quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Dia da Reforma Protestante: o que celebrar?

“Mas temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que este poder que a tudo excede provém de Deus, e não de nós” (2Co 4.7).

No dia 31 de outubro de 1517, o monge alemão Martinho Lutero afixava suas 95 Teses contra a venda das indulgências (perdão para salvação) na catedral de Wittemberg, desafiando o Papado e a Igreja de Roma a uma reflexão e mudança de atitude. Esse ato consciente de transgressão marcou a vida de Lutero dali para frente, bem como de várias pessoas que foram por ele influenciadas; mexeu com os brios de Roma, que, quatro anos depois, excomungou-o e, com ele, seus muitos escritos de advertência e admoestação bíblica e teológica. Revoltados, muitos foram às ruas “protestar” contra tudo aquilo. Naqueles diferentes instantes, deu-se prosseguimento a um conjunto de eventos, que posteriormente foi chamado de Reforma Protestante.

Bem, e o que nós, cristãos do século 21, temos a ver com isso? Essa pode ser uma pergunta fundamental, mas também traiçoeira. Explico. Ao mesmo tempo em que temos tudo a ver, uma vez que o protestantismo nasce e cresce a partir de então, também temos tido bem pouco a ver, se considerarmos a falta de estímulo à conservação desta memória e herança reformadas entre nós, sobretudo entre gerações mais recentes de crentes (cinqüenta anos para cá). Parece que, em tantos sentidos, as igrejas que (direta ou indiretamente) advêm da Reforma, acabaram se esquecendo de seu “princípio protestante”.

Mas o que há de tão fundamental nesse “princípio” do passado, que valha ser lembrado, cultivado e celebrado no presente e no porvir? Se eu pudesse resumir em poucas palavras, diria o seguinte. Vale ser lembrado, pois:
-
1. É um princípio de protesto: contra toda tentativa de fazer com que estruturas, hierarquias, dogmas e outros artifícios religiosos e humanos assumam o lugar único devido à Palavra de Deus. Tem-se, com isso, enaltecido mais os “vasos de barro” do que o próprio tesouro (Evangelho) que eles carregam. Por isso, esse protesto não pode ser esquecido, nem tampouco omitido em nossos dias. Afinal de contas, o que haveria para celebrar em um protestantismo que não protesta?
-
2. É um princípio de retorno: ou, pelo menos, de tentativa de retorno à igreja que vemos sendo edificada conforme relatos do Novo Testamento. Uma igreja que teve amor pelo Senhor e por sua Palavra acima de tudo, e que soube traduzir isso em ações de amor e misericórdia ao próximo. Uma igreja onde as pessoas são mais importantes que as coisas, e em que são elas, as pessoas, sem distinção de classe, cor, etnia ou gênero, tampouco entre clero ou laicato, no respeito e celebração de suas diferenças, instrumentos de Deus em Sua Missão. É de acordo com esse modelo que devemos continuar nos reformando nos dias de hoje.
-
3. É, por fim, um princípio de liberdade: a liberdade para qual Cristo nos libertou e na qual não temos de nos submeter a qualquer peso de escravidão. Uma liberdade alcançada pela fé, e alicerçada na graça de Deus, que deve nos bastar, porque sem ela não somos plenamente livres. Liberdade que implicou e deve continuar implicando em “livre exame das Escrituras”, sem a dependência exclusiva da mediação de classes especializadas e “autorizadas”, visto que Toda autoridade foi dada a Cristo e à sua Palavra. Todos os crentes podem (ou deveriam poder), a partir de então, se ver num ambiente livre em que possam juntos examinar, interpretar e aplicar o que diz a Palavra de Deus para suas vidas, servindo uns aos outros a adorando ao Deus que nos fez, nos redimiu e nos uniu a Ele e uns aos outros.
-
Por essas (e por outras) que o “Dia da Reforma” deve ser dia de celebração a um único movimento: o movimento do Espírito, que continua soprando, falando, agindo entre nós, mas também além de nós. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito diz às igrejas!

Jonathan

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Manifesto a favor do Aborto... dessa palhaçada eleitoral!

Quem imaginava que aquela discussão de cunho ético-religioso, ocorrida durante o 1º turno das Eleições 2010, sobre direitos dos homossexuais e afins, liberdade religiosa e a descriminalização do aborto iria tomar as proporções que tem tomado neste 2º turno? O detalhe é que agora os postulantes ao cargo de presidente do Brasil, Dilma e Serra, resolveram despertar para a questão, muito em função dos dados estatísticos de pesquisas eleitorais, e da própria resposta das urnas.

Como se afirma na matéria de capa da Época (edição 647, p. 45): “O horário eleitoral transformou-se, de uma hora para outra, num espaço de louvação a Deus – por gente que, no passado, nunca fora vista usando linguagem religiosa em público. Isso pode ser interpretado como hipocrisia ou pode ser visto como uma saudável imposição dos valores dos crentes a suas lideranças”. Hipocrisia parece mesmo ser. Mas não consigo ver como a imposição, seja lá de onde venha, pode ser algo saudável, nem o que está acontecendo, como uma imposição. Talvez a imposição mais saudável a se ocorrer pudesse ser a de impeachment eclesiástico de determinados líderes religiosos. Isso sim, seria bom de ver.

Estão dizendo por aí, então, que a religião resolveu abraçar a política de vez. Mas, pergunto: quando foi que elas (religião e política) deixaram de estar, direta ou indiretamente, abraçadas?

Estão dizendo por aí também que a religião (sobretudo a evangélica) será um fator decisivo no presente pleito. Por isso, afirmo: caso decida, decidirá pela via e da forma (eu disse “forma”) pior possível, através do costumeiro fisiologismo, calúnias e difamações, desinformação e cooptação.

Concordo com Ary Oro, que afirmou à revista Época (edição 647, p. 41) ser “impossível ignorar a força numérica, demográfica e eleitoral da religião”. Sem dúvida, razão pela qual é óbvio: os atuais candidatos têm se mostrado tão mestres na arte de não mais ignorar a religião no pleito eleitoral que até de religiosos agora estão posando, cheios de “dedos” com as questões morais e religiosas, com muita fé e amor pra dar.

Contudo, faço a seguinte provocação: terão estes o mesmo interesse em dialogar e ouvir tais grupos e líderes religiosos em seus governos, caso sejam eleitos? Minha hipótese, com base na história recente, é de que NÃO, por razões simples e óbvias:

(1º) Porque os religiosos em geral, salvo conduto aos raros cidadãos bem formados e conscientes que grassam não entre, mas aparte deles (embora sejam postos “no mesmo saco”), não estão discutindo um projeto de país e, sim, reivindicando a “conservação de seus direitos” – se é que acreditamos que a extinção deles está mesmo em jogo, e de que isso tudo, o que está circulando por aí, não tem nada a ver com mitos eleitorais.

(2º) Porque a maioria dos que ora se manifestam a favor disso ou contra aquilo têm pouca (ou nenhuma) contribuição a oferecer para a sociedade civil em assuntos não tipicamente religiosos ou morais, como educação, saúde, cultura, meio ambiente, infra-estrutura, economia, etc., salvo os marginais outrora mencionados, que estão espalhados por aí, inconformados (ou não) com esse lamentável cenário. Já os manifestantes de última hora são gente “boa praça”, defensores da moral, os quais quase todo mundo gostaria de ter como vizinho, mas, parafraseando o que disse Philip Yancey (2004), não suportariam passar mais de cinco minutos conversando com eles.

(3º) Porque, exatamente pela segunda razão, o discurso por eles (sobretudo os sacerdotes carismáticos e midiáticos) encampado é superficial e monolítico; pode até ser levado em consideração no momento, em função de propósitos eleitorais (ou eleitoreiros), mas serão esquecidos depois (ainda bem e tomara!).

Outra forma de participação é necessária e possível! A campanha de Marina Silva foi um exemplo disso. Sua exemplar atuação mostrou-nos que: (1) nenhuma confissão religiosa deve ser tratada como moeda de troca em qualquer circunstância, tampouco a eleitoral; (2) precisamos avançar em nossa atuação pública e cidadã, abandonando práticas antigas e rançosas como a barganha política e ideológica, o fisiologismo, precariedade e mediocridade; (3) que a religiosidade e os valores éticos de nosso povo precisam ser levados em consideração em uma eleição, porém não de modo raso e oportunista; (4) que a questão do aborto e do homossexualismo, por exemplo, devem ser tratadas no “mérito”, considerando o ser humano envolvido, seus dramas e os diversos fatores e complexidade de cada situação, e não apenas “lidas” sob a pecha política da lei moral, cívica ou religiosa (com grandes doses de purismo infértil e hipócrita – que “côa o mosquito, e engole o camelo”).

Uma coisa é se auto-declarar “a favor da vida”, como têm feito ambos os candidatos, retoricamente bem treinados; outra, mais complexa e custosa, é militar a favor dela, custe o que custar. Marina foi e continuará sendo uma militante pela vida, por causa (e a despeito) de seus valores religiosos; sua história tem sido uma prova disso. Além do mais, sendo religiosa, ela nos deu uma aula de como devemos nos portar enquanto cidadãos e agentes políticos no espaço público, sob os auspícios de um estado laico. Uma coisa é o que defendo pessoalmente (meus valores); outra é como fazer coexistir o que defendo pessoalmente com o “bem comum”, em um debate público sobre questões que envolvem interesses mais amplos que os meus. Nesse quesito, religiosos e não-religiosos precisam avançar, para que a sociedade avance.

Contudo, quantos estão dispostos a pagar o preço da integridade, quem sabe, às custas da popularidade ou reputação? Por isso, a impressão que dá é que Jesus Cristo, embora tenha seu nome sendo levado para todos os cantos e sendo usado (e abusado) das mais diferentes formas, tem bem pouco a ver com isso tudo. Sua história prova que ele jamais abandonou a integridade, embora tivesse sido tentado a optar pelo caminho mais fácil; e ele não dava a mínima para reputação. De que adianta ter uma boa posição e reputação perante o status quo, e uma péssima diante de Deus? Como ele mesmo disse: “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?” (Mateus 16.26).

Por isso, honesta e revoltosamente falando, sou a favor do aborto! Do aborto dessa palhaçada, que tem transformado o horário eleitoral em púlpito religioso; da palhaçada que fez de palhaços, políticos e de políticos, palhaços, e que tem transformado o povo – que elege tanto políticos quanto palhaços – platéia desse circo de engodos. Seria capaz de dizer que sou a favor do aborto dessas eleições inclusive, se isso fosse possível; seria a favor do voto nulo como protesto, se ele se me mostrasse algo efetivo e possível – francamente, a vontade é mesmo essa. Diante de tanta palhaçada, acho que estamos precisando de um pouco de anarquia do bem, de gente que se revolta e dá uma “basta” a isso tudo. Temos esse poder? Não é essa a vantagem que a democracia nos oferece, bem como a eleição direta? Não é do povo que o poder emana? Como diria Gabriel, O Pensador: “Não adianta olhar pro céu, com muita fé e pouca luta”. Parafraseando-o: Até quando você vai levando, porrada, porrada, até quando vai ser saco de pancada... até quando vai ficar sem fazer nada?

Jonathan,
Decididamente inconformado

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Só de sacanagem - por Elisa Lucinda



Meu coração está aos pulos!

Quantas vezes minha esperança será posta à prova?

Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.

Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?

Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?

É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.

Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.

Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar.

Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau."

Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!

Créditos

Texto: "Só de Sacanagem", por Elisa Gucindo

Música: "Unimultiplicidade", por Ana Carolina e Tom Zé

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Amnésia ideológica no PT

Escrevi o texto abaixo há 6 anos. Relendo-o, percebi o quanto ele continua atual, guardadas as devidas proporções. Ele não demoniza o PT, como alguns têm feito atualmente, porque subentende que qualquer partido tem seus altos e baixos (uns mais baixos que altos, é verdade). Mas se trata de um desabafo de alguém que, um dia, acreditou na luta histórica do partido, e viu essa mesma luta se perder na amnésia ideológica auto-induzida vivida por muitos de seus membros na última década. Assim, exponho-o aqui sem nenhum receio, pois sei que, de lá para cá, a coisa só piorou. O diagnóstico (e o prognóstico), portanto, poderia ser muito pior que o aqui exposto. Segue...
&&&&&&

Diante dos últimos acontecimentos políticos em Brasília, e dos desdobramentos nas demais instâncias do país, vislumbramos uma das agitações mais ambíguas da história política brasileira. O maior paradoxo, a meu ver, está no fenômeno “auto-induzido” de debilitamento do Partido dos Trabalhadores, que outrora fora o maior partido de esquerda da América Latina, mas que atualmente, segundo a senadora, ex-petista, Heloísa Helena, não passa de “uma ferramenta política da propaganda triunfalista do neoliberalismo”.

As cúpulas diretivas do PT hoje são compostas por ditos ex-revolucionários de esquerda, que com uma avidez ingênua ou programática (quem sabe?), lambuzam-se e abusam do poder, de corpo e alma, abraçam a vaidade de seus interesses particulares, sobrepujam os adversários que cruzam seu caminho (eliminando ou anulando os “de dentro”, cooptando e contemplando os “de fora” do partido), e cospem nos direitos estabelecidos na constituição democrática da república, como tantos outros fizeram na história. Assim, a antiga “virgem imaculada”, padroeira defensora da ética e dos direitos dos trabalhadores, abandona sua beatitude para aos poucos se tornar dona de uma grande e rentável máquina de prostituição.

O PT protagoniza de forma patética os antagonismos do poder capitalista combatidos fervorosamente no passado por seus mais ilustres militantes (hoje “ilustres canalhas”, como o ex-ministro José Dirceu) e por tantos outros anônimos que se dispersaram na “massa” dos milhões que acreditaram em Lula – e que continuam acreditando nele, agora através de Dilma (sic) – dividindo-se entre os arregimentados e amordaçados pela “partilha do bolo” do poder, e as minorias dissidentes do partido, que persistem na mobilização contra as ingerências governistas, lutando para preservar as bandeiras históricas idealizadas no projeto de uma esquerda socialista e democrática, que vem sendo edificado há mais de duas décadas.

Hoje eles sonham e caminham sós, enfrentando o descrédito de suas utopias e vendo o desinteresse geral pela política crescer, posto que o realismo tem vencido a ludibriada “esperança”. Têm de encarar ainda a amnésia política e ideológica da base governante de seu partido, cuja práxis faz valer a frase profética dita por Heloísa Helena há quase uma década, antes de ser escorraçada pelos mesmos “companheiros” com os quais lutou pela construção desse partido. Ela disse, em matéria publicada na Veja on-line (29/01/2003), que “partidos nascem e morrem. Podem continuar vivos do ponto de vista legal, mas estar sepultados em sua razão de existir”.

Jonathan