segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O que há de novo na "nova reforma"? (1)

Em que medida a “nova reforma protestante” anunciada pela matéria da Revista Época (leia aqui), Edição de 9 de agosto de 2010, é mesmo “nova”? Apesar de retórica, talvez essa tenha sido a pergunta que muitos se fizeram ao ler tal matéria, sobretudo aqueles(as) que possuem o mínimo de conhecimento do processo histórico nos últimos 20 anos e não o ignoram, como parece ter feito o autor da matéria e alguns dos entrevistados.

Primeiramente, e para não ser apenas negativo, a matéria traz informações interessantes de que pouco se tinha conhecimento, como é o caso do médico Rani Rosique, de Ariquemes, que, sem ser pastor e nem teólogo, tem mobilizado em torno de 2.500 pessoas no interior de Rondônia, distante dos olhos do “Grande Irmão”. Sem dúvida, trata-se de uma transformação a partir da periferia, como diria Paul Pierson. E mais, de uma transgressão do bem, o fato de mais de duas mil pessoas vivenciarem a experiência comunitária a partir de um mesmo núcleo mobilizador, mas em grupos espalhados por uma cidade, e não reunidos em uma catedral qualquer, como seria de se esperar em termos de igreja evangélica. O autor até usa esse exemplo para dizer que ele pode ser visto como “símbolo de um período de transição que a igreja evangélica atravessa” (p. 86, grifo meu).

E fico aqui a me perguntar se isso não seria muito mais um sinal dentre outros, que não ganham visibilidade, de que há um protesto silencioso vindo da margem do que propriamente uma “transição”, visto que essa palavra, pelo menos pra mim, indica que algo está emergindo para ocupar o lugar de outro em decadência. A “emergência” de grupos como esse, que estão à margem das grandes instituições e suas formas pré-estabelecidas e até dos “grandes centros”, porém, parece ser nesse caso mais o signo de que o Espírito sopra onde quer e como quer, como tem feito até hoje, e menos de uma “reforma” propriamente dita. O título dessa matéria soa muito mais como uma tentativa de chamar a atenção para um “peixe que se quer vender” sabe-se lá com que intenção. Vindo da Globo então, nem se fala. Das “boas intenções” que vêm desse império, aquele lugar quentinho, que vocês sabem bem qual é, possivelmente está cheio.

A matéria até tenta fazer um quadro que desenha didaticamente o que o autor chama de “Redenção e rupturas: 2 mil anos de reinvenção da fé cristã”, numa visão para lá de simplista. E, em seguida, elenca cinco diferenças entre práticas predominantes na igreja evangélica e as da “nova reforma protestante”. O interessante é que, se lermos as práticas dos ditos “novos reformadores” em relação aos temas propostos, veremos que isso não surgiu ontem, e, portanto, não há nada de novo no que se pinta como sendo novo, nem tampouco naquilo que dizem os representantes entrevistados – no sentido de que eles (e outros não mencionados) já vêm batendo nessa tecla há tempos.

O “rompimento da cordialidade entre os evangélicos”, que o autor afirma ter vindo ao público por meio de livros e artigos – e dá a entender que num período recente – já ocorreu em outros momentos, como na polarização entre Igreja Universal do Reino de Deus e Rede Globo na metade dos anos 90, e a participação marcante de instituições como Vinde e AEVB, de líderes como Caio Fábio, que, aliás, nem citado foi na matéria – mais um motivo para o argumento de que ela ignora o processo histórico mais recente, no que diz respeito ao rompimento declarado com os neopentecostais por parte de algumas lideranças e organizações “evangélicas”, mas não “evangélicas como as neopentecostais”.

Dentre aqueles que levantam essas questões há tempos, como disse Mark Carpenter na matéria (p. 89) estão alguns dos próprios entrevistados, como Ed René Kivitz, Robinson Cavalcanti e Ricardo Gondim, aos quais Caio Fábio chamou indireta e pejorativamente de “bando de bundões”, em pronunciamento feito em vídeo (assistir aqui). Se foram ou são isso que Caio diz, não me cabe julgar, mas que não foram os primeiros nem os únicos a levantar essa “lebre”, isso é possível afirmar. Uma das diferenças nessa ocasião é que se vive um momento menos articulado – mesmo entre alguns do grupo dos “novos evangélicos” – com algumas questões e desafios permanentes, sendo a matéria apenas uma oportunidade de dar visibilidade ao público geral de uma “outra face” da igreja evangélica que não aquela midiática, mas, ainda assim, diversa e com alguns pontos em comum, como parece ter ficado evidente no que foi exposto.

Ou seja, a “nova reforma protestante” que a matéria da Época apresenta não tem uma só face, nome, princípio de ação e representatividade.

(Continua...)
Jonathan

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