segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sexualidade e espiritualidade: uma fusão libertadora (Parte II)

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Resulta da desconfiança mencionada ao final do primeiro post, que a sensualidade só é licita no universo das sensações espirituais, mas não no da sexualidade. Neste ínterim, a espiritualidade não pode se desenvolver na mesma casa em que dormita a sexualidade, por isso ou transportamos a espiritualidade para outro lugar – se no corpo ou fora do corpo, Deus o sabe – ou fazemos de tudo para manter adormecidos os estímulos à sexualidade, tentando anulá-la no ser. Temos, assim, de um lado, uma sexualidade desespiritualizada (neologismo) e uma espiritualidade assexuada e, como tal, desencarnada. O problema disso tudo é, de novo, que continuamos criando gente mais esquizofrênica, doente e mal resolvida, com rostos envernizados num ambiente altamente hipócrita de negação, culpa, sublimação e vigilância. E as pessoas vão fingindo que são felizes com seus casamentos sexualmente mornos, com seus namoros monitorados (até certo ponto), com suas escapadas culposas, e com a sua escolha por “esperar” o momento certo e o príncipe ou princesa encantados que Deus reservou, dentre tantos/as pretendentes no mundo, exclusivamente para elas.

Uma espiritualidade sadia, porém, começa com o entendimento de que o maior pecado talvez seja o de desnaturalizar, segmentar, segregar ou esquartejar aquilo que o Criador fez para que se mantivesse unido e declarou como sendo bom e natural. Nossa mentalidade religiosa ou teológica é tão viciada nos preconceitos culturais que somos capazes de aconselhar a pessoa (ou digamos, um casal) para que ore à beira da cama antes do coito nupcial, mas torcemos o nariz e somos moralmente judiciosos quando alguém narra a história de outro alguém que se sentiu excitado (com “tesão”) na igreja durante o louvor ou a pregação, por uma palavra um um apelo mais sensual. Isso é esquizofrenia hipócrita e desumanizante, caros/as companheiros/as!

No livro Deus e sexo (2011), Rob Bell propõe uma síntese interessante sobre a interação entre espiritualidade e sexualidade. Quando levamos em consideração a indivisibilidade prática – e menos a divisibilidade teológico-doutrinaria – do ser humano, torna-se natural e obvia esta conexão, pois elas estão juntas, queiramos ou não. Então, pensar teologicamente, agir pastoralmente e viver integramente a partir de tal junção torna-se um meio de corrigir rotas esquizofrênicas.

Primeiro, porque as histórias da Bíblia convergem para a “conexão”, de um Deus que a todo o momento deseja relacionar-se com seu povo e sua criação, mas cuja intenção nem sempre é genuinamente correspondida. Isso, devido aos muitos obstáculos criados pelo ser humano, que o conduziram ora a um relacionamento superficial com Deus, de barganha, legalismo e expectativas, ora a uma rejeição prática, à medida que se assentiu ao convite tentador da serpente para ser “como Deus”, declarando, assim, sua (nossa) independência.

Segundo, porque as pessoas de nosso tempo estão cada vez mais “antenadas” a tudo que acontece ao seu redor, e cada vez menos capazes de contrair experiências duradouras e profundas, vivendo, portanto, uma história sem raízes, relacionamentos descartáveis, vidas que não se conectam a outras vidas, e cujo sentido é, na realidade, um não-sentido, uma vez que tudo passa a girar em torno do “sentir”. Fez sentido?

A posição de Bell, todavia, é suficientemente clara: você pode, de diferentes maneiras (e o sexo é uma delas), “estar” com um número variado de pessoas e não permanecer conectado a nenhuma; de igual modo, pode-se ter uma gama apreciável de performances rituais e “espirituais” para Deus ou até gabaritar na prova de conhecimentos bíblicos, sabendo a Bíblia “de cabo à rabo”, e não saber absolutamente nada sobre Deus, visto que Deus é amor, e está muito mais interessado na intensidade de nosso amor que na quantidade de nosso conhecimento, sendo o verdadeiro saber – dádiva Divina – qualidade inerente daquele que ama, conforme Deus ama (ágape).

E o amor pressupõe conexão e profundidade. E o sexo com amor é o prazer que conecta, liberta e completa os amantes para serem um do outro e um para o outro. Não foi assim que Deus designou no princípio? Da costela do homem, Deus havia criado a mulher. Eles não apenas tinham a mesma natureza (húmus – pó – humano), mas haviam sido criados para viver em permanente conexão entre si, e com seu Criador. “Por isso, deixa o homem pai e mãe e se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne” (Gn 2.24). Uma só carne, ser, família, corpo, alma e espírito, indivisíveis!

O sexo é uma dessas bonitas e benditas expressões da sexualidade. Duas pessoas diferentes e especiais se unem; seus corpos se tocam, se interpenetram; de duas carnes, uma só se faz. E a conexão não está apenas nos corpos que se juntam, mas nas almas que se encontram (onde está o corpo está a alma). Assim, pode-se dizer como a mulher no Cântico dos Cânticos: “Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu”. E assim se completa o desejo do Senhor: pela realização do ser humano, como mais fina expressão de seu amor e presença Nele e com Ele. Logo, esse amor não pode ser algo abstrato ou virtual, como um beijo que se manda pelo Skype, ou uma mensagem pelo Facebook. Mas é a presença de Deus reverberando em nós, através de relacionamentos vivos e reais entre pessoas de carne e osso; é o Deus-concoso-aqui-já-sempre.

O pecado, portanto, não habita na sexualidade ou no sexo em si, nem em nada que lhe diga respeito. Ele habita, sim, no ser indivisível. Enquanto o ser estiver corrompido, todas as suas relações também estarão. O amor, por sua vez, é o “vínculo da perfeição”, como diria João. Onde houver amor, haverá o sólido convite e possibilidade para que vivamos a plenitude de Deus com alegria, gozo e liberdade, como expressa a célebre frase de Agostinho: “Ame e faze o que quiseres”. Sem amor nada somos e tudo o que fazemos torna-se sem sentido, parte de uma precária provisoriedade.

(Continua…)

Jonathan

Um comentário:

Anônimo disse...

Jonathan, sou jovem e vítima do "Escolhi esperar em Deus". Estou muito triste porque fui criada no evangelho, e não consigo arrumar namorado de jeito nenhum. Não que não apareça e sim porque eu não transo antes do casamento. Minha família é tradicionalmente religiosa e um desvio meu colocaria a honra da família na lama. Mas estou muito angustiada comigo mesma. Me sinto um objeto, Jonathan. Penso que se eu tivesse um papo agradável, os homens se interessariam por mim e não pelo sexo. Recentemente conheci 2 rapazes que já na primeira conversa queriam falar de sexo. E nem pretendiam se casar nunca! Eu admito que morro de medo daquelas maldições pregadas como castigo pra quem transa fora do matrimônio. A culpa por ser humana me consome. Os dias hoje estão ruins pois ninguém mais se preocupa com cultivar relacionamentos. E sabe de uma coisa? Vc raramente ve na biblia algum diálogo ou cumplicidade que nao seja sexo entre casais. Ja reparou? A biblia nao relata dialogos de amor (exceto Cantares), de cultivo do relacionamento. So se ve o "e entrou a ela", "e foram pra tenda". Isaque nao bateu papo com Rebeca. Foram direto transar. Seria hipocrisia minha reclamar q os homens so querem sexo se a propria biblia nao relata relacionamentos? O livro de Cantares é diálogo. Sexual. Pura e unicamente. Vc nao ve os caras batendo papo, so transando. Ja reparou?? O que vc me diz??