segunda-feira, 26 de maio de 2008

Abertos para um balanço (I)


Não há quem nunca tenha se deparado com o seguinte enunciado: “Estamos fechados para balanço”. O mesmo define uma situação, um sentimento, um “estado de espírito”, uma atitude resultante dos finais de ano ou de um período de longa duração. Para muitos, o ato de “fechar-se” supera o mero simbolismo, posto que representa uma auto-avaliação, uma autocrítica; é quando o voltar-se para si ganha lugar em nossa quase sempre curta, mas repleta, agenda de compromissos e atividades mil. Empresas, instituições, organizações governamentais ou não, públicas ou privadas, também costumam “fechar” para um balancete anual. Muitas pessoas igualmente adotam tal postura em relação a si mesmas, visando uma revisão do que passou e um planejamento do futuro.

Nossa agenda durante o ano todo já parece ser tão autocentrada, que a atitude de “fechar para balanço” torna-se, com efeito, irônica e redundante. Como seria possível ser ainda mais recluso do que quotidianamente temos sido? Olhares indiferentes, “bons dias” fracos e sem vida, conversas superficiais, relacionamentos sem sabor, sem cor ou estórias pra se contar, e outras características mais atestam a reclusão num universo onde só existe espaço para os meus interesses, meus propósitos, meus planos, meus desejos, meus valores, meus problemas, meus, meus, meus... O ditado que afirma: “nenhum homem (mulher) é uma ilha”, carece de uma sincera revisão.

Ora, com o inevitável avanço das comunicações, pode-se dizer que estamos envoltos por uma “rede” de relações múltiplas, pessoais ou não, e, assim, seria falso afirmar que as pessoas são ilhas. No entanto, mesmo envoltos por esta “rede” e, por isso, não estando tão “ilhados” em relação às coisas externas, internamente construímos nossas próprias “ilhas”, à medida que escondemos, nos recônditos mais profundos de nosso ser, pensamentos, sentimentos, dores, frustrações, alegrias, percepções da vida, isto é, coisas boas ou ruins que preferimos omitir ao mundo exterior, temendo talvez a crítica e, por conseguinte, o julgamento e o desprezo. Esta reação, que Paul Tournier chama “reação fraca”, não deixa de ter uma certa lógica, visto que a “imagem” é um dos grandes ídolos de nosso tempo: “Imagem é tudo”, ser não é tudo. Assim, tais reações refletem muito mais uma tendência gradual que uma necessidade propriamente dita.

Continua...

Jonathan

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