segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Os defensores do Livro

Assisti ontem ao filme O Livro de Eli. Achei fantástica a sua crítica, sobretudo aquela dirigida aos fundamentalismos religiosos de nosso tempo – em parte, encampado pelo debate em torno do recente pronunciamento, de púlpito, do pastor Paschoal Piragini, pedindo aos seus fiéis para não votar no PT nas eleições de 2010 (mais sobre o debate, ver: http://www.novosdialogos.com/) – em seus usos (e abusos) do “livro sagrado”. Uma das frases marcantes do filme é quando Eli, personagem do protagonista Denzel Washington, afirma: “Todos esses anos que eu o levava e o lia, diariamente, na minha obsessão por mantê-lo a salvo, deixei de viver segundo o que aprendi nele”.

É impressionante como essa frase representa bem o que se tem vivido em termos de história das religiões, dentre elas o cristianismo, até os dias de hoje, você não acha? Ou seja, quando nos tornamos paladinos de um livro sagrado (no caso do filme, a Bíblia), incorporamos a posição dos fundamentalistas religiosos, e tendemos a perder de vista a integridade que o próprio livro nos ensina – no caso de Eli, o ensino fundamental esquecido foi: considerar o próximo antes e acima de si mesmo.

E pior: agimos como se Deus (e sua Palavra) precisassem de guarda-costas, e tendemos a abafar a consciência de liberdade e tolerância que essa mesma Palavra reivindica. E, geralmente, aquele que julga que a verdade está do seu lado, é o menos capaz de ver a luz libertária que emana da Verdade – “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8.32).

Quando a luta pela liberdade se desassocia da luta pela verdade, e as duas deixam de ser parceiras, geradas e geradoras uma da outra, o resultado é o que a história já tem nos mostrado há milhares de anos: violência, intolerância, guerras, inquisições, fogueiras santas. Dogmas não representam “a verdade” de Deus, embora se lhes atribuam tal valor; o cristão, por mais que conheça a Jesus (caminho, verdade e vida) jamais poderá exprimir absolutamente essa verdade nas coisas que cria (dogmas, estruturas, instituições). Logo, a religião fala muito mais da forma humana que da forma de Deus.

Outra frase do filme, que corrobora com esta idéia, é a do personagem Carnegie, o antagonista da história, interpretado brilhantemente por Gary Oldman. Numa discussão com um de seus lacaios, que havia dito que tudo aquilo era por um “maldito livro”, coisa inútil, Carnegie responde incisivamente: “Não é apenas um livro! É uma arma poderosa, apontada para o coração dos fracos e desesperados! E com ele, nós controlamos”. Isso me faz lembrar outra frase, dita por Nietzsche em seu livro Humano, demasiado humano: “O cristianismo nasceu para aliviar o coração, mas agora deve primeiro oprimi-lo, para mais adiante poder aliviá-lo” (2005, p. 90).

Enfim, o filme retrata de modo sutil a maneira como nós, que nos dizemos seguidores do Cristo, nos relacionamos com a Bíblia: às vezes como um amuleto, que traz sorte e bênçãos se a gente souber ler as palavras certas, do jeito certo; um tesouro (não aquele em vasos de barro, mas em vasos blindados) a ser escondido e defendido com unhas e dentes, ainda que seja sob uma poça de sangue; um instrumento (arma) poderoso, capaz de manipular pessoas das mais diferentes formas e para as mais escusas finalidades.

O Livro de Eli me faz recordar algo básico, elementar: quando a Palavra deixa de ser meio por excelência de libertação, ela se torna qualquer coisa, menos a Palavra de Deus.

Jonathan

Um comentário:

Douglas Adrian disse...

Vi por acaso seu blog e gostei muito do que encontrei. Volterei depois com mais calma para ler alguns postes. Estou seguindo. Se possivel me faça uma visita.

psiqueaguas.blogspot.com