domingo, 29 de agosto de 2010

Quando desperta o amor...

“Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, que não acordeis, nem desperteis o amor antes que este o queira... porque o amor é forte como a morte... as muitas águas não poderiam apagar o amor” (Cântico dos Cânticos, 8.4,7).


Cântico dos Cânticos, para mim, significa que, quando Deus projetou a relação de amor entre duas pessoas, ele pensava em conexão intensa, que envolveria o nosso ser todo: mente, alma, corpo, e que esse amor não sobreviveria apenas de sentimento, mas também de ação, amizade, companheirismo, doação, paixão, química, sexo – é obvio, falando aqui um pouco mais do amor entre um casal. E tudo isso tem a ver com espiritualidade, com conexão com Deus e com o próximo, que não é “outra dimensão”, separada da vida, mas uma qualidade essencial à própria vida.

Trata-se de um amor que não combina com indiferença, mas que arrebata corações, que podem dizer, como a esposa do texto diz: “desfaleço de amor”, ou morro por amor.

Será por isso que tanta gente hoje inconsciente ou conscientemente tem preferido não despertar o amor? Não despertar, digo, não se entregar a ele de corpo e alma, não ousar tentar viver as implicações do que significa amar e ser amado. Será porque ele nos deixa vulneráveis, como diria C. S. Lewis? Porque ele é capaz de fragilizar o mais poderoso e forte dos seres humanos? Porque faz sofrer? Porque não é um “mar de rosas” sem espinhos? Porque o próprio Deus nos advertiu em Cristo que amar implica em dar a própria vida por seus amigos, e que, portanto, não tem só a ver com satisfação, gozo e felicidade? É, talvez seja por isso – eu disse “talvez”, não estou aqui preocupado com diagnósticos precisos.

O que parece ser verdade é que, quando ele desperta pra valer, é capaz de fazer gente de carne e osso de “gato e sapato”. Quem sabe por isso Salomão tenha aconselhado a que não o despertemos até que ele mesmo queira. Mas, alto lá, então o amor tem “vontade própria”? Em certo sentido, parece que sim. O amor é livre. Fora da liberdade, não há amor. Se houver coação, não haverá amor, mas doença. Se tentarmos “forçar a barra”, ele deixará de ser natural, espontâneo, e facilmente redundará em angústia, por vezes sem fim. Por isso ele não é veneração, nem adorno, nem “arde em ciúmes”, como diria Paulo, tampouco se acha em qualquer esquina. Não tem nada a ver com estar no controle, nem com ser controlado. Aliás, significa sair do controle...

O amor é algo muito humano. Mas antes de ser humano, ele foi e é Divino. Aquele amor, que Salomão afirma ser “forte como a morte”, só pode ter Deus como origem. Não se trata somente de necessidade ou conquista (“quero esse amor pra mim”), mas de doação. Tem a ver com doar a parte mais preciosa de si mesmo ao ser amado, assim como Deus fez conosco concedendo-nos o que Nele havia de melhor, seu filho Jesus.

Me sinto enriquecido quando, em oração com minha esposa, ela costuma dizer: “Senhor, obrigado pelo nosso amor”. Não é somente “bonitinho”, como diriam alguns. Para mim, é sinal de que Deus está no negócio, e de que a gente “tá ligado” que, se Ele não estiver, poucas perspectivas de algo duradouro e pleno restarão. Pois, se esse amor vem de Deus e é abençoado por Ele, não poderá ser levado pela correnteza, ser comprado ou vendido, como relembra o texto, tampouco poderá despertar através da “pílula do amor” inventada por certa ciência pós-moderna. E com a ajuda Dele, a gente pode regar, cultivar e fazer crescer o amor, amadurecer e gerar outros frutos, incontáveis, imperceptíveis, quem sabe, porque o amor não precisa fazer alarde, ele simplesmente é o que é e, quando é assim, não há palavras o suficiente pra contar.

Jonathan

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O que há de novo na "nova reforma"? (2)

Uma análise que se quer “neutra” da polaridade exposta pela matéria foi a do sociólogo Ricardo Mariano, que, comparando o tipo de “apelo” da proposta em questão com a das igrejas neopentecostais, afirmou: “O destino desses líderes será ‘pescar no aquário’, atraindo insatisfeitos vindos de outras igrejas, ou continuar falando para meia dúzia de pessoas” (p. 91). Sobre a questão de “pescar no aquário”, creio que a visão é um pouco reducionista, porém não de todo equívoca, já que muitos “decepcionados” com a igreja acabam se reencontrando em estilos de comunidade de fé como os citados na matéria.

Mas o recado parece claro quanto ao falar desses líderes para “meia dúzia de pessoas”: excetuando Rosique e algumas das expressões “emergentes”, como a Caverna de Adulão – que têm uma proposta prática ligeiramente diferente – a abordagem desses “pensadores” tem conseguido atingir um grupo reduzido e elitizado de pessoas. E, acrescento, sua postura não sugere que haja um grande incômodo da parte deles em relação a isso, pois estes parecem reconhecer que há toda uma conjuntura que justifica esse aparente “insucesso popular”. A própria proposta da Missão Integral, a qual a maioria dos entrevistados afirma abraçar, tende a caminhar à margem do grande público evangélico – para o bem ou para o mal.

Por fim, se há uma mudança de fato em marcha na igreja evangélica brasileira, não compartilho das mesmas convicções da matéria – isso significa que não tenho tanta certeza assim – em pelo menos dois pontos: (1º) de que ela é “nova”, pelas razões já mencionadas, de que se trata de uma “reforma”, pois, se esse é o nome, pouco se verá em termos de “mudanças” efetivamente, e de que será apenas “protestante”, visto que a transformação promovida pelo Evangelho tem dimensões mais amplas do que as expressões do protestantismo hoje podem conter (Rosique e sua trupe são um exemplo disso); e (2º) em complementação à idéia anterior, de que ela se restringe às configurações de cristianismo vislumbradas pelo autor da matéria. Se há uma mudança em marcha, ela é bem menos previsível do que imaginamos, e não necessariamente terá quórum, visibilidade ou fará “estardalhaços”, alcançando mídia e projeções outras.

Se aquilo que Jesus disse sobre o reino de Deus é verdade, e eu creio que é, de que o reino pode ser comparado ao grão de mostarda, ao homem que saiu a semear, dentre outras imagens; de que nele terão precedência as crianças e os bem-aventurados do Sermão do Monte, em sua dependência pueril de Deus, as prostitutas, os publicanos, os “pequeninos” e outras pessoas semelhantes ao invés dos religiosos de cabedal, então a revolução em marcha (visto que o Espírito não cessa de soprar e trabalhar) virá de onde menos esperamos, das maneiras mais inusitadas e talvez pouco “espetaculosas”. As palavras de Jesus parecem anunciar um reino que coloca os valores e probabilidades de uma cultura ou religião “de ponta cabeça”, e brota da ação de gente que a gente nem imagina que Deus possa estar usando na qualidade de “vinho novo” do Evangelho, perto ou longe de nossos olhos, dentro ou fora da Igreja Protestante ou Evangélica.

“Naquela ocasião Jesus disse: ‘Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, pois assim foi do teu agrado” (Mt 11.25).

Jonathan

O que há de novo na "nova reforma"? (1)

Em que medida a “nova reforma protestante” anunciada pela matéria da Revista Época (leia aqui), Edição de 9 de agosto de 2010, é mesmo “nova”? Apesar de retórica, talvez essa tenha sido a pergunta que muitos se fizeram ao ler tal matéria, sobretudo aqueles(as) que possuem o mínimo de conhecimento do processo histórico nos últimos 20 anos e não o ignoram, como parece ter feito o autor da matéria e alguns dos entrevistados.

Primeiramente, e para não ser apenas negativo, a matéria traz informações interessantes de que pouco se tinha conhecimento, como é o caso do médico Rani Rosique, de Ariquemes, que, sem ser pastor e nem teólogo, tem mobilizado em torno de 2.500 pessoas no interior de Rondônia, distante dos olhos do “Grande Irmão”. Sem dúvida, trata-se de uma transformação a partir da periferia, como diria Paul Pierson. E mais, de uma transgressão do bem, o fato de mais de duas mil pessoas vivenciarem a experiência comunitária a partir de um mesmo núcleo mobilizador, mas em grupos espalhados por uma cidade, e não reunidos em uma catedral qualquer, como seria de se esperar em termos de igreja evangélica. O autor até usa esse exemplo para dizer que ele pode ser visto como “símbolo de um período de transição que a igreja evangélica atravessa” (p. 86, grifo meu).

E fico aqui a me perguntar se isso não seria muito mais um sinal dentre outros, que não ganham visibilidade, de que há um protesto silencioso vindo da margem do que propriamente uma “transição”, visto que essa palavra, pelo menos pra mim, indica que algo está emergindo para ocupar o lugar de outro em decadência. A “emergência” de grupos como esse, que estão à margem das grandes instituições e suas formas pré-estabelecidas e até dos “grandes centros”, porém, parece ser nesse caso mais o signo de que o Espírito sopra onde quer e como quer, como tem feito até hoje, e menos de uma “reforma” propriamente dita. O título dessa matéria soa muito mais como uma tentativa de chamar a atenção para um “peixe que se quer vender” sabe-se lá com que intenção. Vindo da Globo então, nem se fala. Das “boas intenções” que vêm desse império, aquele lugar quentinho, que vocês sabem bem qual é, possivelmente está cheio.

A matéria até tenta fazer um quadro que desenha didaticamente o que o autor chama de “Redenção e rupturas: 2 mil anos de reinvenção da fé cristã”, numa visão para lá de simplista. E, em seguida, elenca cinco diferenças entre práticas predominantes na igreja evangélica e as da “nova reforma protestante”. O interessante é que, se lermos as práticas dos ditos “novos reformadores” em relação aos temas propostos, veremos que isso não surgiu ontem, e, portanto, não há nada de novo no que se pinta como sendo novo, nem tampouco naquilo que dizem os representantes entrevistados – no sentido de que eles (e outros não mencionados) já vêm batendo nessa tecla há tempos.

O “rompimento da cordialidade entre os evangélicos”, que o autor afirma ter vindo ao público por meio de livros e artigos – e dá a entender que num período recente – já ocorreu em outros momentos, como na polarização entre Igreja Universal do Reino de Deus e Rede Globo na metade dos anos 90, e a participação marcante de instituições como Vinde e AEVB, de líderes como Caio Fábio, que, aliás, nem citado foi na matéria – mais um motivo para o argumento de que ela ignora o processo histórico mais recente, no que diz respeito ao rompimento declarado com os neopentecostais por parte de algumas lideranças e organizações “evangélicas”, mas não “evangélicas como as neopentecostais”.

Dentre aqueles que levantam essas questões há tempos, como disse Mark Carpenter na matéria (p. 89) estão alguns dos próprios entrevistados, como Ed René Kivitz, Robinson Cavalcanti e Ricardo Gondim, aos quais Caio Fábio chamou indireta e pejorativamente de “bando de bundões”, em pronunciamento feito em vídeo (assistir aqui). Se foram ou são isso que Caio diz, não me cabe julgar, mas que não foram os primeiros nem os únicos a levantar essa “lebre”, isso é possível afirmar. Uma das diferenças nessa ocasião é que se vive um momento menos articulado – mesmo entre alguns do grupo dos “novos evangélicos” – com algumas questões e desafios permanentes, sendo a matéria apenas uma oportunidade de dar visibilidade ao público geral de uma “outra face” da igreja evangélica que não aquela midiática, mas, ainda assim, diversa e com alguns pontos em comum, como parece ter ficado evidente no que foi exposto.

Ou seja, a “nova reforma protestante” que a matéria da Época apresenta não tem uma só face, nome, princípio de ação e representatividade.

(Continua...)
Jonathan

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Sobre proverbiar, educar e viver

"Se procurar a sabedoria como se procura a prata e buscá-la como quem busca um tesouro escondido, então você entenderá o que é temer o SENHOR e achará o conhecimento de Deus”. (Provérbios 2.4-5)
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Na Bíblia toda há uma boa parte de textos sendo devotada à questão do ensino e da sabedoria. A trajetória do próprio Jesus e dos discípulos tem tudo a ver com isso. Em Jesus vejo Deus como o grande professor, que nos convida a caminhar com Ele como aprendizes e, assim, poder ensinar outras pessoas. Como já diria Paulo Freire, “não há docência sem discência”, e isso vale tanto para mestres “de carteirinha”, como para os nossos muitos mestres do cotidiano, que se vêm nessa posição por força da simples necessidade ou demanda.
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Mas o que posso eu ensinar? Muita coisa, de seu universo particular de aprendizado e vivência. Ninguém é sábio o suficiente que não tenha nada a aprender, nem ignorante o bastante que não tenha nada a ensinar. E por mais conhecimentos que alguém possua, isso não lhe garante a sabedoria. Por quê? Bem, vamos em frente...
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Provérbios é um livro que nos ensina que o Temor do Senhor é o princípio da sabedoria (Pv 1.7). Isso já diz muita coisa. Primeiro, diz que o temor (reverência, devoção, relacionamento, e não medo) a Deus é um modo de ser a partir do qual começa a vida do sábio. Segundo, que sabedoria não é conhecimento, é a maneira como tratamos o que conhecemos. E não só isso, terceiro, a sabedoria é a maneira como tratamos tudo o mais na vida. Em outras palavras, sabedoria é, como diz a canção do Roberto Carlos, simplesmente “saber viver”.
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Assim, somente o ensino-aprendizado baseado no temor do Senhor pode ser tanto o que nos aproxima da sabedoria – do bem lidar com o viver, segundo os padrões divinos de vida – quanto é o que pode nos livrar do orgulho de sermos “sábios aos nossos próprios olhos” (Pv 3.7).
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Para isso é preciso estar atentos, pois, quando nossos ouvidos permanecem atentos e nossos olhos abertos, veremos que a sabedoria não cessa de nos querer instruir sobre como viver e bem trilhar o divino caminho nas estradas retas ou tortas desse mundão. E há tantas maneiras. Não são apenas livros que ensinam, mas experiências, vividas e contadas, também. Não apenas professores bem formados e competentes, mas gente simples, que pode até não saber nada sobre ciências cultas e doutas, e ainda assim nos ensinar tantas preciosidades sobre as ciências informais do viver, que às vezes passa ao largo dos acadêmicos e dos doutores. Enfim, o Senhor nos oferece tantas situações de aprendizado de sua sabedoria. Mas sem temor, não há sabedoria; e sem amor, de nada valeria, como disse Paulo: “Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas, se não tiver amor, nada serei” (1Co 13.2).
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Provérbios também nos ensina que a educação divina é integral. Quem se inclina ao entendimento é o “coração” (da palavra hebraica “leb”), que representa o centro da vontade, razão e determinação do ser, e não somente das emoções, embora as envolva. Aqui se prioriza todo o ser, que não prescinde, mas é cercado pelo espiritual, o qual não é apenas outra dimensão da vida, mas aquela que tudo cerca, não apenas o espírito, mas o corpo. Por isso Salomão diz pra gente não se apoiar apenas no próprio entendimento, mas pra confiar em Deus de todo o “coração” (com todo o nosso ser), pois isso “dará saúde ao corpo e vigor aos ossos” (3.8).
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Essa é a preciosidade de Provérbios: a sabedoria e o ensino educam para a vida, pois são para preservar e gerar fome de vida! Desprezar o ensino é não apenas ignorar a Deus, mas atentar contra a própria vida. Assim, na educação cristã não somos chamados a formar mentes brilhantes apenas, mas corações dedicados; nem tampouco a “salvar a alma”, sem também redimir o corpo, templo do Espírito Santo. Em suma, somos chamados a preparar vidas, que irão servir a Deus no mundo e influenciar outras num processo que se quer gerador de mais vida: integral, abençoadora, abundante...
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Que o Senhor nos encha de sua sabedoria e discernimento nesses dias!
Jonathan

domingo, 25 de julho de 2010

Escrever pra quê (II)

"Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por aqueles que desde o início foram testemunhas oculares e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, desde o começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, ó excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas que te foram ensinadas" (Lucas 1.1-4).
Há pelo menos três coisas que me chamam atenção nessa introdução de Lucas ao seu evangelho – e isso me ajuda a pensar na pergunta do começo.

(1) Primeiro, ele diz que “muitos se dedicaram” à tarefa a qual ele se propõe a fazer, talvez com muito mais habilidade, fôlego e extensão que ele. Imagino que Lucas, ao levar isso em consideração, pode ter pensado: “Bem, diante de tais relatos, que posso eu relatar?”. Não é esse o conflito inicial de quem se vê na posição de ter que redigir um relato: “Que posso eu escrever, se tantos já o fizeram e tão bem feito?”. Aí é que está o ponto: muitos já o fizeram, mas não com o meu olhar. Os conhecimentos podem até ser os mesmos, bem como a realidade e os temas. A particularidade, porém, está no olhar de quem escreve: suas perspectivas, experiências e maneiras de tratar o “comum”. Lucas parece ter encontrado a sua. Eu, às vezes penso que encontrei, às vezes ainda me vejo em busca.

(2) Segundo, ele diz que “investigou tudo cuidadosamente” antes, para depois produzir um “relato ordenado”. Fica evidente que esse “olhar” de Lucas não brotou do nada, sem esforço, sem pesquisa dedicada, coleta minuciosa e análise cuidadosa das informações que tinha à sua disposição. Ou seja, não se produz um “relato ordenado” sem antes investir uma boa dose de leitura e investigação sobre aquilo que se quer escrever. Há muitas besteiras sendo escritas, e boa parte delas advém da falta de informação e dedicação antes de simplesmente “se lançar” no ato de escrever. Alguém só poderá escrever bem e ordenadamente se antes leu e pensou sobre o que leu.

(3) Terceiro, o texto de Lucas tem um “para que”, indicando finalidade, propósito. Ele queria que Teófilo tivesse “certeza”, segurança acerca daquilo em que fora instruído. Há um teor testemunhal e apologético nesse empreendimento de Lucas, uma meta clara. A escrita precisa de uma finalidade para ser relevante, ainda que esta seja, como disse no começo, atender anseios e necessidades pessoais. E, ainda assim, é possível edificar outros. Henri Nouwen é um modelo nesse quesito. Boa parte de seus escritos são diários, escritos originalmente para si mesmo, como hábito, necessidade, disciplina e satisfação pessoal. Mesmo assim – ou precisamente por isso – quando publicados, ajudaram muitas pessoas a se identificarem e encontrarem seu caminho, seja ele qual for.

Quando escrevemos com um “para que”, e esse cai na graça de encontrar outros “para quês” semelhantes, dificilmente nossas palavras “voltam vazias”. O propósito, portanto, é o alvo, que ajuda a evitar que nos percamos naquilo que nós mesmos escrevemos, nem que aquilo que escrevemos se perca, caindo no vazio.

Por que eu escrevo? Porque a escrita me transforma, dá asas à boa transgressão, à chance do encontro, do diálogo, do crescimento e, com eles, a possibilidade de transformar meu ambiente e círculo de influência, por menor que ele seja.

Jonathan

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Escrever pra quê? (I)

Por que eu escrevo? Por que desejo relatar minhas percepções, pensamentos e resultados de pesquisa? Afinal, qual é a função disso?

Minha resposta mais imediata à questão poderia ser: escrevo porque o ato de escrever me ajuda a articular meus pensamentos de forma que não vagueiem tanto ao ponto de se dispersar ou até se perder. Em outras palavras, quanto mais escrevo, melhor eu penso, e mais bem articulo meu discurso, minha própria maneira de falar.

Quando comecei voluntariamente a escrever meus primeiros textos, não tinha essa noção. Era apenas uma forma de compartilhar as leituras das leituras que eu fazia. Tratava-se, em primeira instância, mais de reprodução que de criação.

E não é assim que boa parte dos escritores começa, como uma criança aprendendo a andar, engatinhando, dando os primeiros passos, precisando do auxílio ou suporte daqueles que já sabem andar para poder deslanchar? Ou seja, não acontece de uma hora para outra. Na escrita, como em qualquer outra “arte de fazer” (Michel de Certeau) vale a máxima de que é a prática que conduz à perfeição.

Hoje percebo que estou longe da perfeição, mas não tão longe se comparado a quando comecei a dar os primeiros passos. Então, ninguém pode se declarar péssimo escritor ou incapaz sem antes ter tentado, sem ter dado os primeiros passos.

Para quem eu escrevo? Em primeiro lugar, como já deve ter ficado evidente, para mim mesmo, como forma de terapia, aprendizado, de externar idéias que fervilham e sentimentos que transcorrem – ainda que sentimentos sejam perigosos (é preciso deixar o texto “de molho” quando se escreve tomado por eles) e a idéias, mutáveis. Em segundo lugar, escrevo para alguém, para o outro, para gerar algum tipo de impacto, por menor que seja, e nem que seja de repulsa (o que é bem possível) em alguém – mas é óbvio que a intenção é fomentar o bem e a boa transgressão em outras pessoas. Escrevo porque quero gerar a fome de pensar!

(Continua...)

Jonathan

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Carta ao Caro Anônimo

(*) Para melhor entender a razão de ser desse post, leia os comentários ao post anterior.


Caro Anônimo,

Veja que, como sou tão soberbo, estou me dignando a escrever um post só para responder às críticas de alguém que tem nome e rosto, mas prefere não os revelar. Sinceramente falando, não sei como você consegue avaliar o “tom” de alguém, sem conhecê-lo nem estar ao lado dele para ver suas expressões, atitude, comportamentos. Realmente vejo que não me conhece, exceto pelas idéias, e lamento que sua avaliação ultrapasse um pouco o “campo das idéias”, embora tenha desejado não fazê-lo – pelo jeito, “o tiro saiu pela culatra”.

Concordo que pode “parecer soberba” o que fiz com as frases que leio nos trabalhos a mim dirigidos, mas você deve concordar que, nem tudo que parece, é (desculpe o clichê). É como a velha história de quando alguém qualifica outra como arrogante, soberba ou qualquer outra coisa apenas pela avaliação superficial de sua postura, aparência, personalidade ou maneira de ser. Muitas vezes, mais tarde, tem de se render ao fato de que a conhecia muito pouco, de que mudou sua impressão, ou de que a manteve – é possível isso também, desde que tendo outras “vias de acesso” à pessoa, num prazo suficiente para poder avaliar (e ser avaliado).

Entendo que a humildade está além dessas coisas; mas não pretendo dizer que sou humilde (embora persiga a humildade), pois se o fizesse, deixaria de ser, no mesmo momento, o que pretendo, e estaria mais perto do contrário – orgulho. São jogos que a gente faz nessa escola paradoxal que é a vida, em especial, a vida cristã. A humildade, por sua vez, é um ideal que devemos perseguir, na força que Deus supre, e não algo do que se gabar, nem tampouco se tornar paladino e ficar procurando e julgando quem é, e quem não é. Deixa isso pra Deus, certo?

A vida de quem escreve o que pensa e fala publicamente – desejando comunicar algo de relevante a outras pessoas – e não na posição resignada e simplista do anonimato, é assim: a gente expõe o que pensa, os ideais que defende, e tenta viver... Nem sempre consegue. E, por isso, está sempre sujeito a ter de corrigir a rota. Nunca escondi em meus textos que sou apenas humano, que crê e tenta viver a partir dos padrões do Reino. Deus conhece meu coração, e quem me conhece sabe, pelo menos um pouco além da aparência.

É realmente difícil tentar dialogar com alguém que presume que o que duas pessoas com nome e rosto poderiam fazer diante de uma discordância mútua seria efetuar “ataques pessoais”. Tenho tentado exercitar nesse blog a arte de separar, por mais difícil que seja, o campo pessoal (especialmente de pessoas que não conheço, mas lido à distância) do campo das idéias. Tento levar a sério a máxima de Voltaire: “As tuas idéias me são odiosas, mas eu morreria pelo direito que você tem de dizê-las”. É uma pena que você não tenha nos dado a chance de arriscar fazer esse exercício de forma transparente e madura, na presente oportunidade. Estou tentando respeitar sua decisão (já que o blogger oferece essa possibilidade de “anonimato”), embora discorde plenamente e não escondo isso.

Enfim, resolvi apagar as frases que coloquei no twitter, para evitar maiores polêmicas, e porque na ocasião fui ingênuo o suficiente para não pensar na possibilidade de estar expondo desnecessariamente algumas pessoas (embora sem citar nomes) e que elas pudessem não gostar da “brincadeira pedagógica”, que, para mim, é o que foi e não passa disso. E o que passar, é proveniente de leituras outras das quais não partilho. Finalmente, o fórum continua aberto, meu Caro Anônimo, caso deseje sair do anonimato e mostrar que é possível conversar e discordar de “cara limpa” (especialmente como cristãos), sem agressões ou coisas do tipo, apesar das divergências. Até porque, conversa sem divergências tende a ser algo meio chato e pouco construtivo – pelo menos pra mim. Então, pelo menos de uma coisa você está livre: não vou te achar "chato".
Atenciosamente,

Jonathan

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Vencendo a corrupção

É melhor arriscar-se a provocar um escândalo do que calar a verdade” (São Gregório, o Grande).

A corrupção é uma das moléstias radicadas que mais afetam a humanidade atualmente. É um mal histórico, inerente à atividade humana nesse mundo. Lamentavelmente, a corrupção está infiltrada nos diversos âmbitos da sociedade: privado, estatal, acadêmico, econômico, cultural, artístico e, para nossa vergonha, também no meio eclesiástico. Ora, se até mesmo a igreja– a qual deveria ser o agente, por vocação, da esperança crística para o mundo – se envolve em esquemas de corrupção, a tendência, com efeito, é que as pessoas a repudiem, e com ela também os valores mais fundamentais de sua pregação (mas nem sempre), a saber, a justiça, o amor, a fé e a esperança.

Vivemos num mundo que nos impulsiona a depositar nossas esperanças no aqui e agora. Assim, ter esperança significa “manter-se vivo em meio ao desespero”, parafraseando Henri Nouwen. Como Paulo, defendo que “se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a essa vida, somos os mais infelizes de todos os homens” (1Co. 15:19). Mas se, por hora, essa é a única vida que temos, como se desvencilhar de um quadro fatídico como o que vivenciamos?

Não há respostas nem soluções fáceis à erradicação desse mal, visto que ele é virulento e brota das mentes ambiciosas dos seres humanos. Está muito mais “dentro” de cada um do que “fora”, por assim dizer. De modo que a proposta bíblica para se vencer a corrupção parte sempre de uma premissa ontológica: diz respeito ao “ser” uma nova pessoa pela graça de Deus. Por essa graça, Deus abre um novo caminho, não para a divinização do eu, como supõem os universalistas, mas para a libertação do ego, isto é, desse “eu-centrismo” que gera os pecados da existência. Pela graça, o eu não é recusado, mas é liberto da escravidão dos impulsos adulterados que ele mesmo provoca.

No Antigo Testamento, no livro de Miquéias 6:8, está escrito: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom e que é o que o Senhor pede de ti: que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e Andes humildemente com o teu Deus”. A prática da justiça continua sendo o principal antídoto contra a corrupção generalizada da raça humana. Enquanto houver pessoas que não se acomodam, não se calam, mas acreditam e lutam por justiça, viva permanecerá a centelha de esperança Divina nesse mundo. De tal maneira que a esperança não mais será “a última que morre”, mas aquela que jamais morre.

Jonathan

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Afinal, quem pecou? O cego, Jesus e o pensamento complexo

Ao passar, Jesus viu um cego de nascença. Seus discípulos lhe perguntaram:“Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?”. Disse Jesus: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele” (João 9.1-3).


Esse texto pode servir de exemplo para como olhamos para os problemas práticos (e os de pesquisa) e que soluções damos para eles.

A narrativa diz que Jesus, caminhando, viu um cego de nascença. Se ele era “cego de nascença”, isso significa que não teve escolha e essa sempre fora uma das “porções” de sua “vida debaixo do sol”: ser cego. Mas havia pressupostos culturais e religiosos em jogo. Muitos judeus acreditavam que a “má sorte” (ou sinais da contingência) temporal era fruto do pecado.

Baseados nesse “senso comum”, os discípulos fazem a pergunta: “Afinal, quem pecou”, que oferece apenas duas possibilidades ao problema: (a) assume que ele pecou, é fato, só pode ser isso; (b) restando saber se foi ele (na improvável chance dele ter pecado ainda no útero de sua mãe), ou seus pais (numa versão judaica da “maldição hereditária”). Como disse recentemente o educador britânico Ken Robinson, em entrevista para a Revista Isto é, “o mundo se divide em duas categorias de pessoas: aquelas que dividem o mundo em duas categorias e aquelas que não”. Os discípulos parecem se encaixar na primeira categoria.

Jesus, por sua vez, oferece uma visão alternativa (não categorizável) e bem mais complexa: “Nem uma coisa, nem outra; isso ocorreu pra que na vida dele se manifestasse a obra de Deus”. Muito antes de inventarem o paradigma moderno da complexidade, Jesus já pensava complexamente. A prova disso é que em sua resposta ele não fecha questão – não é somente isto ou somente aquilo – mas abre o leque de possibilidades, que envolve as dinâmicas da vida, da fé e da ação de Deus.

Talvez, o problema de fundo da questão seja o problema do sofrimento humano. E a pergunta específica poderia ser: “Por que sofremos de doenças e outras limitações físicas e humanas?”. O olhar dos discípulos para a questão é o cultural-religioso, baseado em pressupostos e teorias fechadas. A resposta, por consequência, é determinista e simplista, baseada na lógica (Teo-lógica) de causa-efeito: existe o sofrimento (cegueira); e sofrer é sempre ruim, porque é fruto do pecado; logo, alguém pecou, ou o cego ou seus pais. Resolvido o dilema!

O resultado de uma pergunta na qual a resposta já está embutida e de um problema mal formulado é a construção de respostas capengas, simplistas e unilaterais.

O olhar de Jesus para a questão é o divino, compassivo, abrangente, complexo, que enxerga diferentes lados e não se arvora em oferecer respostas simplistas, fáceis, para situações complexas. A resposta de Jesus me faz parar pra pensar se a Bíblia tem uma resposta lógica e definitiva ao problema do sofrimento. Parece-me que não. Isto, pois, se pode considerar que: (a) todos sofremos, de um jeito ou de outro; (b) nem todo tipo de sofrimento tem uma origem certa ou razão de ser lógica e racional. Então, a questão permanece aberta...

A resposta de Jesus não é a de alguém que quer dar explicações, é a de quem quer encontrar finalidade e propósito na existência, por mais dura que seja. O que ele responde, portanto, não é o que Deus “pensa” sobre o sofrimento daquele homem, para remontar a sua origem, e sim o que Deus faz a respeito. Nesse caso, Deus curou e libertou. Mas a obra de Deus é dinâmica (como a vida) e não se apresenta apenas de um jeito. E não é para que ela se manifeste que existe o sofrer, mas, em meio ao sofrer, ela pode se manifestar de modo surpreendente. Como disse William P. Young, autor de A Cabana: “A graça não depende da existência do sofrimento, mas onde há sofrimento você encontrará a graça de inúmeras maneiras”.

Jonathan

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A difícil tarefa de perdoar (III)

Em terceiro lugar, precisamos reconhecer quem é o outro nessa história

Nínive, que já não mais existia quando essa história foi escrita, é símbolo da cidade má e opressora... É lugar dos degredados, dos maliciosos, dos “sem-Deus”. Os ninivitas eram, aos olhos de Jonas, indignos do perdão divino, merecedores da condenação e morte ("nossa justiça"). Nosso sentimento em relação ao outro, que nos ofende (nossos ninivitas), pode demonstrar o que desejamos de Deus: que castigue, condene, faça justiça (histórias que ouvimos por aí).

Nessa história, a justiça divina identifica o pecado (Jonas 1.2), mas não condena Nínive. O Deus que perdoa condena o pecado, desejando libertar o pecador. Nossa postura é inversa: não conseguimos separar; a pessoa é igual ao seu pecado.

A tendência humana é reconhecer o outro pelo que ele faz; o que ele faz, é o que ele é. Aí entra o confronto com o olhar divino. Enquanto Jonas vê pecadores indignos e imperdoáveis, Deus vê 120 mil pessoas que não sabem distinguir o certo do errado (Jonas 4.11). Então, o que as pessoas fazem pode ser apenas um lado do que elas são. Quem sabe o lado que seu eu ferido, acuado, amedrontado, cego, infeliz, abusado, permite mostrar.

Posso, então, me despertar para o fato de que o outro também é amado e perdoado por Deus; de que sou pecador e indigno tanto quanto ele; que, se a justiça implacável tivesse de ser implantada, não seria somente ao outro, mas a mim. Não há um justo sequer na terra, que pratique o bem e não peque (Ec 7.20). Como eu, o outro também enfrenta a difícil tarefa de perdoar; todos têm dificuldades, alguns menos, outros mais... E que, o que mesmo Deus faz ao ofendido, também faz ao ofensor: perdoar e nos convidar a fazer o mesmo. Justiça e perdão em Deus não estão separados.

Algumas breves implicações:

1. Se perdoar é uma atividade complexa, não se cobre tanto, nem ao outro, uma resposta imediata. Dizer “eu te perdôo”, pode ser simples, o perdão nem sempre...

2. Quando você não tiver forças pra liberar perdão, apenas disponha-se, e deixe Deus cuidar do processo de cura e cicatrização das feridas que ficaram...

3. Não espere que o tempo volte, e nem que o outro mude para você mudar. Entrar no programa de perdão divino é uma decisão pessoal; o risco e o preço é todo seu.

4. Se não podemos apagar o que passou, podemos pedir auxílio a Deus para nos ajudar a tratar do que ficou daquilo que passou, e crer que o poder de consolo do Consolador vai gerar o poder de cura e perdão em nossas vidas. Que Deus nos abençoe e não permita que a gente desista de entrar no seu programa de perdão.

Jonathan

terça-feira, 29 de junho de 2010

A difícil tarefa de perdoar (II)

Em segundo lugar, precisamos reconhecer quem nós somos nessa história


Como Jonas, repetindo, somos versados nesse negócio de perdão e até bem conscientizados a respeito. Porém, teimosia, rancor, mágoa, hipocrisia, falsidade, personalidade, entre outros fatores, nos conduzem à fuga muitas vezes. Társis, uma colônia fenícia ao sul da Espanha, é a representação desses “lugares de fuga”

Vamos para Társis, quando não queremos lidar com uma situação de desconforto...

Vamos para Társis para não sermos confrontados por algo que fizemos...

Vamos para Társis todas as vezes que queremos evitar alguém (pessoa indesejada)...

Társis é lugar de refúgio, contra si mesmo, contra Deus, contra os outros... Para mim, Társis é a representação de um lugar onde eu possa me ver “livre de cargas”, de deveres. Em Jonas, esse dever era pregar arrependimento (condenação) pelo pecado, sabendo que Deus poderia (e provavelmente iria) mudar o curso, aplicando seu programa de perdão.

Nós também queremos nos ver livre de cargas. Mas quando é outra pessoa que está em débito conosco, queremos que ele/a pague com juros. Vivemos, assim, a contradição de Jonas: recebe o perdão divino, mas é incapaz de fazer o mesmo com os ninivitas (ver 2.10; 4.1; ou como o “servo mau”, de Mt 18.32-35).

Então, conscientemente ou não, fazemos nossos planos de punição. Qual será a melhor maneira de punir aquela pessoa por aquilo que ela me fez? Quem sabe "dando um gelo nela", pagando na mesma moeda, punindo com rancor e falta de perdão (quando nós mesmos é quem estamos sendo punidos), ou orando pra que Deus faça a sua "justiça" e a castigue pra valer. Em termos de ser humano (Jonas), há muitas possibilidades nesse item...

Uma das virtudes dessa história, portanto, é a de fazer com que eu me reconheça: primeiro em Jonas, o fujão, “reclamão”, impiedoso, para, quem sabe, poder me reconhecer em Deus, amoroso, misericordioso, gracioso, e que perdoa.

(Continua...)

Jonathan

segunda-feira, 28 de junho de 2010

A difícil tarefa de perdoar (I)

Ler Jonas 4

Após certo tempo na caminhada de fé, passamos a lidar com certos assuntos como peritos. Perdão é um deles. É simples: Deus diz que a gente tem que procurar o irmão pra se reconciliar, antes de dar uma oferta (Mt 5.23-24); que devemos perdoar até 70 vezes 7 (18.22); e nós ainda oramos: “Perdoa as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores”. Daí, nos damos conta de que Deus, no curso da história, tem um projeto de reconciliação, e nos inclui. Então, de novo, parece simples, vamos executar o projeto.. Mas não é... Quando esbarramos em dificuldades (internas e externas) à execução desse projeto, percebemos que perdoar é uma atividade complexa, uma tarefa difícil.

Olhemos para a conturbada história de Michael Jackson e sua família (especialmente seu pai). É a história de alguém que alega ter sido ferido na infância, carregou as marcas disso na vida, nunca conseguiu perdoar e terminou botando em prática um “plano de punição”. Essa história me fez pensar sobre como lidamos com as ofensas que recebemos e fazemos.

Como lidar com um amigo que nos trai? Como tratar um pai, que abusou de você na infância? De que maneira agir com um irmão que me deve?

A resposta prática de Deus na Bíblia, se chama perdão. Mas quando estamos machucados, o perdão não soa um negócio assim tão romântico. Queremos punição, justiça... Como transformar nossos planos de punição em um programa de perdão? Ao olhar para a história de Jonas, talvez o processo possa ser do reconhecimento de certas coisas à ação.

Em primeiro lugar, precisamos reconhecer quem Deus é nessa história

Desde o princípio, Deus teve de lidar tanto com a potência para o pecado como com o pecado efetivo no ser humano. Em resposta, ele se irou, se arrependeu de ter criado, permitiu que as consequências da ofensa viessem contra as próprias pessoas, porque ensinou que pecado tem consequências.

Mas, Ele é amor. Então escolheu a via do perdão e da reconciliação, por pura Graça... Na definição de Miroslav Volf, perdoar “é oferecer aos ofensores a dádiva de não condená-los pelo seu erro”. Assim, Deus revela seu caráter, que Jonas (4.2) conhecia muito bem: “És Deus misericordioso e compassivo, muito paciente, cheio de amor e que prometes castigar, mas depois te arrependes”.

A mais direta implicação desse reconhecimento é ser recrutado para o “programa de perdão” de Deus, que era o que Jonas deveria ter feito. Mas (1º) ele fugiu, e (2º) ele murmurou perante o resultado de ter pregado para Nínive: “Eu sabia Deus que você é pronto, como na queda de um chapéu, a transformar seus planos de punição em um programa de perdão” (The Message).

(Continua...)

Jonathan

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A pesquisa: antes de se lançar, planejar!

Aos meus alunos(as) de Metodologia da Pesquisa

Lucas 14.28-33
28 Qual de vocês, se quiser construir uma torre, primeiro não se assenta e calcula o preço, para ver se tem dinheiro suficiente para completá-la? 29 Pois, se lançar o alicerce e não for capaz de terminá-la, todos os que a virem rirão dele, 30 dizendo: 'Este homem começou a construir e não foi capaz de terminar'. 31 Ou, qual é o rei que, pretendendo sair à guerra contra outro rei, primeiro não se assenta e pensa se com dez mil homens é capaz de enfrentar aquele que vem contra ele com vinte mil? 32 Se não for capaz, enviará uma delegação, enquanto o outro ainda está longe, e pedirá um acordo de paz. 33 Da mesma forma, qualquer de vocês que não renunciar a tudo o que possui não pode ser meu discípulo.

No contexto em que diz tais palavras, Jesus está querendo ressaltar, diante da multidão que se encontra ao seu redor, os custos do que significa segui-lo em seu reino: amar a ele mais do que a sua própria vida, e tomar a sua cruz, negando-se a si mesmo. Tudo isso, como resposta aqueles que, sem pensar, concluíram: “Feliz será aquele que comer no banquete do Reino de Deus” (Lc 14.15). Jesus não nega que esse alguém será feliz. Mas o que ele faz aqui é indagar: pois bem, mas, antes, avaliemos o que significa tomar parte no banquete do reino de Deus.
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Em suma, a questão parece ser: Não se pode prosseguir no caminho do discipulado sem fazer uma avaliação do que de fato significa seguir a Jesus.
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O que desejo chamar atenção aqui é: nos dois exemplos que Jesus usa, está explícita a idéia de uma necessidade, em todo empreendimento, de uma avaliação anterior. No caso da torre, a questão é o cálculo financeiro (o dinheiro vai dar?); no caso dos reis em guerra, a questão é de estratégia (podemos vencer com esse contingente?).
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No caso de uma pesquisa, o cuidado e o zelo não devem ser menores. Em todo trabalho de pesquisa, a máxima deve ser: planejar é preciso! O planejamento é o cálculo, o esquema, a estratégia e o pensamento que antecedem à ação. Sem ele, a ação possivelmente será dispersa e generalizante, e o resultado final será cheio de falhas, incoerências e a impossibilidade de concluir satisfatoriamente. Nossas decisões, por exemplo, diante da dúvida entre uma fonte ou informação e outra (estudá-la ou não? Usar este conceito ou aquele outro?) só poderão ser feitas mediante a consideração séria do que foi planejado. Se nada foi planejado, o que considerar?
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Assim como não podemos ser discípulos de Jesus sem assumir com integridade o significado mais amplo do discipulado, não poderemos ser pesquisadores, sem um planejamento prévio, cuidadoso e pensado, antes de “entrarmos de cabeça” na pesquisa. Mas, lembrem-se: todo planejamento pode dar errado, e, de certo modo, foi feito para dar errado. Estranho, não? Sim, e Não. Sim, se pensarmos que planejamos com o desejo de que dê certo (ora bolas!). E não, se nos conscientizarmos de que no processo de execução aprendemos coisas novas, nos reinventamos e, assim, mudamos um pouco (senão toda) a rota.
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Planejar não é o mesmo que construir um mundo perfeito, mas ajudar a nos situar e crescer em meio às imperfeições e imprevisibilidades que nos circundam nesse mundo. Sejamos pesquisadores com excelência para o reino!

Jonathan

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sobre Missão Integral e o reforço de dicotomias

Nesse último feriado de Corpus Christi reuniram-se os participantes da Fraternidade Teológica Latino Americana no Brasil para a consulta realizada no Rio de Janeiro, na qual se propôs uma revisão de caminhada do movimento de missão integral em sua recente história, bem como um olhar para adiante, aos novos desafios.

Dentre os pontos que me chamaram a atenção, está a inquietude de alguns dos presentes, já no segundo dia do evento, que parecia ter a ver com um “problema de ênfase” das palestras: mais história, menos desafios; mais teoria, menos prática – questão que ficou “mal-resolvida” até o fim da consulta.

Sobre isso, serei direto: precisamos ser criteriosos até mesmo com nossas inquietações, colocando-as a prova o tempo todo, para que não reforcemos na prática o vício histórico que, no discurso, desejamos combater. Assim, é óbvio, mas não custa relembrar:

Teoria e Prática são dimensões indissociáveis de uma vivência holística da missão.

A teoria alimenta e orienta a prática. Esta, por sua vez, oxigena e reinventa a teoria, podendo provocar reciclagens mútuas, sempre que necessário. A suposta superabundância de uma em detrimento da outra não justifica uma reação igualmente uniformizante. A melhor reação é sempre aquela que busca a reconciliação e o equilíbrio (tão distante de nós). Em outras palavras, precisamos voltar a estimular a articulação dinâmica entre teoria e prática (a que chamamos “práxis”) em nosso fazer teológico – o que inclui reinventar-se ao ponto de não mais reproduzir fórmulas viciadas e pouco efetivas, como alguns entenderam ter sido a do encontro mencionado. Desse modo, tal fazer poderá não mais estar dissociado e, sim, provocar, tanto quanto resultar em, uma vivência da missão da igreja adequada ao seu contexto, tempo e necessidades. Já não é chegada a hora de avançar?

Avançar, nesse sentido, implica em: (1) olhar para frente sem, porém, ignorar o edifício histórico que nos precede, e (2) aprender a valorizar e a criar espaços em que fluam livremente tanto a reflexão quanto as ações participativas. Precisamos, ainda que como quem “cutuca um vespeiro”, questionar os monopólios e “lugares comuns” da missão integral, e dar um “viva” receptivo ao diálogo e à diversidade, características que marcaram, ainda que parcialmente, a caminhada histórica da FTL até aqui.

Jonathan