“O meu corpo e o meu coração poderão fraquejar...” (Salmo 76.26).
Não ter com quem realmente contar diante das “más notícias” da vida é uma fonte de grande angústia para qualquer ser humano com um mínimo de sensibilidade. Às vezes nem entre alguns amigos, certos membros da família, da comunidade, e colegas de trabalho menos ainda, contamos de fato com alguém. Por quê? Porque está cada vez mais difícil encontrar companheiros/as para a hora da dor em uma sociedade que consagra a vida indolente, feliz e, de preferência, sem grandes dilemas, principalmente aqueles para os quais não temos resposta nem tampouco paciência para lidar. Falar em depressão, transtornos, fraquezas, bipolaridades ou neuroses com esse tipo de gente é o mesmo que lançar pérolas aos porcos – se bem que os porcos, por razões óbvias, não julgam nem têm preconceitos semelhantes aos que, diariamente, vemos especialmente no meio religioso.
Não escrevo para demonizar esse tipo de gente. É uma constatação apenas de que elas estão cumprindo fielmente, e um tanto irrefletidamente, aquilo que o espírito do tempo – de louvor ao sucesso e de exorcismo do fracasso – lhes designou.
Percebo, contudo, que ainda existem pessoas singulares, cuja singularidade advém precisamente do fato de que têm tanto aprendido quanto inspirado no mundo àquilo que Paul Tillich (outro espírito singular) chamou de “a coragem de ser”: de ser quem se é e de ser “como uma parte”. Somos (ou podemos nos tornar) quem somos de verdade à medida que admitimos jubilosa e corajosamente nossa parcialidade, precariedade e provisoriedade em quase tudo na vida, tanto no sentido de que não damos conta da existência, como no de que partilhamos nessa mesma existência de fragilidades muito semelhantes.
Esta é a coragem que nos permite viver com integridade as dores e alegrias de ser-no-mundo; ela também nos convida à partilha com outros (pessoas singulares que Deus graciosamente coloca em nosso caminho) e descobrir que, de modos diferentes e em intensidades que não podem ser mensuradas, todos podemos fraquejar e fraquejamos. Esta possibilidade concreta nos humaniza. Assumir e viver o que somos, com nossas luzes e sombras, por mais doído que seja, não nos destrói, mas nos torna mais humanos, como não deixa mentir o exemplo do “Deus Crucificado”. Negar, sublimar o ignorar este lado da vida é, portanto, nos desumanizar. De pessoas singulares, assim, congraçamo-nos no indiferentismo fingindo (e pregando) felicidade e paz, onde o que existe é mais complexo; perdemos a coragem do coração, tornamo-nos pusilânimes.
Por isso é que, como contrapartida, sou fã dos poetas bíblicos, pois eles mostram que a Bíblia é um livro repleto de histórias escritas, narradas, vividas e dramatizadas por gente como você e eu, e por um tipo de pessoa que eu gostaria de me tornar: inteira, corajosa, compassiva, demasiadamente humana. Viver na obscuridade não é saudável pra ninguém; negar que ela nos ronda, muito menos. Limitações existem e só são entraves para quem, luciferianamente, tem síndrome de Deus. Aos que creem e vivem sob o poder de Deus, porém, elas são caminho de liberdade. Só quem reconhece a fragilidade do próprio coração pode dizer com trêmula convicção: “... mas Deus é a força do meu coração e a minha herança para sempre”.
Jonathan