É conhecida a ênfase de Tiago sobre a ação na vida cristã. Para ele, a ação dá vida à fé que move o mundo. Mas ele também mostra um complemento disso: palavras também dão sentido ao mundo... Os versos abaixo lançam mão de todo o problema a ser explorado no capítulo 3 (1-12) de sua carta: “Não tenham pressa alguma para se tornarem professores. Ensinar é um trabalho de alta responsabilidade. Professores são avaliados pelos mais estritos padrões. E nenhum de nós é perfeitamente qualificado. Nós agimos mal quase sempre que abrimos nossa boca. Se você conseguir achar alguém cuja fala seja perfeitamente verdadeira, você tem uma pessoa perfeita, no perfeito controle sobre sua vida” (Tg 3.1-2 – The Message).
Isso significa que, quando eu abro a boca, estou mais perto de errar do que em qualquer outro instante da vida. E só um ser perfeito é capaz de controlar a língua ou a fala totalmente. Ou seja, este pleno domínio simplesmente não existe, especialmente fora dos domínios da ação do Espírito.
A questão que me encabula é: como um órgão tão pequeno pode ter um poder tão grande sobre a vida e os relacionamentos humanos?
Comecemos analisando, por exemplo, a frase: “O que a gente fala tem poder”. Que poder é esse? Até onde ele atinge? Certamente a visão espiritualizada e superficial desse negócio não consegue captar o que isso significa. Não se trata nem de fetichizar, nem de demonizar a fala, e dar maior poder do que ela realmente tem. Mas de pensar no que, de fato, ela é capaz...
O texto de Tiago nos ajuda a aprofundar a questão, quando compara a língua a uma faísca, que pode atear fogo numa floresta inteira. Estando no meio dos demais órgãos, a língua é “um mundo de iniquidade”, que tem a potência para contaminar o corpo inteiro, e mais, todo o caminho de uma existência humana. Isso ajuda a entender melhor o exemplo do professor, por ele dado, e o peso da responsabilidade sobre o que alguém nessa posição diz.
Nós domesticamos todo tipo de animal, mas, segundo Tiago, somos incapazes de domesticar a nossa própria língua. Todavia, Tiago não está dizendo que a língua é o demônio, e sim que ela pode até transformar supostos “anjos” em pequenos demônios, exagerando um pouco. Seres humanos, porém, não são nem anjos nem demônios, são apenas humanos, e urge que reconheçam a si mesmos e do que são capazes em sua humanidade, seja para o bem ou para o mal.
E essa é a sacada que nos leva de volta à tese do começo – de que palavras também dão sentido ao mundo: tanto quando usada para fazer bem como para fazer mal. E Tiago não dicotomiza a questão da fala no binômio bem-mal, pois lembra que da mesma boca de onde procedem louvores a Deus, o Pai, procedem maldizeres às pessoas, criadas à sua imagem e semelhança. Com o ser humano é assim, paradoxal, tudo junto e misturado. Daí, é possível perceber que quando dizemos coisas que fazem mal ou bem a alguém, afetamos a saúde integral do corpo, o nosso e o do outro.
Uma frase que talvez Luiz Felipe Pondé diria ser “filha do politicamente correto”, é aquela em que alegamos ter dito algo estando “fora de nós mesmos”, ou “da boca para fora”. Bem, a menos que estivéssemos sob efeito de entorpecentes, sou obrigado a dizer que isso é uma grande balela. Ninguém fala nada “da boca pra fora”. Quando saímos com isso, portanto, ou é para sair menos “mal na fita”, ou para se justificar de um jeito aparentemente humilde, ou porque não nos conhecemos o bastante pra saber “o que é que há, o que é que está se passando com essa cabeça”, ou porque mentimos descaradamente mesmo, e... (complete você). Como se diz, a boca fala do que está cheio o coração. Ou, como disse Jesus, “o que sai do homem é o que o torna impuro” (Mc 7.20).
Mas Tiago não pára por aí. Ele não diz que está bom desse jeito. Pelo contrário. Ele defende que isso não pode continuar assim. Não podemos prosseguir dizendo por aí frases como “eu sou de Deus, eu sou de Cristo”, enquanto normalizamos a maledicência. Também não dá pra afirmar categoricamente que não compactuamos muitas vezes com ela. É preciso sempre desconfiar da fala, não dar todo o crédito pra ela, e nem tirá-lo totalmente. É preciso constantemente se perguntar: Do que a fala está carregada? A quem ela pode estar atingindo destrutivamente? Em que e a quem este “dizer” possivelmente edifica? O quanto posso estar dizendo isso apenas para agradar ou provocar desgosto?
Acredito que a palavra também dá significado ao mundo, e mais, que pode ajudar em sua transformação. A existência e o uso da palavra é, portanto, parte do propósito de Deus para a humanidade. Mas, como bem advertiu Eclesiastes, “há tempo para todo propósito debaixo do céu”. Há tempo de falar – e que a gente aprenda a moderar e liberar nossa fala no tempo adequado, em favor da vida e para gerar vida. Há tempo também de calar – tempo em que o falar atrapalha, tempo necessário para repensar o dizer e para desconfiar do que se tem dito, tempo para deixar um pouco de lado a fala e, quem sabe, começar a agir. Pois palavra sem vivência é palavra sem sentido: pode até causar rebuliços e prazeres mentais, mas não fecunda mais que o exemplo e a integridade de quem nem precisa dizer muita coisa para significar muito.
Jonathan