sábado, 27 de setembro de 2008

Semanal de Amsterdam (IV): uma cidade secular e privatista

Não me parece mais nenhuma novidade falar em secularização e secularismo no mundo de hoje. Trata-se de um processo que se iniciou nos anos 60, e que hoje pode ser visto como irreversível. Só para colocar os “pingos nos is”, secularização é um movimento de libertação do mundo das tutelas da religião (metafísica) e das cosmovisões fechadas. Harvey Cox, que escreveu o polêmico “A cidade secular” (1965), afirma que o processo de secularização, ao invés de ser destrutivo à espiritualidade cristã, está em profundo acordo com ela. “É conseqüência legítima do impacto da fé bíblica sobre a história”. Isto, pois, segundo ele, o objetivo de Deus é o de “humanizar a história”. Por outro lado, por secularismo, se pode entender como uma tendência de transformar certos aspectos da vida em absolutos, assumindo o lugar de Deus (ex. o consumo, o indivíduo). Desse modo, conseqüência natural é afirmar que consumismo e privatismo são duas das marcas de um mundo cada vez mais secularista. (Mais sobre o assunto em: http://escreveretransgredir.blogspot.com/2008/03/sexo-alpha-dog-e-cidade-secular.html).
Esse processo tem desafiado as igrejas em Amsterdam. Falar em secularismo nessa cidade é quase um pleonasmo. Antes de minha viagem para cá, Cibele, minha esposa, ouviu de uma pessoa que havia estado aqui a seguinte impressão: “É uma cidade sem Deus”. Assim, vim disposto a observar isso. Logo, considero que: Em primeiro lugar, do ponto de vista teológico, não há cidade sem Deus. Há, sim, e esse parece ser o caso de Amsterdam, cidades em que o nome de Deus não é tão falado ou nem um pouco falado – como nos acostumamos a ver no Brasil, em cada esquina. Falar de Deus aqui certamente é uma coisa estranha. E Cox já havia sugerido, em 1965, colocar a palavra “Deus” de lado, em favor de outra designação que nos confronta na cidade secular, como “o Ser”, eu diria. Não sei se essa é a saída, mas é fato que os discursos e métodos de antes já não convencem e nem caem mais bem aos ouvidos dos secularizados. A mensagem não muda, é claro, o que deve mudar são as formas de proclamação e vivência dessa mensagem.
Em segundo lugar, isso não significa que os holandeses em Amsterdam não sejam um “povo religioso”. Pelo contrário, eles são muito religiosos. O grande lance é que a religião, mais do que nunca, tem se tornado um assunto privado. Tanto, que é difícil e truncada a relação da igreja com a sociedade. Minha impressão é que a igreja nesse país não se mete muito nos assuntos de interesse público, da sociedade civil. Há interesse e esforços missionários? Com certeza, mas esses esbarram ou têm de enfrentar essa resistência da cultura de que religião é assunto privado e não se mistura com público. Em 2004, após quase 40 anos de diálogo, houve uma unificação entre três igrejas: Igreja Reformada da Holanda, a Evangelical Luterana, e a Reformada Holandesa. Dessa fusão, surgiu a Igreja Protestante da Holanda (Protestantse Kerk). É uma igreja grande, tem 2 milhões de membros, só perdendo para a Igreja Católica. Mas, fato alarmante é que a cada ano essa igreja tem perdido 60 mil membros, e muitos deles saem para engrossar a fila cada vez maior dos chamados “sem-religião”. Esse é um ponto em comum com o Brasil, por exemplo, onde a religião que mais cresce é a dos “sem-religião”, chegando hoje a ter 10% da população.
O reino do privatismo e do secularismo substitui, portanto, o reino do coletivo (num sentido estrito) e da religião (em assuntos que tocam a vida pública). Onde está Deus nisso tudo? Como o Evangelho ainda pode ser relevante em um contexto como esse? Como deve se portar o cristão que deseja fazer diferença, como sal e luz do mundo, nessa cultura? Perguntas que gostaria de deixar no ar para reflexão, para meus amigos e amigas do caminho... Nesse sentido, concordo com Lya Luft: "pensar é trangredir"! E que a igreja não esconda mais seus talentos quando o assunto for pensar o mundo, e a si mesma em sua prática e vida no mundo.
Que o Deus da graça nos ilumine na procura por respostas...
Jonathan
(Foto: The Damsquare)

Um comentário:

Robinson J. De Souza (Roberas) disse...

A coisa não é fácil não hein brother Jon...é um duelo de dualismos que as cidades européias travam com o resquício de cristianismo, ou diária, pós-cristianismo.

Por isso, mas atento para as influências que aqui são ‘consumidas’, agradeço a Deus pelo ensino bíblico-teológico e a espiritualidade libertadora e cristocêntrica que temos vivido aqui em Londrina (FTSA, Amigos do suco de cevada e Sinuca (Belezão, PC, Jorge etc), igreja etc...).

Que possamos aqui, na fraternidade que somos, não sucumbir para as sutilezas secularizantes que envolvem todos os dias a nossas vidas. Que a graça de Jesus, que nos leva a sermos livres em nossos atos, não seja trocado por essa sutileza de pratos de lentilhas.

A parada é difícil...mas vamos em direção ao alvo...Jesus o Senhor de todas as culturas.

Abraço e o bjo fraterno

Estamos, Sici e Eu, com saudades brother!