sexta-feira, 22 de maio de 2009

Sobre teologia e a arte de nomear as coisas (III)

De que maneira relaciono essa reflexão sobre “dar nome às coisas” à teologia? Para finalizar essa série e responder a tal questão quero aqui me valer da discussão feita por Jacques Ellul em seu livro A palavra humilhada. Certa vez, ouvi de um professor o seguinte: “Para tudo o que é, a linguagem cala”. E logo me lembrei da passagem bíblica em que Moisés pede uma alcunha para Deus, como se dissesse: “Esse povo aí irá me perguntar a Quem estou dizendo para eles seguirem; embora eu tenha dito que é ‘o Deus de vossos pais’, eles vão querer um nome; então que nome eu dou pra você, quem é você afinal?”. E a resposta do Senhor foi emblemática: “EU SOU O QUE SOU”. E para tudo que é... Se a discussão é sobre se ele é verdadeiro ou não, a resposta é: “EU SOU”. Pronto. Contente-se com isso, Moisés, com a impossibilidade de expressar a verdade por meio da sua linguagem. Como diz Ellul, “se a verdade é a verdade acima de nossas apreensões e estimativas, ela é. Ponto final. Permanece, forçosamente, ela mesma”. Logo, completa ele, “a verdade nada mais é do que o absoluto ou o eterno, e de cujas margens não somos sequer capazes de nos aproximar”.[1]

Certo então, a linguagem se cala diante da verdade, pois dizer a verdade compreensivamente (em tudo o que ela é) seria o mesmo que matar a própria verdade. Entretanto, como até aqui temos visto, o ser humano se serve o tempo todo desse meio improvável chamado de linguagem, de modo que se poderia indagar: “Ora, se somos irremediavelmente ligados a essa atividade de nomear, como posso me calar diante de tudo aquilo que vejo”? Eis a questão, difícil aporia, nós somos “incaláveis”, se me permitem o neologismo. De tal modo que a relação e ansiosa busca pela verdade estão intimamente associadas com a fala. A verdade (ou, a verdade para mim) é... Assim, a verdade torna-se sinônimo do verbo, idêntica à palavra, efêmera e fugaz, ao que é dito, “igualação do não igual”. Trata-se, como diria Ellul, de nosso instrumento mais lábil, incerto, referindo-se ao que é mais certo. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Mas como saberemos o caminho? O que é a verdade? Que vida é essa? Continuamos tentando descodificar a verdade na linguagem.

Nossa referência ao real está sempre em busca de correto e incorreto. Fazer teologia, até aqui, tem sido julgamento do incorreto pelo correto. Embora a verdade que desejamos tanto deter, nos escapa, porque somos detidos por ela e não o contrário, ainda assim insistimos em nos mover num universo de exatidão, em busca da única resposta, a solução correta, o paradigma exato. Quando, na natureza do paradigma em si mesmo, mora a imprecisão. Como diz Ellul: “Não existe experiência imediata da verdade, nem da mentira, nem do erro. (...) O que vem da palavra nunca é evidente. O real pode ser evidente, a verdade, nunca”.[2] Um leitor um pouco mais impaciente que o resto, poderia perguntar: “Mas então porque devo continuar nisso se já descobri que a verdade não pode ser descoberta”?

É simples, e é complexo: porque é ela que confere sentido ao nosso existir. A impossibilidade da linguagem deveria, assim, nos conduzir a uma tarefa mais honesta, humilde, dependente daquilo que somos e temos, e da graça de Deus e, por tudo isso, alegre e celebrativa. Eis o extraordinário, diria Ellul: é uma benção para o ser humano viver assim, cativo da linguagem, distante da completude e, ao mesmo tempo, em busca dela, pois do contrário, acrescentaria eu, não seriamos seres humanos e sim deuses, ou semideuses. Parafraseando Ellul, nossas certezas teológicas podem ser falsas quanto à exatidão da revelação (quando assim pretendemos), mas são elas que nos permitem viver. O maior milagre e a maior benção da teologia, bem como da vida humana, é também sua maior limitação: não em expressar a verdade (quanto mais a divina) por vias exatas, mas em encontrar fragmentos dessa verdade na inexatidão da linguagem. “Assim se situa esta vida maravilhosamente humana. O sentido mais garantido dirigindo-se ao mundo mais incerto. O sentido mais frágil, exprimindo o indiscutível”.[3]

Jonathan
Notas
[1] ELLUL, Jacques. A palavra humilhada. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 35.
[2] Ibidem.
[3] Ibid., p. 43.

3 comentários:

Anônimo disse...

só tem gente branca entre os caras que admira colocados à direita no teu blog.

marcos do céu!

conheça outras culturas, eis minha dica.

grande abraço, frère.

Anônimo disse...

complicas demais logo no início.


jamais complicar o que pode ser simplificado.

Anônimo disse...

veja, não falo de jeito nenhum da complexidade que a tematica ja traz em si mesma...