quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Oração e Integridade (II)


Tu me conheces, Senhor; lembra-te de mim, vem em meu auxílio e vinga-me dos meus perseguidores. Que, pela tua paciência para com eles, eu não seja eliminado. Sabes que sofro afronta por tua causa.Quando as tuas palavras foram encontradas, eu as comi; elas são a minha alegria e o meu júbilo, pois pertenço a ti Senhor Deus dos Exércitos. Jamais me sentei na companhia dos que se divertem, nunca festejei com eles. Sentei-me sozinho, porque a tua mão estava sobre mim e me encheste de indignação. Por que é permanente a minha dor, e a minha ferida é grave e incurável? Por que te tornaste para mim como um riacho seco, cujos mananciais falham? (Jeremias 15.15-18).

O jeito de Jeremias de orar certamente não seria indicado a nenhuma Prêmio Nobel de Oração, se é que esse negócio existisse (às vezes, mesmo que às escuras, ele parece existir); nem publicado num livro com sendo a oração que devemos repetir, porque Deus sempre atende. Por isso, me sinto razoavelmente confortável pra falar de oração agora. Não porque Jeremias seja modelo, mas porque ele é um anti-modelo; não creio que oração tenha a ver com modelos, nem com pacotes fechados. Se não havia dissonância entre a vida e o livro de Jeremias, o mesmo parece ser verdade sobre sua vida como profeta e sua vida de oração. As mesmas dores, angústia, ira, medo, lágrimas, alegrias, prazer, tristezas, raiva e depressão geradas por seu ministério profético eram matéria de suas conversas, nem sempre cordiais ou piedosas, com Deus. Em outras palavras, ao orar, Jeremias mostrava que era humano e, precisamente por isso, que precisava de Deus.

Primeiro, ele se mostra carente, rejeitado (pelo pecado e indiferença do povo), e impaciente, clamando pela ação divina, que parecia retardar em função de sua paciência e longanimidade (v. 15). É como se ele estivesse dizendo: “Você me colocou nisso, e agora, por tua causa, eu estou sendo prejudicado. Vê se me livra dessa, Deus!” (me baseio na paráfrase de Eugene Peterson, em “Corra com os Cavalos”, p. 122). Jeremias se mostra aqui igualzinho a qualquer um de nós – quando “nosso tempo compulsivo colide frontalmente com o tempo da providência divina” (Peterson) – tentando ensinar Deus a como ser soberano, e a como ser Deus!

Segundo, ele afirma ser solitário, em seu trabalho de profeta, não tendo ocasião pra se sentar com uma galera em festa, dando risadas e se divertindo (v. 17). A tarefa de pensar, refletir, pregar, desvendar significados, é uma tarefa muitas vezes solitária, sobretudo no caso de Jeremias. E por mais necessário que seja, consciente e irredutível que se esteja, a solidão bate e, com ela, o desejo de convívio. E não havia porque esconder nada disso de Deus, já que tudo era por causa dele. E o profeta diz se sentir “oprimido” pela mão de Deus. Por mais que fazer parte das causas Dele seja um privilégio, nem sempre é prazeroso (e nem tem que ser).

Terceiro, ele se revela sofredor (v. 18a). Sofremos muitas vezes por determinadas posições que ocupamos. Por mais necessárias e reconhecidamente importantes, elas (e os tipos de reação que temos em relação a elas) nos conduzem a lugares de sofrimento. Lembro-me que, desde criança, eu sempre fui muito conseqüente. E minha conseqüência me levava a não revidar com força (e as vezes nem revidar), as provocações da minha irmã. E, como eu não queria revidar, pra não ser injusto nem fazer besteira, esperava justiça do meu pai. E nem sempre essa justiça vinha do modo como eu esperava. Daí, vinha a revolta; daí a gente pensa e fala besteira, mesmo sem fazer. Esse é o lugar de Jeremias, de revolta e dor, por razões muito maiores. E ele quer partilhar com Deus essa dor. Através da oração ele pode fazer isso.

Quarto, além de sofredor, ele também se mostra irado com Deus. A sensação é de que Deus o abandonou; no começo, parecia promissor andar ao seu lado. Depois, veio a decepção de ver que Deus nem sempre age do modo como esperamos, e que ser amigo de Deus implica em ter de conviver com inimizades outras. Então, Jeremias destila toda sua honestidade, quando diz (na tradução “The Message”): “Você não é nada mais do que uma miragem, Deus; um adorável oásis à distância, e então nada!” (v. 18b). Sinceramente, não sei como na nova versão do livro de Eugene Peterson (“Ânimo”, Mundo Cristão), os editores tiveram a proeza de dizer, em um dos capítulos, que Jeremias é “o mais animado dos profetas”. Não entendo isso, pelo menos não nesse sentido neurolinguístico para a palavra. É o mesmo que querer achar pelo em ovo...

Mas, não nos enganemos com esse negócio de honestidade, do qual sou defensor, porém, consciente de que ela nem sempre será recebida e acolhida com uma tonalidade positiva. No caso de Jeremias, foi uma amostra de sua intimidade, sem desfaçatez ou pieguismo, com Deus, o que é bom. Na oração, não precisamos de máscaras ou disfarces; queiramos ou não, estamos nus diante de Deus. Por outro lado, revela a perda do foco e das prioridades. A excessiva preocupação com o que os outros pensam ou dizem sobre nós, pode revelar uma excessiva preocupação conosco; e essa excessiva preocupação conosco pode ser um sinal de que perdemos Deus de vista, e o que Ele nos chamou a fazer.

Mas, como diz Peterson, no momento em que Jeremias coloca esses sentimentos em oração, algo começa acontecer. Deus, além de ouvir atentamente, o convida a rever as palavras ditas, restabelecer prioridades e a renovar suas perspectivas, não como alguém ofendido por sua postura, mas desejoso de vê-lo avançar e crescer. Deixar falar os sentimentos às vezes significa, ainda que do lugar legítimo da intimidade, dizer coisas que ferem o relacionamento. Então, corremos o risco de dizer coisas “vis”. Mas Deus, como fez com Jeremias, abre as portas ao arrependimento sincero, e nos chama a separar o precioso do vil (v. 19), e recolocar nosso vagão nos trilhos.

(Continua...)

Jonathan

2 comentários:

Jenifer disse...

Estou sempre aparecendo nos seus textos como vilã, rsss. O que as pessoas vão pensar de mim?
hahaha
Beijos

Jonathan Menezes disse...

Vão pensar que, como (quase) toda irmã mais nova, você dava trabalho; e como (quase) todo irmão mais velho, eu paguei alguns patos por sua causa, é normal. Mas vão pensar também que você foi e é tão importante na minha vida, que tá sempre aparecendo nos meus textos, hehehe...
Beijoteamo!