quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Deus é liberdade? (Final)

Quando Moisés foi chamado e enviado por Deus para conduzir à libertação os filhos de Israel, sua dúvida era o que dizer caso fosse inquirido sobre o nome do Deus de seus pais, que o enviou e vocacionou para tal tarefa. Deus, por sua vez, respondeu: “Eu Sou o que Sou” (Êx 3:14). Ou seja, Deus só pode ser liberdade, em essência, porque Ele É. Não há nenhum outro nome que possa designar o ser de Deus melhor do que o “Eu Sou”. Quem É é, e não precisa de nada ou ninguém para determinar ou legitimar isso senão a si próprio, como no caso do Deus revelado pelas Escrituras, sua ação libertadora na criação e sua natureza ímpar, o amor. Para C. S. Lewis a liberdade de Deus consiste no fato de que nenhuma coisa, além dEle mesmo, produz os seus atos e “nenhum obstáculo externo o impede – que a sua própria bondade é a raiz de que todos eles brotam e sua própria onipotência o ar em que todos florescem”.

A Bíblia toda oferece um apanhado de argumentos e atestados que confirmam essa propriedade peculiar intrínseca a Deus. “Todos os caminhos de Deus são amor”, afirma o salmista (Sl 25:10), ou, literalmente, “Deus é amor”, conforme João (1Jo 4:8). Quem não ama não conhece a Deus nem tampouco a liberdade para a qual ele nos criou. Aliado a isso, um terceiro destaque que gostaria de dar é que quem não conhece a Cristo não conhece a Deus.
O próprio Jesus foi quem disse: “Quem me vê a mim vê o Pai” (Jo 14:9). Isso significa que Cristo e o Pai são um só Deus, formando a comunhão trinitária com o Espírito Santo. O que quero dizer é que a identidade e o caráter de liberdade e amor do Deus “Eu Sou” foram materializados na pessoa de Cristo. O ensino de Jesus atesta isso: “Eu e o Pai somos um” (Jo 10:30); “Antes que Abraão existisse, Eu Sou”. Cristo é o Alfa e o Ômega, de tal maneira que se apropria (não usurpa) da identidade de Deus revelada a Moisés. Assim, somente através do Filho do Seu amor podemos ser de fato livres: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (Jo 8:36). O Filho de Deus foi aquele que, no desejo de conquistar a liberdade, denunciou os fariseus, sacerdotes, escribas e Herodes.

José Comblin afirma que essas ações não são propriamente ações de cunho político, mas são ações messiânicas. “Jesus queria ser livre e por isso rejeita a submissão às categorias de quem tinha usurpado o poder em Israel. Queria também que seus discípulos e todo o povo de Israel se emancipassem dessa falsa direção”. A sua liberdade estava a serviço do próximo, como bem relata o autor:
Doentes, leprosos e todas as pessoas cuja condição dava testemunho do estado de escravo. Eram todos escravos de algo. Jesus quis estar a serviço deles e dar-lhes o que estava a seu alcance para ajudá-los. Assim fazendo, entrou em conflito com as autoridades judaicas que não compartilhavam a sua compaixão. Ele vinha para salvar as ovelhas abandonadas. Jesus sabia que sua vida, os seus atos, os seus comportamentos, as críticas recebidas e as perseguições inevitáveis seriam normativas para os discípulos, seriam o caminho a ser seguido.

(José Comblin, Vocação para a liberdade, p. 40).
O cerne da compreensão da liberdade de Deus, portanto, está, parafraseando Comblin, em sua fraqueza voluntária: a liberdade de Deus reprime o poder, torna-o fraco para que apareça a força humana; sofre muito com a dor de seu Filho Amado, mais ainda com a rebelião e a dor da humanidade, tudo isso por seu infinito amor, para que o menor dos menores também pudesse experimentar dessa liberdade em seu relacionamento com o Criador e com as demais criaturas. Faço minhas as palavras de Jürgen Moltmann, de que “continua um sinal cristão da esperança para os desesperados o fato de que a ressurreição para a liberdade de Deus, se expressou no filho de Nazaré, homem abandonado, oprimido e crucificado”.

Jonathan

Um comentário:

Anônimo disse...

Se Deus é liberdade, ela não está somente em mim, mas eu devo estar nela. Se a dádiva é maior que o ser, não se pode negar que a dádiva é concedida por amor do Criador ao ser todo-dependente dEle. Se não há qualquer entrave para que eu viva na liberdade, devo enfrentar cotidianamente o dilema de, estando no mundo, permanecer nEle e cuidar positivamente da liberdade e segurança do outro porque sei que Ele é suficiente para cuidar de minha liberdade e segurança. E mesmo sabendo que Ele é suficiente para cuidar de cada um, cabe naturalmente a mim, na nova vida, olhar com o amor que recebi a quem Ele amou como a mim.
Marco Antonio