Dias atrás, recebi uma carta do Conselho de Pastores de minha cidade, chamando a uma mobilização contra um projeto de Lei proposto por um vereador desejando erigir um monumento islâmico em uma praça da cidade, que passaria a se chamar “praça islâmica”. O argumento do conselho para ser contrário a tal projeto tem uma dupla face. Primeiro, é porque um vereador (homem público) não pode querer privilegiar no espaço público e no exercício de sua função uma religião em detrimento de outra – engraçado, os políticos evangélicos da cidade fazem isso o tempo todo e não vejo o mesmo conselho se manifestando contrariamente. Segundo, porque os islâmicos em seus países de origem estão longe de tratar os cristãos com a mesma condescendência, então não há motivos para facilitarmos as coisas para eles (ou seja, quase que uma ideologia do “olho por olho e dente por dente”!).
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Nesse caso, a gente vê uma defesa de uma laicidade esquizofrênica (sem confundi-la aqui com “neutralidade”). Quando convém, somos laicos e reivindicamos a condição de laicidade do público. Quando nossa liberdade é supostamente ameaçada, queremos uma laicidade mais frouxa, e protestamos pelo direito de expressar nossa crença. O engraçado é que nessa mesma cidade existe um “Monumento à Bíblia”, que não é questionado. Assim como o crucifixo e a santa na parede da escola pública não são questionados. Então, parece que Gianni Vattimo foi assertivo em sua tese sobre o ocidente liberal, quando diz que “o espaço leigo do liberalismo moderno é mais religioso do que o próprio liberalismo e o pensamento cristão estão dispostos a reconhecer”.
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Se quisermos defender com radicalidade que se arranque da comunidade islâmica (tão ínfima, pra não dizer marginal entre nós) o direito de ter publicamente seus símbolos religiosos, assim como os cristãos têm tido, mesmo numa sociedade que se diz liberal, democrática e secular, não poderemos estranhar quando o mesmo princípio se voltar contra a comunidade cristã e nossos símbolos passarem também a ser extintos do espaço público (o que não seria de todo ruim, apenas a aplicação de um princípio que se afirma na teoria na prática e para todos). Precisamos, em contrapartida, corroborando ainda aqui com Vattimo, “favorecer uma presença conjunta, livre e intensa de múltiplos universos religiosos”, reforçando a vocação laica da cultura ocidental e do cristianismo.
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Quando a luta pela verdade se desassocia da luta pela liberdade, e as duas deixam de ser parceiras, geradas e geradoras uma da outra, um possível resultado é o que a história já tem nos mostrado há milhares de anos: violência, intolerância, guerras, inquisições, fogueiras santas. A vivência radical do amor de Deus no mundo deve ser um grande “basta”! Bastam guerras santas, cruzadas ou inquisições (com ou sem fogueiras). O recado de Gilberto Gil, na música “Guerra Santa”, ainda é válido neste contexto: “O bom barraqueiro que quer vender seu peixe em paz deixa o outro vender limões”.
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Não podemos mais sacrificar o relacionamento (e matar a caridade) no altar da verdade. Talvez tenha chegado a hora de conjugar o “carregar a nossa cruz” no contexto urbano pós-moderno com a coragem de fazer morrer (junto com nossos egos “espirituais” inflados) nossas paixões, crenças e verdades dogmáticas em favor dos relacionamentos de vida. Como ouvimos aqui, a vida está acima da lei. E o amor é a lei que está acima da própria Lei, parafraseando Peter Rollins.
Jonathan