sábado, 24 de janeiro de 2009

Não os tires do mundo...

Precisamos saber como aproveitar essa abertura das pessoas do mundo pós-moderno às experiências místicas para propagar por palavras e obras a verdadeira mística cristã, que não se encontra na negação de nossa humanidade ou na busca de um mundo ilusório da transcendência, ou de uma antecipação do céu aqui na terra, mas que se funda em um enigma real e objetivo na história: o mistério da encarnação de Cristo. A proposta do filho encarnado é de ressurreição e vida, mas também de libertação da matéria, de gente de carne e osso, que sofreu e sofre as mazelas e limitações dessa existência.

Algumas pessoas na igreja costumam ensinar, fazendo alusão à relação do cristão com o mundo que o cerca, que joio e trigo não se misturam, mas devem ser “separados” um do outro, a fim de que não se confundam. A pergunta é: quando é que eles se confundem? Obviamente quando o trigo não produz frutos. Produzindo frutos, o trigo naturalmente se diferencia do joio.

Como disse Caio Fábio, "As armas dos trigos não são como as dos joios. Os joios vão na força do estelionato, das mascaras, das aparências, das imagens, do poder de controlar, e, sobretudo, da mãe de todos esses males, que é a hipocrisia. O negócio do joio é parecer e aparecer. Mas não é... O trigo, porém,precisa combater dando muito fruto, e, para tanto, não tendo medo de morrer; pois, se não morrer, fica ele só, mas se morrer, aí sim, produz muito fruto. Se os seres trigo da terra decidissem viver sem covardia, mas com poder, amor, e moderação — nenhum poder no planeta seria mais forte do que esse".

Ora, joio é erva daninha e a presença de ervas daninhas no campo é normal. Vejam que na parábola do joio (Mt 13:24-30), Jesus passa a rever o modo de testemunhar a vinda do Reino de Deus e o julgamento final. Ali, temos a descrição de cada personagem e seu significado preliminar, posteriormente revelado por Jesus (v. 36-43): o homem (Jesus), o campo (mundo), o dono do campo (Deus Pai[1]), a boa semente (filhos do Reino), o inimigo (Diabo), o joio (filhos do maligno), e a colheita (fim desta era).

Desde a entrada do mal na existência, o campo tornou-se habitação natural do joio. O joio só se sabe como tal não por causa da boa semente plantada no campo, mas por causa de seus frutos (trigo). O joio só aparece onde há trigo, assim como o trigo só cresce porque está no meio do joio. O joio tem raízes fortes e, ao arrancá-lo, corre-se o risco de arrancar junto com ele o trigo, por isso o dono do campo ordenou aos servos que não o arrancassem (v. 29). “É impossível eliminar o mal sem o dano do bem. No reino é preciso tolerar a presença do bom e do mal, como Deus tolera a criação (Mt 5:45), respeitando a liberdade dos homens” (Mateos e Camacho).

Conclui-se que um isolamento só pode ser prejudicial para ambas as partes. O fruto que nos diferencia do mal do mundo (mas não nos separa), na verdade, é o amor, que é o elemento reconciliador subversivo do Reino de Deus. Amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. O Reino de Deus amplia nossos horizontes de esperança e nos vocaciona para a vivencia já, hoje, da “liberdade da glória dos filhos de Deus”, redimindo-nos e aos nossos semelhantes do cativeiro da corrupção do pecado (Cf. Rm 8:21). E isso só se dá quando nos abrimos para o outro sem esconder nossa própria humanidade, oferecendo-nos como somos, em amor, como instrumentos de propagação de justiça, equidade, solidariedade e paz, ou seja, das marcas visíveis, ativas e concretas do reino, que não estão confinadas à circunscrição da igreja.

Nossa missão, desse modo, não consiste na “eclesiastização do mundo”, parafraseando Jürgen Moltmann, mas em fazer desse mesmo mundo, através de pequenas, mas revolucionárias, ações, um lugar cada vez mais parecido com o reino de Deus, como uma futuridade-presente e transformadora.

Nota

[1] Na interpretação da parábola, Jesus não faz essa identificação, que na verdade está implícita na idéia dos servos do dono do campo remetendo-se a ele (v. 27).

Jonathan

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