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domingo, 13 de outubro de 2013

Sexualidade e espiritualidade: uma fusão libertadora (Parte I)

Erotismo-arte

Antes de tudo, começo dizendo que espiritualidade, para mim, tem a ver com um modo de ser, pensar e agir daquele ser que nasceu de novo, nasceu do Espírito, e agora é “espírito” (ser novo vivente). Isto não significa que se desencarnou ou desumanizou. Pelo contrário, ele/a se re-humanizou no Espírito, nasceu de novo, é novo humano. Jesus, em seu diálogo com o fariseu Nicodemos no Evangelho de João, disse que: “A não ser que alguém se submeta a essa criação original, a criação na qual ‘o vento pairava por sobre as águas’, o invisível movendo o visível, um batismo para a nova vida, não lhe será possível entrar no reino de Deus”, e que “a pessoa que tem um nascimento interior é formada por algo que você não pode ver nem tocar – o Espírito – e se torna espírito vivo” (Jo 3.5, 6 – Tradução A Mensagem).

No começo de toda vida espiritual, portanto, está a experiência de criação de um novo ser pelo Espírito, ser este que não mais se rende à sua própria vontade, mas à vontade do Pai, revelada em sua Palavra e encarnada na Pessoa de Jesus Cristo.

Na prática, porém, “espiritualidade” é um tema muito mal-elaborado e também muito mal-compreendido. Nossa forma de compreender e elaborar nossas “espiritualidades” é marcadamente cultural. E nossa matriz cultural de concepção da espiritualidade ainda, salvo exceções, é platônica e dualista. O platonismo (ou o neoplatonismo) fez um grande estrago na visão (teológica) cristã (o que inclui a espiritualidade); isto, pois negou a corporalidade (como dimensão essencial humana), a materialidade, nos afastando desse mundo para um plano ideal, transcendente ou futuro. A inevitável associação da palavra com um mundo à parte, para o qual migramos, de tempos em tempos, em busca de enlevo e paz na alma, fez com que essa espiritualidade perdesse qualquer contato mais significativo com a situação vivida. Daí provém muitas das críticas a alguns modelos de espiritualidade como sendo “alienantes”, “desencarnados”, sem repercussão na vida e sem conexão com a missão. Daí a necessidade de superar nossos dualismos e esquizofrenias platonizantes.

Essa superação, porém, segundo certa interpretação, seria algo improvável, pois o próprio Paulo havia gerado um dualismo permanente à fé. Há uma confusão, nesse caso, entre dualidade e dualismo. Dualidade é a convivência inevitável entre dois elementos distintos, dois modos de existência ou orientação da vida – como o de Carne e de Espírito. O dualismo, aqui entendido, indica uma polarização entre dois elementos – bem e mal, matéria e alma, o que gera uma esquizofrenia, pois a pessoa vive no corpo, mas é ensinada que mais importante é a alma; seu ser é corporal, mas o espiritual pertence à dimensão do transcendente, onde somente o espírito ou a alma são elevados. Ao corpo é relegado o status de habitat do pecado – especialmente os ligados à luxúria.

O equívoco desta percepção está não apenas de subtrair a materialidade da espiritualidade, mas em atribuir responsabilidade pelo pecado – ou a lei que habita em nossos membros, como diria Paulo (Rm 7) – somente à corporalidade. É um equívoco pois o entendimento paulino de carne provavelmente advém da compreensão do AT, que engloba o ser humano como um todo-indivisível. Segundo José Comblin, em Paulo “carne” não significa apenas o corpo como que distinto da alma, mas “o homem todo na sua fraqueza, mortalidade, tentação de pecado. Assim, a carne está mais no intelecto e na vontade que na matéria”.[1] Ser “carne” e ser “espírito”, nesse aspecto, são modos coexistentes, embora distintos, de vida. O primeiro é o modo de quem busca suficiência em si, e o segundo que encontra a suficiência em Cristo.

Como esclarece Gottfried Brakemeier,

Se o ser humano, à parte da fé, é integralmente carnal, com inclusão de seu espírito, o corpo já não mais pode ser o exclusivo culpado do pecado. Não se pode incriminá-lo de segurar a pessoa nas esferas inferiores do pecado e de impedir a ascensão a Deus. O pecado é ‘ato coletivo’ de todas as faculdades humanas, com destaque à vontade, ao coração, ao espírito.[2]

Jeremias (capítulo 17) foi quem disse que o pecado de Judá estava gravado no coração com ponta de diamante. A palavra aqui usada diz respeito a uma ofensa, não verbal, mas “gravada” no coração (centro da vontade e decisão do ser). Tem uma dimensão espiritual, mas aqui é identificado com coisas muito concretas no povo de Israel (idolatria, injustiça, impiedade). Como se Deus estivesse dizendo: “Para onde você vai, olha ou toca, fica ali um rastro do teu pecado. Se as tuas ações não o refletem, seu coração já o faz”. Então isso afeta a integralidade de nosso ser; não somente uma parte ou área da vida, como os dualistas insistem em querer nos fazer crer. Como ressalta Comblin, “no evangelho cristão tudo no homem é corporal, tudo é espiritual, tudo é alma. Não há nada fora do corpo. Pois o espírito está também no corpo, ele é o corpo humano como orientado sob a moção de Deus”.[3]

Ouvimos de alguns que não se pode nem “humanizar”, nem “espiritualizar” as coisas – cacoetes do discurso evangélico que denotam nossa compreensão média de espiritualidade, ainda dualista, pois separa o humano do espiritual e o espiritual do humano – o mesmo se poderia dizer da santidade. Mas quem é o santo? Não é um anjo ou ser espiritual ou elevado que se desumanizou. Antes, é um ser humano que encarnou a vida de Deus, e que tornou concreta a obediência ao Deus da vida. Então, sem novidades nisso, nossa espiritualidade continua desprezando a imanência e estigmatizando o corpo – embora toda a eletricidade, as fortes emoções, as fruições e pirações espirituais ela sinta no corpo. Os desejos, os ímpetos e as paixões, porém, prosseguem debaixo de muita desconfiança.

(Continua…)

Jonathan

Referências bibliográficas


[1] COMBLIN, José. Antropologia cristã. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1990, p. 77.
[2] BRAKEMEIER, Gottfried. O ser humano em busca de identidade. Contribuições para uma antropologia teológica. São Leopoldo: Sinodal; São Paulo: Paulus, 2002, p. 118.
[3] COMBLIN, OP. Cit., p. 77.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Meu caminho até “Humanos, graças a Deus”

Humanos-Caminho

Gostaria de aqui endereçar alguns fatores indicativos de um caminho que me conduziu até a redação final desse livro, publicado pela Novos Diálogos Editora, sob o título de Humanos, graças a Deus! Em busca de uma espiritualidade encarnada. Aqui vão eles:

1. O livro não nasceu como livro, primeiramente, escrito de "cabo à rabo". Foi escrito no caminho; ou seja, são escritos de uma caminhada de mais ou menos 4 anos – caminhada de vida, teológica, de sala de aula, de pesquisas, de observações, de vivência da fé pessoal e comunitária e, é claro, de corridas. Muitos deles nasceram de conversas, outros de reflexões em sala de aula, outros de respostas a indagações de leitores – a quem eu carinhosamente chamo de “co-transgressores” – feitas em outros textos que escrevi no blog Escrever é Trangredir. Mas, o mais fascinante para mim, é que eles nasceram de um lugar de liberdade, pois a escrita é isso: um lugar de liberdade! E como liberdade, citando Roland Barthes, “a escrita não é mais que um momento”. Esses escritos são produtos de instantes vividos, e de escolhas que fiz ao partilhar meu olhar sobre esses instantes.

2. Embora não tenha sido programado de antemão, há nele um cantus firmos, um fio condutor, que despretensiosamente, embora não casualmente, foi se desenhando, e que é endereçado pelo título – uma espécie de afirmação-celebração e denúncia-protesto ao mesmo tempo: a de que somos humanos, e graças a Deus por isso!

3. Qual seria a razão dessa preocupação e de onde ela brota? Eu diria que ela não nasce de hoje, uma vez que, primeiro, esse é um clamor bíblico – pela humanização da pessoa – que vemos repercutir nas narrativas bíblicas e, de modo especial, em Jesus; segundo, porque continua reverberando em autores que me influenciaram, só para citar alguns: Kierkegaard, Ellul, Buechner, Peterson, Manning, Cavalcanti, Rosset, Monteiro, Unamuno, Nietzsche, Urteaga e tantos outros. Mas um autor que merece uma especial menção aqui é Henri Nouwen, sem dúvida a principal influência desse livro. Nouwen endereçou essa questão – a de nossa humanização – menos ao modo de uma discussão em seus livros, e mais ao modo de uma autobiografia ou de uma transgressão de si. De modo que quem lê Nouwen lê sua vida, e percebe o verbo encarnado o tempo todo e de inúmeras formas, não somente belas e alegres, mas também feias e tristes. Nouwen foi um dos primeiros (e poucos) a me fazer perceber que na espiritualidade cristã não somos transfomados para caminhar, somos transformados enquanto caminhamos e enfrentamos, à duras penas muitas vezes, os desafios, as alegrias, as tristezas, a leveza e a dureza do caminhar. É assim que a gente cresce, amadurece e aprende a ser humano e a andar perto de Deus e das pessoas ao mesmo tempo.

4. Penso que essa preocupação também nasce de inquietações do tempo presente, minhas é claro, mas não minhas apenas, de muita gente. Tenho impressão de que uma porção de nossa humanidade como existência, como identidades, como razão de ser, tem sido decepada por um certo espírito do tempo ou por um projeto de ser humano, que a religião cristã certamente ajudou a construir, que tem a ver com eficiência, santidade, perfeição, indefectibilidade, e que a gente não deu conta de viver. E, não dando conta de viver, escoamos nossas frustrações de várias formas, pela via do niilismo, do espiritualismo, do relativismo ou simplesmente do grito incontido que parece dizer: "Eu tenho o direito (natural) de ser imperfeito, de estar errado" – embora não necessariamente me resigne ao lugar do erro, invariavelmente passo por ali.

5. Então, esse livro vai ao encontro dessas inquietações, procurando ou buscando uma espiritualidade encarnada, procurando se parecer com Jesus de Nazaré, o Deus que se fez ser humano e tão lindamente humano, que só podia ser Deus. Como disse Thomas Merton, “é um destino glorioso ser membro da raça humana, ainda que seja uma raça dedicada a diversos absurdos e que cometa terríveis erros: mesmo assim, Deus em sua glória tornou-se membro da raça humana! Um lugar comum como esse de repente pode ser como possuir um bilhete premiado de uma loteria cósmica”.

Permitam-me citar aqui dois trechos do livro, e com eles termino essa breve descrição de caminho. O primeiro diz respeito precisamente a essa busca que me move neste livro:

Mas o que busco, afinal? Uma experiência, um modo de ser, pensar e agir que preconizem a convergência entre o cristão e o humano, entre o santo e o profano, entre ser discípulo e ser gente, de acordo com o tipo de gente que Jesus foi — verbo encarnado, chamado de “glutão e beberrão”, amigo de pecadores, que chorou, sorriu, festejou e sofreu. E, mais que isso, defendo que viver a fé cristã, buscando fidelidade ao Cristo, não nos isenta de ter de encarar a nós mesmos tal como somos no mais profundo do ser, nossas virtudes e bondade, bem como idiossincrasias, pecados e demônios. Lembrando do que disse Padre Brown, personagem de G. K. Chesterton: “Sou um homem... e, por isso mesmo, tenho todos os demônios do mundo em meu coração”. E, também, das palavras autobiográficas de Leonardo Boff: “Participo, penosamente, da condition humaine onde vige a porção sim-bólica junto com a porção dia-bólica. Sou teólogo mas também pecador. Peregrino e também me desgarro. Por isso sou devedor de desculpas e suplicante de perdão” (p. 19).

Por fim, as palavras de Paulo Freire, que foi um admirável ser humano e brilhante educador, que me inspiram a gostar desse paradoxo que é ser humano:

Gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo, inequívoco, irrevogável, que sou ou serei decente, que testemunharei sempre gestos puros, que sou e que serei justo, que respeitarei os outros, que não mentirei escondendo o seu valor porque a inveja de sua presença no mundo me incomoda e me enraivece. Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destino” não é um dado, (sic) mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo (p. 61).

É isso, minha gente. O restante, se curiosos/as estão, vocês terão de ler no livro...

Jonathan

terça-feira, 4 de junho de 2013

O que os amigos dizem de “Humanos, Graças a Deus” (Parte 2)

Humanos CapaEm tempos de consumismo, alta velocidade, banda larga e outras formas de aceleração da experiência temporal da vida humana, não é nada fácil escrever um texto teológico sobre a espiritualidade cristã. Em primeiro lugar, por que qualquer coisa que escrevemos fica logo obsoleta pela passagem ultraveloz do tempo. Em segundo, por que qualquer coisa que escrevemos sobre espiritualidade é consumido antropofagicamente e reduzido a um “gostei” ou “não gostei” de leitoras e leitores. Enfim, por que há uma certeza prévia no tocante à incapacidade da teologia se pronunciar sobre um tema tão prático e a-teológico como a espiritualidade. Por isso mesmo, é muito bom que este livro tenha sido escrito e possa ser lido por mais do que apenas a família e o círculo de amizades de seu autor.

Este não é um livro para ser descartado assim que chegarmos às suas últimas palavras. Não é auto-ajuda secular disfarçada de espiritualidade cristã. Não é teologia tentando reduzir a espiritualidade ao âmbito da intelectualidade. Ah! Não é também a última palavra sobre o tema. O texto de Jonathan é uma reflexão pessoal e teológica sobre os riscos de ser cristão em nossos dias. É teologia e testemunho simultaneamente. Dá testemunho da possibilidade de caminhar espiritualmente em um mundo totalmente dominado pelo deus-dinheiro. Reflete criticamente sobre os riscos de confundir espiritualidade com auto-grandeza, ou com emocionalismo, ou com doutrinismo. É livro para ser lido e relido. Para ser pensado e discutido. Para ser ruminado. No mínimo, por que nos ajuda a perguntar como ser espiritual sem deixarmos de ser humanos. E esta pergunta é fundamental e indispensável. Se o Espírito de Deus fez do homem-Deus Jesus alguém para quem “nada do que é humano lhe era estranho”, precisamos dEle para que nós, meramente humanos, aprendamos a não estranharmos nad a do que nos é próprio enquanto humanidade que caminha na força do Espírito.

Júlio Zabatiero
(Coordenador de Pós-Graduação e Pesquisa da Faculdade Unida de Vitória)

Pensador e professor, Jonathan gosta de correr nas horas vagas, corridas de longas distâncias, dessas que é preciso acelerar o passo e dosar o fôlego. Neste livro sobre espiritualidade, ele escreve como corre, ritmo dosado que permite na paisagem conhecida colher o desconhecido. Corre na companhia de muita gente, registrada em livros ou na vida, e nos convida também a correr, no seu ritmo, em busca de nossa humanidade escondida em algum lugar. Porque para ele, espiritualidade é isso, aprender a respirar humanamente no compasso da respiração divina. Sendo assim, sua escrita se move no paradoxo, santo e profano, simbólico e diabólico, humano e divino. Desse modo, se apresenta como escritor transgressor, imagem de Deus, o transgressor maior, o paradoxo ao infinito. Deus que se torna corpo, humano, simplesmente humano.

Marcos Monteiro
(Pastor, teólogo e filósofo. Assessor de pesquisa do Centro de Pesquisa, Estudos e Serviço Cristão)

O que os amigos dizem de “Humanos, graças a Deus!” (Parte 1)

Humanos CapaPublicar, para mim, é sempre uma alegria. Um pequeno artigo veiculado por aí já me deixa feliz. Significa que as ideias estão repercutindo, bem ou mal (melhor se for bem, é claro). Um livro então, é uma alegria em dobro. Meu primeiro livro, Humanos, graças a Deus (Novos Diálogos, 2013), acaba de sair do forno. Mais adiante, gostaria de escrever aqui o que me motivou a escrevê-lo e como cheguei até ele. Agora, quero fazer uma nota de gratidão, em três partes, a alguns amigos que me ajudaram neste livro, escrevendo seus endossos de recomendação. Alguns deles foram publicados apenas parcialmente no livro, por isso coloco aqui na íntegra o que eles escreveram. A eles – Antonio, Flávio, Júlio, Marcos e Ziel – o meu muito obrigado!

Um dos grandes dilemas que eu vejo na igreja cristã e em especial na brasileira, é a sua aspiração de ser divina quando ela deveria ser humana. A igreja “esquece” que ela é composta de gente – gente que chora, pensa, sofre, ri, ganha, perde, luta, abandona – enfim, gente com dilemas e angústias. A igreja nega esse fato com uma pregação que não toma em conta essa realidade, pois afinal o povo de Deus é um povo que caminha de vitórias em vitórias. Essa é a grande beleza dos textos do amigo Jonathan. Você certamente irá se identificar com suas palavras e pensamentos, pois refletem essa nossa jornada humana em direção ao Reino de Deus. Leia, reflita e considere os desafios propostos nesses ensaios.

Antonio Carlos Barro
(Fundador e professor da Faculdade Teológica Sul Americana)

Em dias de confusão conceitual e principalmente vivencial a respeito do tema do livro que temos em mãos, os escritos de Jonathan Menezes se apresentam como contribuição indispensável na busca por uma espiritualidade sadia, coerente com a realidade de nosso ser e fundamentada nas escrituras. Com profundidade, honestidade e impressionante capacidade de reflexão, o autor traz à discussão, através de seus ensaios, questões que há tempos nos debatemos, exatamente por não nos darmos o direito de sermos humanos ou por negar esse dom divino, substituindo-o por ideais inalcançáveis, alienantes e distantes do chão da vida.

Flavio Henrique de Oliveira
(Professor da Faculdade Teológica Sul Americana)