terça-feira, 25 de maio de 2010

Sobre o livro "Missão Integral", de Gondim (II)

Nessa obra especificamente, ainda que seu foco recaia sobre uma análise histórico-teológica do movimento de MI, o autor não omite suas atuais predileções e filiações com a TR – como tentarei expor em momento oportuno. Também não esconde seu envolvimento pessoal com o movimento, suas alegrias e, sobretudo, suas frustrações. Uma delas teria a ver com um embargo teológico presente nesse movimento, que para ele tem nome, endereço e caixa postal: é o Fundamentalismo Norte-Americano. Isso, por sua vez, explicaria a “dificuldade de fazer uma teologia crítica que mexesse com as premissas teológicas consideradas intocáveis” (p. 22), mesmo dentro do próprio movimento.

Assim, ele encerra a introdução ao livro pontuando que a MI, uma proposta que embalou um grupo de jovens movidos pela esperança de “algo novo no horizonte evangélico-protestante”, agora seria mais motivo para desabafo e desencanto. Baseado nesse “desencanto” e numa visão mais negativa que positiva, o autor então endereça seu objetivo principal que é o de “analisar e entender os motivos que impediram a Missão Integral de promover uma práxis transformadora na América Latina e no Brasil” (p. 22).

No primeiro capítulo, Gondim parte de uma assunção honesta e pertinente a qualquer analista do campo religioso evangélico: a de que a identidade evangélica, seu foco principal aqui, é suficientemente complexa para colocar em “maus lençóis” a qualquer um que assuma a tarefa de “defini-la”. Em parte, isso se deve a grande dificuldade com os termos usuais para se referir aos adeptos do movimento: protestantes, evangélicos, (neo) evangelicais, pentecostais, fundamentalistas, liberais, ecumênicos, e por aí vai; se insistirmos, a lista pode ser grande. O mais curioso é que, mesmo reconhecendo tal complexidade, o autor logo no início faz uma correspondência entre esses termos, ora parecendo se referir a tópicos distintos, ora dando a impressão de não haver distinção alguma entre eles. A mixórdia que ele faz fica evidente por essa passagem (observe a quantidade de termos usados, sem maiores elucidações):
Alguns protestantes que não concordavam com a teologia liberal, buscaram distanciar-se dos fundamentalistas e procuraram se identificar com a teologia liberal, buscavam distanciar-se dos fundamentalistas e procuraram se identificar como “neo-evangélicos” ou apenas evangélicos. Esse grupo deu nova identidade ao fundamentalismo, depois se tornou mais ecumênico, com alianças pontuais e esporádicas com católicos e pentecostais. Os evangélicos deflagraram décadas depois um movimento que ficou conhecido como Missão Integral na América Latina (p. 25, grifos meus).
É claro que o autor pode ter pressuposto que seu público já possui o esclarecimento suficiente, o que lhe daria certa “licença” para iniciar sem muitos porquês disso ou daquilo; mas vamos em frente, que tem mais. Seu propósito nesse capítulo foi identificar as raízes do movimento de MI, pontuando as “conturbadas” relações entre sua vertente latino-americana e o mundo anglo-saxão, sobretudo norte-americano. E a hipótese que ele defende é a de que “os evangélicos do norte e posteriormente os evangelicais do sul nunca conseguiram realmente se desvencilhar de suas raízes” (p. 28), que, no caso, são as raízes fundamentalistas.

O festival de ambigüidades continua, quando, por exemplo, o autor afirma que o fundamentalismo (geralmente definido muito mais como um movimento) pareceu tornar-se uma “forte organização” nos idos da década de 1920. E mais, ainda diz que se pode estabelecer as origens do movimento evangélico desde essa década, a partir de um grupo de teólogos, que ele nomina (nos anos 1920?) como “neo-evangélicos”, que se viu na tarefa urgente de se distanciar da “intolerância e obscurantismo” fundamentalista. Estaria ele se referindo ao movimento teológico que ficou conhecido como “neo-ortodoxia”, representado por Barth, Brunner e Niebuhr, que tentou manter os pés fixados na ortodoxia bíblica, mas sem os excessos tanto do liberalismo como do fundamentalismo? Difícil de saber ao certo, graças às muitas lacunas deixadas no texto.

Mais a frente, ele afirma que, a despeito das tantas discriminações terminológicas existentes no protestantismo, outra começou a ser fomentada no Brasil: entre evangélicos (protestantes subdivididos em outros grupos, como os tradicionais, pentecostais, neopentecostais, etc.) e os evangelicais (teólogos e teóricos alinhados com a MI e com o Pacto de Lausanne). Só mais ao final do capítulo é que Gondim vai tentar explicar que o anglicismo “evangelical” é uma variação latino-americana e/ou brasileira do movimento que surgira nos EUA como uma derivação dos Grandes Despertamentos no século XIX, e que seria berço do fundamentalismo, mas sem a sua intolerância. Parafraseando Luiz Longuini Neto, todo fundamentalista seria um evangelical, mas nem todo evangelical um fundamentalista. Assim, conclui dizendo que esse termo se torna pujante ao se ser adotado como identificação daqueles “teóricos” da MI na América Latina.

(Continua...)

Jonathan

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