade, além de gerar e agir em liberdade. A igreja que compreende que ação do Espírito não está circunscrita a seu arraial e nem é seu monopólio, é aquela apta a ser agente com Deus dessa missão de transformação da realidade do ser humano como um todo.

O Espírito é irreverente e, portanto, promove as revoluções de Deus no meio da humanidade das formas mais inusitadas. Em função dessa consciência teológica mais atrelada à vida, ao humano, e de uma reflexão-ação missiológica integral, passa-se a demonstrar que Deus não é um ponto fixo e distante da história (“ele não vive longe lá no céu sem se importar comigo”, como diz a canção “Nas estrelas”), mas possui uma história, escrita por meio da encarnação de seu filho Jesus, que entrou em nossa história em solidariedade com a dor e a angústia humanas. Ele se identifica plenamente com a humanidade. Em especial, com as gentes crucificadas, injustiçadas e exploradas pela impiedade de outros humanos.

Ele faz “opções naturais”. E, ao fazer algumas opções, ele estabelece grupos de pessoas, os “bem-aventurados”, que têm “prioridade” no reino: os humildes de espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os limpos de coração, os pacificadores, os perseguidos por causa da justiça (Mt 5.1-12). Ele usa essas pessoas como modelo não porque são melhores que as demais, mas porque, dada a sua impossibilidade de alcançar êxito por suas próprias mãos (isto é, não têm “mérito” algum no que realizam), dependem exclusivamente da graça e favor divinos para viver; não têm nada mais além de Deus, assim podem pôr sua fé inteiramente Nele. Transpondo essa mensagem para a nossa realidade latino-americana, Orlando Costas fala sobre esses “privilegiados” do evangelho hoje:

São os povos autóctones e as minorias étnicas, os desempregados e os mal-pagos, os exilados, refugiados e imigrantes ilegais, os campesinos explorados e a subclasse social permanente que habita em guetos urbanos, subúrbios, favelas e lugares de miséria. São também as prostitutas, os presos, os alcoólatras e viciados em drogas; os idosos solitários e os jovens frustrados, as mulheres denegridas, os abusados, desprezados e os homossexuais rechaçados e deserdados.

(O. Costas, Evangelización Contextual, p. 85-86).

O mais interessante é que essas prioridades de Deus colocam à margem o que era central e no centro aquilo que é marginal: o maior é o menor no reino dos céus, e aquele que se humilha será exaltado – são princípios do evangelho, boas novas de um Deus interessado na justiça e restauração da dignidade ao ser humano. Deus parece ter paixão pelo marginal – enquanto nós, muitas vezes temos ojeriza. Os “centros” parecem estar quase sempre muito focados em si mesmos e na manutenção de suas estruturas. Assim, o Espírito encontra alternativas “comendo pelas beiradas”, promovendo suas revoluções a partir das periferias da vida. Senão, por que o Filho foi nascer justo em Belém da Judéia, e não em Jerusalém? Por que o lugar de sua criação foi Nazaré da Galiléia e a simplicidade de uma vida no campo, entre os plebeus, a não o conforto e as mordomias (dignas de “rei”) no interior dos palácios de Jerusalém?

Jesus sai do meio de gente desprezada e marginal, e passa a ser visto como um “comum” igualzinho a eles: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, José, Judas e Simão?” (Mc 6.3), perguntaram os galileus ao se depararem com o Jesus profeta. Ele era muito galileu, muito humano, muito próximo deles para que pudessem enxergar o contrário. Todavia, as credenciais messiânicas de Jesus estavam precisamente em ele ter-se feito um desprezado, humano e pobre. E não apenas nisso, mas também, sendo Senhor e Rei, em ter-se feito servo de todos.

(Continua...)
*Imagem: extraída de http://www.blogdocaminho.com.br/

Jonathan

terça-feira, 17 de março de 2009

O Evangelho Integral (Parte I)

Bem, o evangelho... Ele é identificado como boas novas de Deus para a “casa da humanidade”. De Deus porque ele procede Dele (Mc 1.14), assim como quem foi a expressão máxima e verificável dessa mensagem, Jesus, também procedeu do Pai, sendo ele “um” com o Pai. O evangelho nasceu do coração de Deus como expressão de uma terna e incessante busca do Senhor por uma aproximação com o ser humano, distanciado dele em função do pecado.

O cunho “integral” é uma redundância – porque o evangelho não precisa desse nem de nenhum complemento, ele já é um todo. Certo, uma redundância, mas uma redundância que se fez necessária! Isso, porque nos deparamos nos últimos 50 anos com um evangelho esquartejado, fragmentado, isto é, com algumas partes sendo mais ou menos enfatizadas que outras. Se o evangelho corresponde às boas novas de Deus, a evangelização é o anúncio de um reino cujas premissas são precisamente essas boas novas. Logo, um evangelho concebido parcialmente gera uma evangelização e, por conseguinte, uma missão também parciais.

Isso começou a gerar incômodo em algumas pessoas – especialmente em países do terceiro mundo – cujo compromisso com o reino ia muito mais além de uma vida aburguesada entre quatro paredes: “triângulo da felicidade” (igreja-casa-trabalho), rígidas leis, práticas de piedade, bem-estar pessoal e prosperidade em todos os sentidos. Isso gera inquietude num povo marcado pela experiência de Jesus Cristo, que, “para santificar seu povo, pelo seu próprio sangue, sofreu fora da porta”, de modo que nossa resposta não poderia ser outra senão a de também sair, pois, a ele, fora do arraial, levando nosso vitupério (Hb 13.12-13).

O teólogo costarriquenho Orlando E. Costas, um dos arautos desse movimento de “retorno” à vivência evangelho em sua integralidade na América Latina, faz uma interessante crítica sobre certa visão pragmática de evangelização e sobre o crescimento numérico da igreja evangélica, vigentes já na década de 80:

Quando lemos informes sobre o fenomenal crescimento numérico de algumas igrejas como resultado de seus esforços evangelizadores, e logo vemos como essas mesmas igrejas sacralizam o status quo, negando-se a mostrar um estilo de vida qualitativamente distinto e gerando obstáculos à transformação das instituições sociais, econômicas, culturais e políticas de sua sociedade, temos todo o direito de questionar a validade da ação evangelística dessas igrejas e sua fidelidade a mensagem da cruz. Dito de outra forma, a prática social de uma comunidade eclesial revela a qualidade de sua confissão.

(Orlando Costas, Evangelización Contextual, p. 82).

(Continua...)

Jonathan

sexta-feira, 6 de março de 2009

Um convite à liberdade (parte final)

Trata-se de um convite à liberdade aqueles que celebram a vida e resistem às forças dominadoras da morte. É o grito de coragem e desespero (como o que foi dado por Cristo na cruz), de quem tem pouca ou nenhuma chance de vencer historicamente falando, mas que não tem mais nada a perder, porque, em Cristo, tudo já lucrou e tudo já perdeu. Como as vozes dos trezentos, quatrocentos, quinhentos que caminharam lado a lado com um dos grandes mártires cristãos contemporâneos, Martin Luther King Jr., convidando e incitando uns aos outros a lutar pela justiça e pela liberdade, e cantando: “Não vou deixar ninguém me deter, me deter, me deter. Não vou deixar ninguém me deter, vou continuar andando, continuar andando, marchando até a terra de liberdade”.

Continua sendo esse o convite de Cristo, nosso libertador, para que conheçamos e preguemos libertação, lutando pela verdade que liberta. Nas palavras de Paulo, nos convoca dizendo: “Permanecei, pois, firmes e não vos deixeis sujeitar de novo ao jugo da escravidão” (Gl 5:1), entendida aqui no sentido holístico. Desse modo, como escreveu Júlio Zabatiero,

"Confrontados com a alternativa de nos libertarmos e vivermos perigosamente ou renunciarmos à própria vida e nos tornarmos cativos, não pode haver dúvida sobre a decisão que nos é sugerida pelos testemunhos bíblicos da experiência de Deus. Quem ama a vida ama a liberdade, e aquele que ama a liberdade afirma a própria vida, apesar de todas as intimidações e angústia interiores. A verdadeira segurança só pode existir sobre o chão da liberdade, e não em sua renúncia". [1]
A liberdade é uma vocação a ser cumprida intensamente na vida cristã. Mas eu só a cumpro mesmo, somente posso viver a liberdade através das formas mais sublimes de influenciação e dependência: de Deus e dos seres criados em pé de igualdade comigo. Não é uma liberdade que nos arranca do mundo, não é irrestrita, não prega o abandono dos compromissos e do engajamento na sociedade, não está confinada aos dogmas da religião e a seus acordos intelectuais (graças a Deus!). A liberdade cristã não é ilimitada por causa do amor. Todavia, no amor ela não possui limites, como diz Agostinho: “Ame e faze o que quiseres”. Alguns desafios e tarefas urgentes para a vida da igreja no cumprimento dessa vocação são:
  1. Romper com as estruturas e os laços de farisaísmo e legalismo que ainda assombram nossas consciências, mantendo uma pregação que se fundamenta somente em Cristo e na graça;
  2. Quebrar os tabus que nos impedem de promover discussões abertas sobre assuntos relevantes à comunidade, principalmente com os jovens (como política e sexualidade), sem ter que jogar pedras na cruz nem tampouco rasgar a Bíblia, nossa confissão maior de fé
  3. Promover os reflexos da liberdade cristã na missão integral: proclamando e vivendo o Evangelho e o Reino em termos de liberdade, oferecendo o espaço e abertura necessária para que as pessoas possam se aproximar de Cristo e a aceitá-lo como Senhor em suas vidas.

Que Ele nos dê coragem, força e discernimento nessa jornada rumo à liberdade plena em Jesus Cristo.

Jonathan

Notas
[1] ZABATIERO, Júlio. Fundamentos da Teologia Prática. São Paulo: Mundo Cristão, 2005, p. 74.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Um convite à liberdade (parte II)


A escravidão do dinheiro, que abrange tanto àqueles que derramam suor pra conseguir tão pouco durante o mês, enquanto outros vendem a alma ao Diabo se for preciso para manter-se no topo societário, cultivando com apreço – mais que à própria vida – sua “plantação” de milhões de “verdinhas” (moneycentrismo). Aliada a essa está a escravidão do poder, em que homens e mulheres se deleitam no puro prazer de dominar, entrar e sair “por cima” e sujeitar outros – vítimas de sua ganância – e ao mesmo tempo se aprisionam por beber de um cálice que embriaga, entorpece, mas gera um vazio enorme e uma ressaca esgotante.

Além dessas e outras formas, há ainda, por que não dizer, a escravidão da religião. Reporto-me à religião cristã, que originalmente foi a religião dos escravos-libertos-remidos-comprados pelo sangue de Jesus Cristo, mas que, posteriormente, em grande parte, não foi capaz de se proteger do fermento espúrio dos fariseus – praga que sempre existiu e existirá na religião; lobos disfarçados de cordeiros, que colocam fardos pesados sobre os ombros dos mais fracos, sem poder, eles mesmos, movê-los. É um tipo de gente amarga, que não pratica o que prega e ainda faz tudo para preservar o mérito e alcançar reconhecimento humano. São hipócritas, pois se concentram em manter uma exterioridade polida, deixando o interior ser invadido pela mais suja e fétida podridão que destrói a alma.


Ai deles (ou ai de nós, quem sabe), guias de cegos, pois aprenderam a jurar pelo céu e guardar os preceitos da Lei, mas não defendem o direito do pobre, do oprimido e do escravizado. São capazes de coar a mais microscópica partícula do mosquito e de engolir um, dois e até três camelos daqueles bem gordos! Sepulcros caiados (“por fora bela viola, por dentro pão bolorento”). Celebram os atos dos que mercadejam a palavra de Deus e que fazem tudo em seu nome (até guerra), porém rejeitam e assassinam seus profetas, junto com aqueles que não se acomodam com suas indulgências legalistas e nem vendem a mensagem de seu mestre por míseras 30 moedas de prata, como fez o “discípulo” Judas Iscariotes.


Esse é o tipo de canto que Jesus entoava. Sim, o canto da liberdade, conforme o Evangelho, não é apenas um canto de paz interior (“pois paz sem voz não é paz, é medo” – O Rappa), de harmonia e alívio pela quebra das algemas, mas é também um canto de protesto e de repulsa ao sistema e à ordem vigente, se esses se fazem opressores. O canto da liberdade é o canto da subversão, do inconformismo e da ira santa. Só pode cantá-lo quem não desistiu da utopia possível do Reino, mesmo que isso custe o renunciar à própria existência.

(Continua...)
Jonathan

segunda-feira, 2 de março de 2009

Um convite à liberdade (parte I)

Guias de cegos! Vocês coam um mosquito e engolem um camelo” (Mt 23.24).

Em tantos momentos, as palavras de Jesus, apesar de exortativas ou quem sabe ásperas demais para serem aceitas, podem soar para nós como um canto de liberdade. Isso, pois as notas musicais proféticas e a melodia desafiante conduzem esse canto a um patamar de choque com a onda musical predominante no momento, fazendo com que os ouvintes atentem para um lado da vida que antes, estrategicamente ou não, preferiam ignorar. Suas palavras são como um tiro fulminante acertando o alvo bem no centro, produzindo um som alucinante e uma transformação inesperada. Como anelo por ver esse canto ressoando nos ouvidos dos opressores (religiosos e não-religiosos) de hoje, sendo entoado por cristãos inconformados e persistentes da contemporaneidade, os quais farão coro ao lado de inúmeras vozes de pessoas que continuam sofrendo na pele diversos tipos de escravidão.

A escravidão do trabalho, imposta por aqueles que exploram a dignidade alheia socializando a miséria e concentrando em si mesmos o usufruto que, por direito, deveria ser de quem trabalha. Alguém poderia indagar: “Escravidão? Mas ela não foi abolida há mais de 100 anos?” Claro, isso é fato, digo, o ato formal da abolição propriamente dita – extinta no Brasil com a Lei Áurea, em 1888 . Na prática, porém, não passou de abolição “para inglês ver”. Há muita gente nesse país que ainda não a viu e uma “seleta” parcela de indiferentes que prefere não notar que a escravidão não foi totalmente extinta e a liberdade não transpassou o nível do discurso, do acordo intelectual, dos lemas e bandeiras que são levantados, para o dia-a-dia dos comuns do povo.

Ainda podemos mencionar outras formas de escravidão, como a escravidão sexual, que não somente atinge meninos e meninas ao venderem seus corpos em troca de sobrevivência, mas também a pessoas “bem-casadas”, e aqui me refiro às mulheres que são estupradas, usadas e abusadas por seus próprios maridos e suportam caladas, pensando estar cumprindo um dever moral. Sim, as mulheres já superaram diversos obstáculos a sua liberdade; vêm conquistando vitórias sobre o preconceito e as barreiras de gênero em muitas áreas, como na esfera profissional. Contudo, quantas mulheres ainda hão de sofrer opressão pelo preconceito e a discriminação, vendo seus direitos sendo espoliados por um sistema sócio-cultural machista e paternalista que persiste em predominar?

(Continua...)

Jonathan