Você tem certeza de sua salvação? Bem, se você é evangélico e não tem, então é melhor começar a ter, pois na igreja evangélica brasileira, em geral, quem não tem esse tipo de “certeza” está fadado a ter sérios problemas. O primeiro problema é ser aceito como membro de uma igreja. Em muitas delas, para estar apto a se tornar membro, a pessoa tem de se sujeitar a uma bateria de “exames” de admissão, sendo que em algumas, isso começa com o que agora chamam de “Encontro com Deus”, que consiste em alguns dias de refúgio para ter um encontro mais do que especial com o Divino – e, é claro, para isso é preciso se apartar da convivência com os outros! – o que em muitos casos implica em conversão, outros em re-conversão (ou re-batismo). Isso mesmo, independente dos anteriores encontros que supostamente a pessoa tenha tido com Deus, para se tornar membro da Igreja X ela precisa passar pelo crivo da “verdadeira conversão” a Jesus, na visão daquela comunidade. Mas é claro que ninguém colocaria isso assim dessa forma. Há outras formas mais politicamente corretas de se colocar, tipo (o mais comum): “É um processo que a pessoa passa para se integrar à visão da nossa igreja”.
Jonathan
(No trem, de Groningen à caminho de Amsterdam)
Depois do encontro, a pessoa passa por uma classe pré-batismal – casais que vivem juntos, mas não casados legalmente nem chegam a esse estágio, pois são considerados inaptos logo de cara – quando ela será introduzida à “doutrina” a qual passará a professar e, obviamente, será submetida à outra bateria de provas até que chegue ao batismo. Em meio a toda essa “burocracia espiritual” (alguns diriam “lavagem cerebral”), o novo crente – ou “novo” pelo menos para a Igreja X – certamente se deparará com a tão crucial pergunta: “Você tem certeza de sua salvação?”. E, evidentemente, a resposta de todo mundo é sempre “sim”. Mas minha duvida capital aqui é: e se a resposta fosse “não”, ou “não estou muito certo ainda”? Tal pessoa, assim, não estaria apta a se juntar a Igreja X? E se não, por que não? Quero dizer, que diferença faz na economia da salvação (pela graça) se sempre tenho certeza ou não? E, afinal de contas, o que significa “ter certeza”?
Bem, alguém a essa altura pode estar se perguntando: será que esse cara não sabe que a fé é “a certeza das coisas que não se vê”? Sim, eu responderia. Mas que certeza é essa, cara-pálida? Seria assim uma certeza que não admite incertezas ou dúvidas, do tipo: “tudo bem, creio na salvação, mas ajuda-me na minha falta de fé”? Tipo, às vezes penso que certas perguntas não passam de retórica barata, pois elas têm um único endereço, caixa postal, fora da qual nada é admissível e tudo está errado. Mas, ora essa, se às vezes lamento, se tenho dúvidas, se nem sempre estou tão certo, ou quem sabe convicto, mas abalado, e de alguma forma tento expressar isso, é porque (1) sou humano e (2) porque sou honesto para admitir tudo isso.
Isso significa que não tenho fé? Não. Significa que a minha fé está se fortalecendo por meio das crises. Implica que não sou um “verdadeiro salvo”? Não – afinal, qual de nós seria capaz de separar salvos de não salvos? Esse negócio de verdadeiro salvo, puro evangélico ou 100% cristão é idiotice! Esqueça isso, e se afaste desse tipo de demência espiritualista, para o bem da sua alma. Implica, eu creio, que, embora já tenha sido salvo, continuo sendo salvo de meus muitos desvios e descaminhos, e reconduzido, tal qual o pródigo, à casa do Pai pela graça de Cristo, que nunca me é sonegada, mesmo quando minha resposta for: “não tenho muita certeza”, mas sinceramente quero ter. Pois, se alguém já está plenamente certo e seguro de tudo, para que precisa de graça? O caminho para a honestidade com Deus – contra toda forma e “adestramento” – é reconhecer que não somos, estamos sendo, que não nos tornamos, mas estamos nos tornando, dia após dia, em meio a avanços e reveses, na fornalha da transformação de Deus, que não está interessado na resposta pronta de lábios adestrados, e sim em tudo o que somos com tudo que isso implica.
Jonathan
(No trem, de Groningen à caminho de Amsterdam)
3 comentários:
Oi Jon,
Gostei do artigo. Me fez pensar...
Eu suponho que estes "ritos de passagem" sao uma especie de self-preservation para as comunidades em questao, Jon. Pois, creio que o ideologia por tras algo como um "encontro com Deus" nao e levar um ser humano mais perto de Deus (se isso for realmente possivel).
Eu estou aprendendo que, ser salvo, para mim, e tentar olhar o mundo ao meu redor com os olhos de Cristo, considerar o que nao esta dentro de que considero errado, e depois tentar agir - de forma amorosa - de acordo com os ensinos de Cristo.
Um crente nao necessita uma "manual de ordens" para fazer isso; somente uma Biblia e uns irmaos da fe.
Isso e a magia do Cristianismo. A vida que verdadeirmente segue Jesus Cristo esta, pela fe, contstantamente sendo desafiado para ser ativo na sociedade, e NAO se deslocar dela e procurar um cobertor de serguranca - apresentado na forma de uma igreja cujo regime e fundamentado em (e sim, vou falar isto) uma lavagem celebral.
E sim, eu tenho certeza da MINHA salvacao!
Stu
Obrigado pelo relevante comentário, Stuart. Concordo com você que é puro self-preservation. É um programa de crescimento; para self-preservation é preciso tbém self-growth. Quanto mais inchado o frango, maio a sensação, de quem vê de fora, de que ele é suculento. Todavia, por dentro, há mais do que o frango em si, há a injeção de muito componente artificial, que agrada temporáriamente, e mata aos poucos, quanto mais se ingere.
E isso está longe de ter algo a ver com a simplicidade do Evangelho e com o caminho da Graça...
E, sim, também tenho certeza, embora, muitas vezes, cercado de muitas dúvidas...
Jon
que o "frango" do mestre Yoda não leia este post, Jon...rs!
abraço fraterno e obrigado pelo Livro...estou de encontro ao impostor que vive em mim...!
Roberas
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