segunda-feira, 25 de maio de 2015

Tempus Fugit: Tudo é fumaça!

SmokeHoje... O “hoje” foge, escapa na esteira do imediato. Esse hoje me remete a tantas coisas que foram e ainda são, que deveriam ser, mas não são, que persistem enquanto deveriam estar mortas a essa altura. Alguns exemplos óbvios: hoje não estamos interessados mais em debate, mas em mandar recado; não desejamos mais nos aprofundar nos pensamentos, mas em consumi-los quase que antropofagicamente; não mais apreciamos criticamente o olhar do outro, mas o reduzimos a um "gostei" ou "não gostei"; não produzimos textos, mas opiniões do tipo "love it" ou "hate it" - e o "lover" de hoje pode muito bem se transformar no "hater" de daqui a pouco, afinal, não é tanto uma questão de conteúdo, mas de semântica, não tanto de caráter, mas de aparência. Chegamos ao ponto de jogar fora o carinho e respeito pela pessoa em função de sua forma de pensar.

Não falamos francamente, mandamos uns "torpedos"; emulamos amizades com milhares pelas redes, enquanto nas teias de nosso inominável “ser interior” permanecemos profundamente sozinhos; hesitamos em deixar as claras as regras do jogo nas relações pessoais e institucionais, preferimos comentar nos bastidores (falar “por trás” mesmo) como fulano "é errado", como "está fora do prumo", como está longe da "nossa visão". É, minha gente, se pensarmos bem, mas bem mesmo, nos acharemos no mesmo poço escuro e fundo que o sábio de Eclesiastes se viu há milhares de anos e, com ele, honestamente e tragicamente poderemos concluir: "vaidade de vaidades, tudo é vaidade e correr atrás do vento". O ato mais heroico e mais humano que alguém pode fazer por si mesmo hoje é lutar para manter sua integridade enquanto os “demônios do hoje” lutam, nos muitos balcões da vida, para vender a sua alma – com ou sem a sua anuência. Tempus fugit... viver (e deixar viver) é preciso!

Jonathan

sábado, 9 de maio de 2015

Homossexualidade: saindo de meu armário teológico


Homossexuais. Que seres tão incompreendidos, não é mesmo? E por isso, mal julgados, maltratados, malvistos... Infelizmente, a cada dia comprovo que nossa sociedade, de modo geral, o que inclui os cristãos, não está preparada para lidar com essas pessoas e, portanto, não as trata como pessoas, mas como doentes, depravadas, indignas. E a homossexualidade não é uma doença (por isso o termo “homossexualismo" deve ser evitado), mas uma condição: não almejada nem desejada por ninguém que realmente seja um homossexual, assim penso, afinal, primordialmente, não se trata de uma escolha. E muitos sofrem por serem assim, exatamente pela rejeição e o julgamento que têm e terão de lidar hoje e para o resto de suas vidas. Sim, porque, se consentimos que não é "doença", logo é absurdo buscar uma "cura".

Henri Nouwen, meu grande herói na literatura, era padre e era homossexual, viveu assim e morreu assim – mesmo tendo optado por não se realizar sexualmente, por força de sua vocação sacerdotal – e efetivamente, nada do que penso e sinto sobre ele mudaria se o contrário fosse verdade. Mas ele sofreu as consequências dessa escolha, e como sofreu. Quem não sofreria? Você não sofreria, supondo que seja hétero, se alguém chegasse hoje e dissesse que o universo e a história toda estavam errados? Que a ordem da criação (ou da evolução) da sexualidade humana é uma mentira, e que a verdadeira ordem natural (divinamente aprovada inclusive), é a homossexual? Então você teria de suprimir seu desejo por homens (ou mulheres), e eu, de suprimir o meu por mulheres. Parece absurdo, mas é uma forma bem tosca, mas enérgica, de se imaginar no lugar dessas pessoas. Que coisa mais destrutiva de fé, de corpo e de alma esse negócio chamado de "cura gay"! Quantas pessoas não se alijaram da fé por conta dessa falsa crença – não falsa crença no poder de Deus em si, mas em que são doentes e que só Cristo pode curar. Mas e quando não “cura”, como em muitos casos que conheço de pessoas que oraram por longo tempo, buscaram ajuda, participaram de campanhas, foram a psicólogos, fizeram tratamento médico e até tomaram remédios? E quando supostamente a pessoa se cura, e  passa a ter relações heterossexuais ou então se tornar celibatária, mas o desejo homossexual permanece lá, vivo e caliente? Se a homossexualidade é uma condição, como os muitos estudos existentes e uma observação atenta da realidade me fazem acreditar, então não faz sentido nenhum falar em "cura gay".

Então, você pode estar pensando: "O que nos resta, como cristãos", caso queiramos sair de nossos armários teológicos e doutrinários previamente estabelecidos sobre o assunto? Em primeiro lugar, e o passo mais óbvio, é o de que precisamos amar, sem perguntar nem quem, nem onde, nem por que, nem quando, nem de que jeito. É isso que Jesus me ensina a fazer, como alguém que amava sem condição e abraçava sem perguntar nada. Deixe as perguntas e as tentativas de respostas para depois. Em segundo lugar (pensando aqui que você vive em um ambiente conservador, onde não se discute, apenas se determina qual é a “visão correta”), quando esse momento chegar, procure um pequeno grupo de orientação e reflexão (se ele não existir, crie) onde o assunto possa ser discutido com liberdade de mente e coração, com abertura, sem julgamentos, utilizando as mais diferentes ferramentas de leitura existentes, o que inclui uma leitura e exegese séria dos textos bíblicos que tratam do assunto. Para mim, é relativamente claro que estes textos (como em Levítico, Romanos, 1Coríntios, etc.) literalmente proíbem práticas homossexuais em tais e/ou quais circunstâncias historicamente dadas dentro de contextos culturais específicos. No entanto, me parece temerário defender que estes mesmos textos deem base para: (1) tratar a pessoa homossexual hoje como doente ou depravada – até porque, via de regra, nestas passagens são homens e mulheres heterossexuais deitando-se com outros (e outras) pessoas heterossexuais e, na maioria das vezes, em práticas de culto orgiástico, que, na tradição veterotestamentária, feriam o princípio do culto ao único Deus, Javé ou, como no caso de Sodoma e Gomorra, desobedeciam à lei de hospitalidade a estrangeiros; (2) nem falar em "cura gay", como já enfatizei; ou (3) condenar a condição natural de ser homossexual – mesmo porque provavelmente na antiguidade existiam muitos homossexuais (tanto quanto hoje), mas pouco se sabia sobre a homossexualidade enquanto condição, até porque o conceito de homossexualidade sequer existia. Por que será que Jesus não dirige uma palavra sequer sobre essas pessoas nos evangelhos? E por que Paulo se preocupou, mais que Jesus, com essas práticas orgiásticas de homens com homens, mulheres com mulheres? São perguntas que precisamos fazer, dentre outras, ao abordar o tema biblicamente – e aqui não me estenderei mais a respeito, pois não é o propósito desse breve desabafo. Ademais, precisamos lançar mão do que têm asseverado os psicólogos e cientistas que têm se dedicado a estudar o assunto, uma vez que há tantas pesquisas a respeito, e tão poucas conclusões definitivas sobre isso. Realmente, este assunto ainda dará muito pano para a manga; basta que estejamos interessados em saber mais, saindo de nosso pequeno armário preconceituoso, despótico, autoritário e superficial de julgamento, sobretudo no campo da religião e, mais ainda, do cristianismo.

Minha posição atualmente é a seguinte: quanto à questão teológica, posso dizer que, até agora, não vejo razões na bíblia que claramente me dão base para justificar e embasar a prática homossexual em si – e sinceramente, não é preciso, pelo menos não para mim. A questão não é essa. Não existe a homossexualidade, ou a prática homossexual, fora da pessoa. Então a questão é: biblicamente falando, posso deixar de amar um/a homossexual ou qualquer pessoa que seja? E não um amor cheio de imposições e “senãos”, como muitos oferecem, dizendo coisas do tipo: "ah, amo você, mas não o seu 'pecado" (dá pra separar?); "você é bem-vinda em nossa igreja, pode frequentar, mas não pode batizar e nem se tornar membro" (que oferta irrecusável, não? Jesus deve se orgulhar muito dessa). Não, queridos/as irmãos e irmãs. Amar é abraçar; é dizer "você é bem-vindo/a aqui", é dizer "você é um/a filho/a amado/a do Pai, e por isso é minha irmã, meu irmão”; você, que ama ao Senhor, é parte desse corpo e, portanto, seus dons e talentos são bem-vindos aqui. Como costuma dizer um amigo, “quem chama a Deus de Pai não pode escolher irmãos”. Afinal, o que é mais importante, acolher a pessoa em serviço e amor sincero, ou arbitrar sobre com quem ela dorme ou deixa de dormir? E quem é que pode garantir que os "santificados" heterossexuais da igreja dormem com pessoas a quem amam, por quem prezam, e das quais cuidam, como dizem que fazem? O que torna essa pessoa "autorizada pra entrar aqui", e a outra, homossexual, que tem um/a parceiro/a a quem ama, preza e cuida e é fiel, inapta para o reino de Deus? Aliás, quem é o/a “apto/a” para isso? O reino de Jesus, tal como o evangelho me mostra, existe exatamente para pessoas não aptas, desajustadas, pecadoras; ou, parafraseando Brennan Manning, para a “turma da auréola torta”, e não para a turminha angelical da “auréola apertada” (os fariseus e saduceus que o digam). Sério mesmo que vamos continuar achando que estas pessoas são pecaminosas e ignominiosas, condenáveis por assim dizer, enquanto o presbítero, casado e hetero, ministra a ceia na igreja, mas não deixa de olhar para a calcinha da irmã aparecendo na saia curta, e depois se masturba ou transa com a sua mulher pensando nela? E não venha me dizer que isso não acontece!

Eu, porém, não ouso dizer nada mais além de: "tem misericórdia de mim, Senhor, porque sou falho, não merecedor e não apto". Sendo pecador, ainda que não viva no nem para o, mas eventualmente caia em, pecado, como posso julgar ou condenar meus irmãos e irmãs humanos/as? A mim mesmo me condeno se o fizer, como disse Jesus no Sermão do Monte. Sei que provavelmente muito do que tenho dito aqui você preferia não ouvir assim, não concorda, queria mais “embasamento” ou talvez não pediu para que dissesse. Honestamente, não me importa, isto é um desabafo. E hoje falo assim, não porque acredite que a igreja ou a sociedade estão preparadas para isso, nem abertas para o diálogo e a escuta – na verdade, penso que elas nunca estarão de fato, ou isso está deveras longe de acontecer. Posiciono-me assim, por convicção de fé e humanidade, e pela certeza de que há muita gente sofrendo e até morrendo por essa causa, pelo preconceito, a rejeição, a discriminação e a violência bárbara, física ou verbal, material ou simbólica.

No fundo, é nessas pessoas que penso, e não nos crentes fundamentalistas; são essas pessoas que importam, e não seus detratores e abusadores. E estas pessoas não podem esperar mais para serem ouvidas, amadas, abraçadas; não podem mais ter seus direitos humanos negados; não podem mais orar e esperar pela mudança de visão e coração dos cristãos, dos políticos, da sociedade, enquanto nada muda. Estas pessoas clamam pelo direito de ser gente e de ser quem são. E como cristão, minha missão não é outra senão a de lutar para que sejam, para que possam, para que alcancem esse direito – independente das querelas teológicas improdutivas que gravitam ao meu redor sobre o assunto, às quais não dou mais a mínima. A questão homossexual só deixará de ser uma questão e deixará de ser urgente, quando o amor, a justiça, a igualdade, os direitos e a liberdade se fizerem realidade concreta em nossas vidas. Enquanto isso não acontecer, decidi que não posso e que não vou mais me calar a respeito: decido sair do armário de minhas “médias ponderadas evangélicas”, de minhas posições razoavelmente confortáveis, a fim de clamar pelo direito de gente oprimida, gente pela qual Jesus entregou sua vida.
Jonathan