terça-feira, 28 de junho de 2011

Monumento à Bíblia "Sim", Praça Islâmica "Não"!

Dias atrás, recebi uma carta do Conselho de Pastores de minha cidade, chamando a uma mobilização contra um projeto de Lei proposto por um vereador desejando erigir um monumento islâmico em uma praça da cidade, que passaria a se chamar “praça islâmica”. O argumento do conselho para ser contrário a tal projeto tem uma dupla face. Primeiro, é porque um vereador (homem público) não pode querer privilegiar no espaço público e no exercício de sua função uma religião em detrimento de outra – engraçado, os políticos evangélicos da cidade fazem isso o tempo todo e não vejo o mesmo conselho se manifestando contrariamente. Segundo, porque os islâmicos em seus países de origem estão longe de tratar os cristãos com a mesma condescendência, então não há motivos para facilitarmos as coisas para eles (ou seja, quase que uma ideologia do “olho por olho e dente por dente”!).
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Nesse caso, a gente vê uma defesa de uma laicidade esquizofrênica (sem confundi-la aqui com “neutralidade”). Quando convém, somos laicos e reivindicamos a condição de laicidade do público. Quando nossa liberdade é supostamente ameaçada, queremos uma laicidade mais frouxa, e protestamos pelo direito de expressar nossa crença. O engraçado é que nessa mesma cidade existe um “Monumento à Bíblia”, que não é questionado. Assim como o crucifixo e a santa na parede da escola pública não são questionados. Então, parece que Gianni Vattimo foi assertivo em sua tese sobre o ocidente liberal, quando diz que “o espaço leigo do liberalismo moderno é mais religioso do que o próprio liberalismo e o pensamento cristão estão dispostos a reconhecer”.
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Se quisermos defender com radicalidade que se arranque da comunidade islâmica (tão ínfima, pra não dizer marginal entre nós) o direito de ter publicamente seus símbolos religiosos, assim como os cristãos têm tido, mesmo numa sociedade que se diz liberal, democrática e secular, não poderemos estranhar quando o mesmo princípio se voltar contra a comunidade cristã e nossos símbolos passarem também a ser extintos do espaço público (o que não seria de todo ruim, apenas a aplicação de um princípio que se afirma na teoria na prática e para todos). Precisamos, em contrapartida, corroborando ainda aqui com Vattimo, “favorecer uma presença conjunta, livre e intensa de múltiplos universos religiosos”, reforçando a vocação laica da cultura ocidental e do cristianismo.
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Quando a luta pela verdade se desassocia da luta pela liberdade, e as duas deixam de ser parceiras, geradas e geradoras uma da outra, um possível resultado é o que a história já tem nos mostrado há milhares de anos: violência, intolerância, guerras, inquisições, fogueiras santas. A vivência radical do amor de Deus no mundo deve ser um grande “basta”! Bastam guerras santas, cruzadas ou inquisições (com ou sem fogueiras). O recado de Gilberto Gil, na música “Guerra Santa”, ainda é válido neste contexto: “O bom barraqueiro que quer vender seu peixe em paz deixa o outro vender limões”.
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Não podemos mais sacrificar o relacionamento (e matar a caridade) no altar da verdade. Talvez tenha chegado a hora de conjugar o “carregar a nossa cruz” no contexto urbano pós-moderno com a coragem de fazer morrer (junto com nossos egos “espirituais” inflados) nossas paixões, crenças e verdades dogmáticas em favor dos relacionamentos de vida. Como ouvimos aqui, a vida está acima da lei. E o amor é a lei que está acima da própria Lei, parafraseando Peter Rollins.
Jonathan

domingo, 26 de junho de 2011

Comunidade: lugar por excelência para a espiritualidade (3)

Terceira pergunta: como a comunidade pode melhorar minha espiritualidade?
1. A comunidade me aproxima do sentido mais profundo de quem eu sou e de quem Deus é.

A comunidade me “engravida de Deus”, de muitas formas: quando adoramos, servimos, escutamos a Palavra, debatemos, ensinamos e somos ensinados, consolamos e somos consolados, confrontamos e somos confrontados, quando carregamos os fardos uns dos outros e quando nos corrigimos mutuamente em amor.

A comunidade me aproxima mais da vontade do Senhor: quando lemos, interpretamos e partilhamos a Palavra e construímos uma hermenêutica comunitária (e como precisamos mais disso, especialmente num contexto autoritário e centrado na palavra de “um” em detrimento da “visão de muitos”).

A comunidade me faz mais humano, pela proximidade com os outros, seus pecados e virtudes e com as minhas próprias. É comunidade de santos-pecadores. E chega um tempo, como diz Peterson, em que é “mais difícil aturar os santos do que os pecadores”. E tem horas que a gente acaba preferindo a companhia de gente de fora da comunidade, que parece ser tão menos complicada. Só que logo a gente sente falta, e percebe que as nossas preferências não necessariamente condizem com as de Cristo.

A comunhão precisa viver as decepções óbvias da convivência, para que ela cresça como uma comunhão entre seres humanos pecadores, mas salvos pela Graça, e não entre anjos ou semideuses.

2. A comunidade melhora minha espiritualidade à medida que oportuniza a mútua correção.

Quem tenta viver sua fé fora da comunidade, pode até sofrer menos, mas também progride menos. Fora da comunidade, somos como que senhores de nosso próprio destino, mas não temos com quem contar no momento em que precisamos que a nossa rota seja corrigida. Tendemos a estagnar.

No tocante ao amor fraternal, Paulo se dirige a comunidade de Tessalônica, dizendo: “Não há necessidade de falar muito, pois vocês já foram bem instruídos quanto a se amar mutuamente; mais do que isso, vocês já estão vivendo isso intensamente, entre os irmãos e irmãs da comunidade. Mas, auto lá! Continuem progredindo; corram como se ainda nada tivessem alcançado. Não tomem esses momentos de fraternidade e mutualidade que há entre vocês como motivo para se orgulharem de si mesmos” (1Ts 4.9-10).

Isso deve nos levar a entender a comunhão de amor como um compromisso progressivo, inacabado e em permanente construção, que se dá em e não fora da comunidade.

Neste sentido, é tarefa de todos, pastores ou leigos, homens e mulheres, encontrar “mentores espirituais” na comunidade. Alguém com que você possa partilhar suas dores e alegrias, que possa te ajudar a recuperar a visão quando ela se perde por alguma razão, que possa te abraçar e se compadecer contigo em meio a um grande sofrimento, mas que também seja capaz de apontar seus pecados quando você não mais os enxerga ou reconhece e convidar ao arrependimento.

Este encontro passa pelo reconhecimento de que, por mais ou menos que saibamos, todos carecemos de “guias” espirituais, gente que nos ajude a atravessar o caminho. Nesse sentido, o mentor precisa ser um mestre na acepção da Palavra, que, a exemplo de Cristo, sabe ouvir, dar lugar à partilha, à fala do outro – mesmo que essa fala seja de lamúria confusa – acolher, ser solidário e simplesmente estar ao lado do outro. O mestre não é somente mestre por sua postura austera de quem ministra ou faz um monólogo, mas, sobretudo, por sua presença, que pode ser silenciosa, que muitas vezes faz mais perguntas do que se preocupa em responder logo e despedir “em paz” (e com a consciência tranqüilizada) o discípulo, sua cobaia passiva.

Assim, um mentor é quem pode me ajudar a me conhecer melhor na comunidade, é quem, nas palavras de James Houston, me ajuda a “desmascarar certos traços de auto-ilusão e a sondar meu interior mais profundamente do que eu talvez estivesse disposto a fazer voluntariamente” (James Houston. “Mentoria espiritual”, p. 141).
Jonathan

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Comunidade: lugar por excelência para a espiritualidade (2)


Segunda pergunta: quando e como passa a existir a comunidade?
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Existe comunidade quando sou convidado a partilhar a minha vida com outras pessoas, a partir do evento do Cristo Ressurreto. Eugene Peterson afirma que a ressurreição é ponto de partida da comunidade do Espírito Santo. A ressurreição e ascensão de Cristo ao Pai conduziram aquele grupo de discípulos à reunião em Jerusalém; e Lucas vai dizer que eles perseverarem unânimes em oração, com as mulheres e com os irmãos de Jesus (At 1.13-14).
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Após a descida do Espírito Santo, o discurso de Pedro e a conversão e batismo de milhares de pessoas, nós vemos agora uma comunidade do Espírito, também perseverando em oração, no ensino dos apóstolos e no partir do pão. A oração simboliza essa incessante busca comunitária pela vontade e presença de Deus; o ensino apostólico, representa o compromisso com a Palavra e com o crescimento na fé; e o partir do pão aponta para a comunhão com Cristo em comunidade. Logo, o relato de Atos prossegue dizendo que “todos os creram estavam juntos e tinham tudo em comum”; partilhavam seus bens e acolhiam aos necessitados; louvavam a Deus e contavam com a simpatia do povo. E, enquanto tudo isso ocorria, o Senhor acrescentava, dia a dia, os que iam sendo salvos (At 2.42-47, 4.32).
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Então, Peterson está certo. Todos estavam juntos porque algo os juntou, e este algo foi a ação do Espírito movida pela ressurreição do Senhor. Sem a ressurreição não há vida e nem esperança; pela ressurreição o Espírito passa atuar entre os discípulos, e cria a comunidade cristã. A comunhão, portanto, não é algo que se promove artificialmente, mas é fruto da ação do Espírito. E o louvor a Deus brota da mutualidade, o “nós” é mais importante que o “eu”, porque o “eu” não existe sem o “nós”. É um (lamentável) sinal dos tempos que hoje nos foquemos tanto no “eu” (individual) e menos no “nós” (coletivo); a igreja deixa de ser comunidade do espírito quando ela passa a existir para satisfazer uma “ditadura do eu”: eu sou abençoado, eu sou amado, eu sou próspero, eu fui chamado, o Senhor guia o meu ministério, Deus me cura, me salva, me liberta, me, me, me... Tá cansado? Então imagina Deus...
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A comunidade do Espírito e seus líderes em Atos não estão preocupados criando estratégias para fazer a igreja crescer. Mas ela crescia como nunca, em meio à completa ausência de qualquer plano pretensioso de crescimento. O crescimento se dá em um processo integral natural (usando aqui as categorias de Orlando Costas): quanto mais a comunidade perseverava e crescia na comunhão e no ensino (crescimento conceitual e orgânico), mais isto a impelia a se acercar e a acolher às necessidades do entorno (crescimento diaconal), e a contar com a simpatia do povo. E “enquanto tudo isso ocorria”, o Senhor acrescentava dia a dia mais pessoas à comunidade dos salvos (crescimento numérico).
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Então, quando vemos a explosão de crescimento na igreja evangélica hoje, devemos nos perguntar não tanto sobre métodos, estratégias ou números, mas no quê e no como está crescendo (qualidade). De nada adianta uma igreja grande no tamanho, mas pequena na maturidade cristã.
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Jonathan

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Comunidade: lugar por excelência para a espiritualidade

A reflexões que seguem nesta breve série são fruto de perpectivas pessoais e comunitárias, colhidas na Semana de Espiritualidade do ISBL (Maio-2011). Meus colegas (pastores Carlos e Vanderlei) e eu ficamos a cargo de oferecer pistas e provocações acerca de uma "espiritualidade integral" (ou que se enseja como tal) aos nossos alunos e convidados na semana.
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A tese defendida nesta semana foi de que a espiritualidade tem a ver com a qualidade de nossa relação com Deus, seja como vida vivida na fé (como enfatizou Vanderlei), seja como cumprimento de um dos propósitos de Deus desde a criação, que é o de caminhar e ter intimidade com Ele (como Carlos defendeu). Tentando também dar minha própria definição de espiritualidade, eu diria que espiritualidade pode simplesmente ser descrita como o modo de ser do cristão guiado pelo Espírito. O que segue é resultado de uma abordagem mais pessoal.
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A primeira pergunta, então, é: qual é o lugar do outro na espiritualidade cristã? Qual é a relação entre espiritualidade e alteridade?
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Se esse modo de ser é relacional, e se as relações são dinâmicas, então não há regras gerais ou modelos que dêem conta, e teremos tantos “modos de ser” quantas são as pessoas numa comunidade de fé. E porque é relacional e dinâmica, a espiritualidade depende da vida com o outro.
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Primeiro, a espiritualidade só existe por causa do Outro, que é Cristo. Ou seja, Cristo é a razão de ser da espiritualidade cristã; nossa vida é originada pela vida de Cristo, iluminada por sua Palavra, e guiada pelo seu Espírito. “Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente” (Rm 11.36).
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Segundo, porque essa vida, que é originada, iluminada e guiada em Cristo, encontra seu melhor sentido no encontro com o outro, o próximo, o irmão de caminhada. Meu encontro com Cristo me conduz inevitavelmente ao outro, e muitas vezes se dá precisamente através do outro. Desde o princípio Deus fez essa escolha: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2.18). Dois é sempre melhor que um: na alegria ou na dor, na celebração ou no luto. Já dizia Vinicius de Morais: “Pense muito, que é melhor se sofrer junto que viver feliz sozinho”. A esta vida partilhada é que o salmista se refere quando diz: “Como é bom e agradável viverem unidos os irmãos... ali o Senhor ordena a sua benção e a vida para sempre” (Sl 133.1,3).
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Espiritualidade, nesta perspectiva, é o encontro com o Outro (Deus) por meio do outro (próximo).
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Outras perguntas que tentarei responder nos próximos posts: Quando e como passa a existir a comunidade? De que modo a comunidade pode melhorar minha espiritualidade? Que implicações a perspectiva de uma espiritualidade comunitária traz?
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(Cont.).
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Jonathan