“Mas temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que este poder que a tudo excede provém de Deus, e não de nós” (2Co 4.7).
No dia 31 de outubro de 1517, o monge alemão Martinho Lutero afixava suas 95 Teses contra a venda das indulgências (perdão para salvação) na catedral de Wittemberg, desafiando o Papado e a Igreja de Roma a uma reflexão e mudança de atitude. Esse ato consciente de transgressão marcou a vida de Lutero dali para frente, bem como de várias pessoas que foram por ele influenciadas; mexeu com os brios de Roma, que, quatro anos depois, excomungou-o e, com ele, seus muitos escritos de advertência e admoestação bíblica e teológica. Revoltados, muitos foram às ruas “protestar” contra tudo aquilo. Naqueles diferentes instantes, deu-se prosseguimento a um conjunto de eventos, que posteriormente foi chamado de Reforma Protestante.
Bem, e o que nós, cristãos do século 21, temos a ver com isso? Essa pode ser uma pergunta fundamental, mas também traiçoeira. Explico. Ao mesmo tempo em que temos tudo a ver, uma vez que o protestantismo nasce e cresce a partir de então, também temos tido bem pouco a ver, se considerarmos a falta de estímulo à conservação desta memória e herança reformadas entre nós, sobretudo entre gerações mais recentes de crentes (cinqüenta anos para cá). Parece que, em tantos sentidos, as igrejas que (direta ou indiretamente) advêm da Reforma, acabaram se esquecendo de seu “princípio protestante”.
Mas o que há de tão fundamental nesse “princípio” do passado, que valha ser lembrado, cultivado e celebrado no presente e no porvir? Se eu pudesse resumir em poucas palavras, diria o seguinte. Vale ser lembrado, pois:
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1. É um princípio de protesto: contra toda tentativa de fazer com que estruturas, hierarquias, dogmas e outros artifícios religiosos e humanos assumam o lugar único devido à Palavra de Deus. Tem-se, com isso, enaltecido mais os “vasos de barro” do que o próprio tesouro (Evangelho) que eles carregam. Por isso, esse protesto não pode ser esquecido, nem tampouco omitido em nossos dias. Afinal de contas, o que haveria para celebrar em um protestantismo que não protesta?
-2. É um princípio de retorno: ou, pelo menos, de tentativa de retorno à igreja que vemos sendo edificada conforme relatos do Novo Testamento. Uma igreja que teve amor pelo Senhor e por sua Palavra acima de tudo, e que soube traduzir isso em ações de amor e misericórdia ao próximo. Uma igreja onde as pessoas são mais importantes que as coisas, e em que são elas, as pessoas, sem distinção de classe, cor, etnia ou gênero, tampouco entre clero ou laicato, no respeito e celebração de suas diferenças, instrumentos de Deus em Sua Missão. É de acordo com esse modelo que devemos continuar nos reformando nos dias de hoje.
-3. É, por fim, um princípio de liberdade: a liberdade para qual Cristo nos libertou e na qual não temos de nos submeter a qualquer peso de escravidão. Uma liberdade alcançada pela fé, e alicerçada na graça de Deus, que deve nos bastar, porque sem ela não somos plenamente livres. Liberdade que implicou e deve continuar implicando em “livre exame das Escrituras”, sem a dependência exclusiva da mediação de classes especializadas e “autorizadas”, visto que Toda autoridade foi dada a Cristo e à sua Palavra. Todos os crentes podem (ou deveriam poder), a partir de então, se ver num ambiente livre em que possam juntos examinar, interpretar e aplicar o que diz a Palavra de Deus para suas vidas, servindo uns aos outros a adorando ao Deus que nos fez, nos redimiu e nos uniu a Ele e uns aos outros.
-Por essas (e por outras) que o “Dia da Reforma” deve ser dia de celebração a um único movimento: o movimento do Espírito, que continua soprando, falando, agindo entre nós, mas também além de nós. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito diz às igrejas!
Jonathan