Poderia iniciar o ano cheio de planos, projetos, fôlego renovado, e muita vontade de fazer uma série de coisas diferentes do que fiz no passado. Há muito por fazer nesse ano, não muito diferente do que foi no ano passado; tenho sonhos bons e projetos fascinantes pela frente. Por isso, penso nisso sim (sem um pouco de luz, quem sobreviveria?); mas, agora que dei um tempo na urgência do “fazer”, tenho pensado em outras coisas, tais como velhos modos de ser que se perpetuam inadvertidamente ano após ano, em relação aos quais as festas e ornamentações rebuscadas de fim de ano tentam me manter distante, mas não conseguem...
E o que me faz nesse tempo de grande euforia, misturada com calmaria, arrazoar a esse respeito? Sei lá, talvez uma compulsão estranha por balanços, avaliações, conversas com a alma, fruto de uma inquietude que não se afasta de meu ser, mesmo quando estou “fora do ar”. Tem gente que prefere não falar, outros preferem ignorar, outros quem sabe são tão relaxados com tudo, que não veriam nada de errado em coisa alguma; todas as coisas são como as rosas. Pode ser; só que minha tendência é pensar: rosas também têm espinhos. E espinhos são coisas que machucam com o toque; espinhos na carne.
Quando vivo tempos de grande alegria e tranqüilidade penso na bondade, experimento a graça divina nas pequenas coisas, expressão do cuidado paternal. Em meio a isso tudo, ainda me encontro com os tais espinhos na carne. Parece que, não obstante impere o espírito de descanso, meus erros infantis não tiram férias. Pode alguém fugir da parte de si mesmo que mais detesta? Acho que não. Paulo estava certo: o mal que eu detesto, esse eu faço; e o bem que eu prefiro, esse eu não faço. E o estranhamento que às vezes paira, é semelhante ao do salmista: “Por que estás abatida, oh minha alma, por que te perturbas dentro de mim?”. Ano novo, velho jeito de ser. Não fossem as misericórdias, que se renovam, e a graça (que eu quero continuar a crer que me basta), o que restaria? Nuvens, neblina, vaidade...
Ao mesmo tempo, resolvi há certo tempo, que nada de humano me seria mais estranho. Então por que agora estranho esse meu modo humano, “demasiado humano” – Kierkegaard diria “paradoxal” – de ser? Às vezes penso que sofro da síndrome de coerência – e quem é capaz, por mais que tente, de ser coerente o tempo todo? Então oro pra que Deus me ilumine rumo a uma vida coerente, e que Ele me livre das máscaras de uma falsa e pretensa coerência. Quero consistência, abomino a mera superficialidade. Quero aprender a viver um dia de cada vez, e dar tempo para que os velhos cacoetes, produzidos pelo pecado que habita em mim, entrem no estado de progressiva partida, ou que pelo menos possam ser controlados, no alvorecer da maturidade e do progresso na fé, em relação ao qual não desejo ficar estagnado, jamais.
Nesse ano novo, graças a Deus, e em nome da sanidade, ainda não me encontrei com as falsas promessas e esperanças, muito menos com agendas que nada têm a ver com a realidade e com o que sou; encontrei tão somente a mim mesmo, nu diante do espelho de velhas confissões, e mais nu ainda diante de Deus – quem poderia fugir de sua presença? – imerso em migalhas não sistemáticas do pensamento, frangalhos de sentimentos, porém, ainda confiante de que a graça me basta! Porque quando sou fraco, então é que sou forte. Acima de tudo, muito mais do que não ignorar a voz às vezes confusa da alma, não quero ignorar a voz do Pai, que não me abandona nunca: “Hoje, se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração como foi na provocação, no dia da tentação do deserto” (Hb 3.7).
Jonathan
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