terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Arruinado, ferido e ainda assim, íntegro (I)

1. Sorte ou azar? Quem sabe...

Resolvi iniciar mais um ano relendo o Livro de Jó, personagem dos mais humanos e fascinantes da Bíblia. “Mas justo Jó! Não dá azar ler Jó logo no início do ano?”, diriam os “crentes” mais supersticiosos – por mais caricato que pareça, há quem pense assim, afinal, como diria Gonzaguinha, “ninguém quer a morte, só saúde e sorte”.

Sorte e azar são coisas que acompanham nossos discursos sobre a vida. Há quem se renda de modo literal ao poder deles. Eu, porém, creio que minha sorte está em poder aprender com todas as circunstâncias de vida, sobretudo com as adversas, e que a adversidade não precisa ser sinal de “azar”, mas sim de que estamos vivos e somos humanos – contingentes, e não necessários. Como na música da Legião Urbana, “o sol nasce pra todos, só não sabe quem não quer”, ou só não sabe quem está alienado demais pra saber.

Quero aqui destacar um dos temas que perpassam a jornada de Jó, a integridade. Há quem use o termo como sinônimo de honestidade. A palavra, porém, indica algo maior. “Integridade” é predicado do que é inteiro, completo, indissociável. Uma das marcas da pessoa íntegra está na indissociabilidade entre suas palavras e suas ações, entre o discurso e a vida. Nesse sentido, não é preciso ser “bonzinho” para ser íntegro. Aquele que é injusto, perante certa sociabilidade, pode ser mais íntegro até mesmo que o suposto justo.

Um exemplo está em Jesus ter escolhido publicanos, prostitutas e samaritanos, injustos e indignos como exemplos maiores de integridade (“pérolas do reino”) que os justos de sua época (religiosos). Isto, pois eles são o que são, sem fingimento e “sem cera”; e na condicionalidade do que são é que dependem da graça e compaixão divinas. Já os religiosos, querem demonstrar ser o que não são, e na condicionalidade do que não são, mas afirmam ser, não apenas anulam sua dependência de Deus, como colocam fardos pesados sobre os ombros dos outros, fardos que nem eles carregam, denotando sua hipocrisia (falta de integridade).

O íntegro (ou que persegue a integridade), porém, sabe muito bem quem é e não teme assumir o que é diante de Deus e dos homens. É o caso de Jó. Mesmo arruinado e profundamente ferido, conseguiu se manter mais íntegro que seus “mui amigos”, Elifaz, Bildade e Zofar. No início, ao se deparar com a dor do amigo, até fizeram o que é certo, choraram juntos, mantendo-se em silêncio. Diante da dor... o silêncio! Mas quando Jó abre a boca e começa a escancarar seu coração e a lutar com Deus, tudo muda de figura, os amigos se escandalizam – e eu que sempre achei que amigos não se escandalizam quando a gente se expõe. Como disse o próprio Jó a seus amigos, “ao aflito deve o amigo mostrar compaixão, a menos que tenha abandonado o temor do Todo-Poderoso” (6.14). Por isso, nem todo o que se diz “amigo”...

(Continua...)
Jonathan

Um comentário:

Daniela Sanches disse...

Eu li e amei sua bela perspectiva do livro e da vida de Jó! Aprendi um pouco mais hoje com seu texto. Obrigada! Daniela