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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Sexo: ama e faz o que quiseres!


Para você, leitor/a, que “chegou agora”, um aviso: este texto é um pós-escrito de minha “Carta a um jovem casal sexualmente ativo”, uma tentativa de responder a alguns dos questionamentos e críticas que recebi. A gente gasta certo tempo pensando e escrevendo antes... Se o assunto é "sexo", certamente gasta bem mais tempo respondendo às reverberações e regurgitações depois – até aí tudo bem, diálogo é bom, e a gente, no fundo, escreve pra ser lido; o problema é a natureza e a belicosidade de algumas das respostas. Se pensar e hesitar demais, chegará à conclusão de que melhor é não escrever. É preciso de um pouco de coragem e de um pouco de insanidade (além de um bom colete à prova de balas) para escrever sobre isso em um ambiente cercado de pessoas armadas até os dentes, parece que ávidas à espera de quem será o próximo "indecente" a se aventurar a tratar do tema. Incrível a tácita e reprimida fascinação pelo assunto entre religiosos, não? E pergunto como é que podemos manter por tanto tempo a sexualidade como centro e pedra sagrada de "nossa moral"? E por quanto tempo ainda iremos fingir que o atual estado de coisas não pode, de modo algum, interferir nem alterar o modo como há séculos temos pensado e agido (ou não pensado nem falado, mas muito "agido")? Sabiamente disse certa vez o caro amigo e mestre Julio Zabatiero: "Pecado não é fazer sexo, pecado é falar sobre sexo".

Minha relação com o tema não é contratual nem polêmica (embora o tema seja); é uma relação de curiosidade e inquietação, por entender que foram muitos anos de uma ditadura teológica explícita sem sair do lugar comum das mesmas afirmações, nem sempre com a devida base e seriedade. Acho no mínimo curioso que se celebre tanto e se aceite passivamente posições previamente assumidas simplesmente porque, por muito tempo, cristãos, ao longo de séculos, sustentaram-nas como sendo verdadeiras. Devemos levar isso em consideração, é claro. Mas não nos esqueçamos de que: em primeiro lugar, elas são interpretações da Mensagem, e não o espelho da própria Mensagem e; em segundo lugar, que nem todos os cristãos, em todas as épocas e lugares, pensaram de uma única forma sobre o sexo. O que questiono no artigo provém, majoritariamente, de uma visão cristã ocidental e, sobretudo, do evangelicalismo norte-americano. Admiro quem se dispõe a nadar contra a maré, toma o tema a peito e resolve dar a cara à tapa por admitir outras interpretações – daí meu interesse e apreço por Robinson Cavalcanti, embora pense que muito do que ele disse precisa ser revisto e não apenas revisitado. Descer a lenha em que pensa, ou, como disse Kierkegaard (em 1844, referindo-se à sexualidade), "fazer de censor, é demasiado fácil; extrair daqui sermões, passando por cima da dificuldade, não é menos doentio; mas falar sobre o problema de maneira verdadeiramente humana, eis o que constitui toda uma arte". Assim, minha intenção, ao escrever o texto em questão, foi expressar (artístico-humanamente) o que penso e provocar o pensar, desde um lugar de liberdade. Agora, sei bem que a liberdade tem riscos e que ela incomoda mais que as celas de segurança com as quais estamos bem habituados. Todavia, quem tem boa vontade e desejo de aprender e não somente reafirmar o que supostamente já sabe (porque "é a verdade", segundo ele/a) e polemizar, jogar pedras ou interpretar como bem entende – minhas intenções, meu texto e seja lá o que for – mesmo que não concorde, compreenderá que ideias são lançadas para serem discutidas, revisadas, criticadas, porque provisórias.

Talvez um jeito de evitar o “perigo” que tantos temem em falar do tema a partir desse lugar é criando uma espécie de censura para abordagens como essa, o que acham? No começo do artigo, colocar o seguinte aviso: "Proibido para pessoas não maduras na fé!". Só fico me perguntando: como esperamos que essas pessoas amadureçam? Prosseguindo com a “boa e velha” homeopatia bíblica? Conheço inúmeras igrejas que adotam esse sistema e nem por isso houve alguma progressão ou abandono do estado de infantilidade. Natural, afinal, também tenho aprendido que a liberdade, embora se destine (como vocação) a todos os humanos, não será acolhida e nem perseguida por todos. Mas, se queremos que as pessoas deixem de ser infantes, paremos de tratá-las como tais. Meu texto é muito claro sobre o contexto de amor e responsabilidade que demandam uma relação e os efeitos negativos que a relação sexual pode gerar em alguém (aspecto ignorado por muitos, que preferem se centrar apenas no que é periférico e atacável no texto). O grande problema de alguns de meus leitores, mais ou menos enraivecidos com o que proponho, é que não coloco um "ponto final", não determino a regra, mas instigo a que cada um cuide e zele por si mesmo, afinal é a Deus e somente a Ele que prestaremos contas de tudo.

Diante dos questionamentos que recebi de um pastor no facebook, a partir do clássico Cristianismo puro e simples, de C. S. Lewis, voltei ao livro para recordar algumas coisas. Lembro como em minha adolescência, depois de ter sido bombardeado por Jaime Kemp, esse livro, e seu capítulo sobre a moralidade sexual, me foram importantes. Sobretudo em duas coisas que ele diz: (1) Que Deus conhece nossa situação e não nos julgará como se não tivéssemos dificuldades – o contexto opressor em que vivia foi incapaz de me dizer isso; (2) Que a sexualidade (dimensão animal) não é, para ele, o centro da moralidade cristã, e sim o orgulho (dimensão diabólica) – que ele define como o mais completo estado da alma anti-Deus. Não poderia estar mais de acordo, até hoje. Lewis foi o primeiro a me fazer pensar, logo cedo, que havia algo de doentio talvez em nossa persistência em tornar a sexualidade o centro da moralidade, coando mosquitos e engolindo camelos. Mas, enfim, ela é importante, e ainda resta a opinião clara e central naquele capítulo de que a castidade pré-matrimonial é uma regra clara e inegociável. Pois bem, minha pergunta é simples: se essa é "a regra cristã", quem foi que transformou aquilo que claramente é uma interpretação possível em a única interpretação possível? Porque se é a única possível e incontestável, não posso chegar a outra conclusão senão a de que estamos confundindo absolutos da Mensagem com absolutos da cultura, seja ela religiosa ou não.  

O casamento, por exemplo, faz parte da intenção criativa do Criador desde o princípio, como relatado em Gênesis e não questiono isso. O que questiono são os formatos, as circunstâncias historicamente situadas, o padrão cultural que absolutizamos. Creio que precisamos repensar o casamento (as formas) e as circunstâncias prévias a ele (caso a caso, consciência por consciência), em que o sexo não tem que ser, necessariamente, uma coisa impudica e condenatória. Precisamos ir além de Lewis, que claramente não se debruçou de modo intenso sobre o tema (e quem o fez até hoje?). Ele foi um homem de seu tempo e escreveu em resposta aos desafios daquele momento. Estaremos nós com honestidade, discernimento e coragem dispostos ao mesmo? Sempre haverá muitos "ses" e "poréns" a um assunto tão complexo. E encaro minhas opiniões como sendo tão provisórias e em construção quanto eu mesmo. O que não dá, pelo menos pra mim, é para fechar questão. Estamos apenas começando, ou prosseguindo, como queiram.

Meu ponto principal é, e sempre foi, o seguinte: sexo, para ser canal de vida, precisa ser feito dentro de um contexto de amor e responsabilidade, em que ambos carregam bônus e ônus das decisões que tomam. Aqui, a meu ver, cabe bem a frase de Santo Agostinho: “Ama e faz o que quiseres”. O amor liberta, mas também cuida, zela com responsabilidade pela vida do/a amado/a em todas as coisas. E o contexto em que isso se dá de modo mais intenso, mesmo que antecipadamente, é sem dúvida um casamento (talvez um pré-casamento, nestes casos): um relacionamento estável, sério, comprometido e que se quer de longa duração. Sempre me questionam que esse relacionamento pode acabar; então, este casal terá casado "de fato", mas não "de jure". Para mim, o que conta, biblicamente falando, é o casamento de fato. O casamento de jure é mais um testemunho público (esse termo justifica melhor que o de uma "satisfação pública") do amor e aliança do casal, tendo a "benção" da igreja e da sociedade (a de Deus sempre vem antes, desde a criação e, mais especificamente, quando o compromisso do casal é seguido ou precedido do compromisso com Deus). Agora, conheço tantos e tantos exemplos de casamentos malogrados no primeiro ano, no primeiro semestre, no primeiro mês, simplesmente porque casar de jure, nestes casos, muitas vezes, não passou de "um abençoado erro".

O que para mim não faz o menor sentido é dizer que isso é melhor ou diferente dos casos de casais comprometidos, que resolveram "aprofundar" a relação, casando-se "de fato" e, mesmo que intencionalmente querendo algo que dure, terminaram. Não é licença para que isso aconteça sempre, mas faz parte da vida, pode acontecer e acontece. E não vejo como sendo bíblico, tampouco como cristão, o peso de condenação infernal que no cristianismo se tem colocado sobre pessoas neste tipo de situação (não estou especulando, conheço inúmeros casos em que isso se aplica); aliás, isso é desumano e hipócrita para falar o mínimo.

Aqui cabe um esclarecimento: o uso que faço do termo “hipócrita” é sinônimo para farisaico; hipócrita é a im-posição – que parte do pressuposto de que eu tenho o que é preciso para “ser espiritual e crente”, enquanto o outro não, quando, no fundo, ninguém tem. Muito melhor é o sustentar plural de certas posições, sejam elas conservadoras ou não. Que fique claro: meu problema não é com ser conservador, o conservadorismo precisa ser respeitado; a hipocrisia (inclusive a que me ronda diariamente), denunciada. Penso que qualquer posição pode ser sustentada (e é nosso dever garantir o espaço democrático em que possam ser ditas e defendidas); o problema é quando ela tenta se sustentar pela via (por natureza, excludente) do moralismo, do sanitarismo, da purificação da raça. Aí pra mim reside todo o problema. Enfim, mas o que acabo de citar acima é um contexto de relacionamento apenas, dentro de um assunto para lá de complexo.

O que quero mesmo é continuar escrevendo, com honestidade e responsabilidade a respeito, e sei do grande desafio que me espera. Concordo com, e acolho tranquilamente, o que alguns amigos e críticos já me alertaram, há algum tempo: isso passa por um aprofundamento bíblico inclusive, explorando textos e contextos diversos, o que também pretendo fazer. O que não posso endossar é essa visão de “bíblico” que alguns dos que me interpelam severamente (às vezes me chamando de liberal, humanista e até pondo em cheque a razão de minha fé) apresentam: uma colheita de versículos bíblicos retirados de seu contexto e que, mesmo genericamente, devem embasar o todo de nossa moralidade, mesmo que não tratem especificamente de sexo ou da sexualidade humana. Quem espera isso de mim, está perdendo seu tempo. Duas coisas curiosas: 1) muitos dos textos bíblicos utilizados para refutar minha carta, de fato, nem sequer falavam de sexo; 2) a mesma lógica utilizada para captar frases bíblicas e aplicá-las na discussão foi utilizada com meu texto, extraindo frases fora de contexto para gerar pretextos. A isso me refiro quando digo que falta honestidade intelectual em nossa abordagem a este e a outros assuntos.

Ademais, confesso que me sinto um pouco ridículo tem horas, parecendo ter que discursar sobre um tema no século XXI para pessoas com uma cabeça que beira o medieval. Preciso vencer a tentação de desconsiderá-las, ao mesmo tempo em que tento não me amarrar por causa delas – afinal, não dá para querer ser autêntico e agradar a todo mundo ao mesmo tempo, especialmente os do “mundo evangélico”. É difícil, como difícil é lidar com a própria igreja nestes termos. Mas vamos em frente com a graça de Deus, nem que dando marretadas no ar e acertando a própria cabeça. Afinal, antes perder a própria cabeça que arrancar a do outro por causa das ideias que ali dentro borbulham. Agradeço pelas intervenções, agradáveis ou desagradáveis, que recebi em função desse texto. Me ajudaram e me ajudarão a continuar pensando...

Jonathan