terça-feira, 25 de janeiro de 2011

As pessoas não mudam (II)

2. A fé como paradoxo

A fim de prosseguir, quero acrescentar à tese original duas perspectivas que me serão úteis aqui: primeira, da fé como paradoxo e, em seguida, da fé como batalha.

O paradoxo da fé pode assim ser descrito: uma vez que estou em Cristo, pela fé estou e pela graça sou nova criatura, que se reveste dia após dia de uma nova humanidade – isto é, passo a ser gente conforme o tipo de gente que Cristo foi e deseja que eu seja. Nova disposição, vida nova. Ao mesmo tempo, o que é novo vai brotando em meio àquilo que é velho, mas que ainda permanece vivo e ativo em mim por causa do pecado.

Afinal, sou um novo ser ou estou a caminho de me tornar um novo ser? Ambos, talvez. Em outras palavras, sou um novo ser ainda a caminho de me tornar novo conforme a novidade de vida em Cristo revelada. Sou e estou caminhante. Como diz a bela poesia de Antonio Machado: “Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais; caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar...”.

Paradoxo, sim. Anomalia para alguns. Boa anomalia para a fé, visto que uma fé saudável é aquela que não tenta erradicar-se dos paradoxos (ou erradicar os paradoxos de si), mas admite (jubilosamente) viver infiltrada no meio deles. Se a fé é “loucura”, segundo a linguagem paulina, então não há porque se envergonhar de ser anomalia excêntrica, aos olhos humanos, a fim de encontrar graça aos olhos divinos.

Se a graça é esse dom divino destinado a gente torta, então não há razão para não se admitir como sendo torto e inacabado – embora isso não signifique “conformismo”. Como analisa Frederick Buechner em seu livro “The Magnificent Defeat” (1966), quando se vive pela fé “ao invés de tudo se manter tranqüilo e certo, nada é tão tranqüilo e tudo é incerto”. E não gratuitamente ou sem razão de ser, como diz ele: “Algo novo e perturbador está rompendo com algo velho. Alguma coisa está tentando nascer. E se algo novo irá nascer, a velha coisa precisa dar passagem, e há agonia no processo tanto quanto há alegria” (p. 63).

Isso mesmo. O processo em que me torno um novo ser é recheado de paradoxos, como os descritos por Buechner. A fé convive com a dúvida, enquanto as alegrias estão misturadas com as agonias. A fé cristã combina menos com o universo seguro do “só” (somente isto ou aquilo) que com o mar de incertezas do “nem só”. Assuma, concorde e aceite quem quiser e nesse caminho se reconhecer.

(Continua...)

Jonathan

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