segunda-feira, 29 de março de 2010

Eu, um traídor?

Quando estavam comendo, reclinados à mesa, Jesus disse: “Digo-lhes que certamente um de vocês me trairá, alguém que está comendo comigo” (Marcos 14.18).
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Judas é uma figura que ficou cristalizada, aos olhos da maioria dos contadores dessa conhecida e controversa história, como sendo “o traidor” de Jesus.
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Primeiro, porque é assim que os autores dos quatro evangelhos o pintaram: como “o traidor”, “ganancioso”, “ladrão”, e aquele em quem o próprio “Satanás entrou...”. E quem haveria de ir contra ou, ao menos, questionaria a palavra dos evangelistas? Segundo, porque essa versão recebeu um “veredito” da história, e nós nos contentamos com ele, sem parar para pensar em outras implicações da narrativa em torno de Judas e dos demais discípulos.
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É claro que foi ele “quem o traiu”. É claro que Jesus sabia disso, e até anunciou por antecipação, sem dizer o nome. Não é claro, porém, que foi “por dinheiro”, pois embora Mateus relate dessa forma, os demais omitem tal informação, ou simplesmente dizem que as moedas que Judas recebeu foi em função do que ele fez, e não uma condição. Isso significa que, embora alguns dos evangelistas enfatizem a entrada de Satanás em Judas, as suas reais motivações permanecem ocultas aos olhos da história, que tem de se contentar com hipóteses, teorias, probabilidades, mas não certezas. E também está claro pelos relatos que, apesar de Judas ter sido visto como o “traidor oficial”, os demais também o abandonaram e o “traíram” de alguma forma.
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O que essa história tem a ver comigo e com você? Tudo. Primeiramente, porque os discípulos são arquétipos do ser humano e suas paixões, cheios de contradições, altos e baixos, dentro de um longo e custoso processo, tal como nós somos. Segundo, porque são discípulos, que foram escolhidos por Deus para uma caminhada de aprendizado e testemunho com e de Jesus Cristo; enquanto aprendem, testemunham, e enquanto testemunham, aprendem.
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O mais tocante é que, estando à mesa e “comendo com Jesus”, declarando-nos perdidamente apaixonados e fiéis a ele, somos capazes de traí-lo, ainda hoje, de diversas formas: negando-o, esquecendo-nos do que ele nos ensinou, afirmando com os lábios, mas com coração e vida vazios, tentando “negociar” o valor de sua Palavra, e viver por outros meios que não o de sua graça, e assim por diante. Sem perceber, reinventamos formas mais sutis de traição e hipocritamente continuamos “malhando Judas” (e outros irmãos), enquanto, na prática, podemos ser um reflexo do lado humano e pérfido de Judas e dos demais discípulos.
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Portanto, essa história, de certo modo já “cristalizada”, mas nem por isso esclarecida, de Judas e dos discípulos, me faz pensar nessa páscoa que, para ser fiel a Jesus no mundo de hoje, preciso também fazer um exercício diário de honestidade e me perguntar: quando, onde e como posso eu ser um potencial “traidor” de Jesus?

Jonathan

sexta-feira, 26 de março de 2010

Igreja: Alternativa do Espírito?

Recebi um email de um aluno, que me perguntava: É teologicamente correto dizer que a igreja é um tipo de sociedade alternativa? Eis minha resposta:

Sem dúvida, em minha compreensão isso não só está teologicamente “correto”, como historicamente tem marcado a vida da igreja, daquela que não se rende aos ditames do institucionalismo; sempre que ela resolve ser fiel ao seu chamado de sinalizar o reino no mundo, ela se constitui como uma “sociedade alternativa”, não no modo hippie “paz e amor” dos anos 70, ou no sentido de que seria uma “ilha” apartada do resto, onde podemos nos alienar do mundo, mas enquanto se mantém como ponto de esperança bem no meio do mundo.

Ali nossos conflitos não são diminuídos porque somos cristãos – como afirma essa versão mais sofisticada da teologia da prosperidade, anti-crise e sofrimento. Pelo contrário, eles aumentam, à medida que não vivemos de acordo com os termos do mundo e sim do reino, como o próprio Jesus advertiu aos discípulos (João 15), para que não se admirassem se o mundo os odiasse; é que eles não vivem segundo os meandros do mundo, nem os obedecem; se vivessem de acordo com tais termos, o mundo os amaria e os aprovaria. E, veja bem, tudo isso acontece porque estamos no mundo, porque Deus amou o mundo, e porque nos chama a proclamar a reconciliação em nossa vida no mundo.

Penso, assim, que a igreja deveria ser idealmente a alternativa do Espírito para os cansados, feridos oprimidos e sobrecarregados do mundo; ser agente profético de denúncia à corrupção e injustiça, sob que forma elas apareçam; ser agente de transformação integral. Por outro lado, sempre que a igreja deixa, por alguma razão, de exercer esse papel, o Espírito, inadvertidamente, não deixa de agir. Isso significa que o Espírito não é monopólio da igreja...

Não é Ele quem acompanha os movimentos (e patacoadas) da igreja, mas é exatamente o contrário, a igreja que, como comunidade dos carismas, deve acompanhar o sopro do Espírito, onde quer que ele esteja soprando, e ouvir a sua voz, ainda que não saiba dizer de onde vem e nem para onde vai (cf. Jo 3.8). Pois, no fim das contas, o que interessa não é tanto “para onde”, mas “com Quem” vamos. Vamos com o Espírito!

Jonathan

segunda-feira, 22 de março de 2010

No jardim da filosofia (II): Martelo e sua crítica

Martelo, por sua vez, lança seus espinhos na direção da verdade, especialmente atacando o centro propulsor da subsistência da aura de legitimidade do jardim, a chamada Física do andar Superior (metafísica). Essa física levara no bico todas as plantas do jardim, fazendo-as crer na necessidade constante da durabilidade (se é durável, é verdadeiro), e na busca por aquilo que tem raízes, o que é permanente. Conhecendo as raízes, diriam os caules da Física do andar superior, poderia se conhecer a árvore. Assim, todo o solo (história) desse jardim foi marcado pela busca daquilo que é (enraizado) em detrimento daquilo que muda (a própria vida).

Eis um dos espinhos lançados por martelo contra a planta do esclarecimento: o espinho da mudança. Toda a argumentação da planta do esclarecimento girava em torno de um ideal de flor (de sujeito), que seria a flor do esclarecimento. Essa flor, pelo uso correto de sua seiva, e pelo bom manuseamento da devida organização, poderia chegar até a árvore do conhecimento, que lhe entrega nas mãos as chaves do jardim e, por sua vez, o conhecimento da verdade.

Martelo, em resposta, desbanca todo esse papo de flor ideal e verdade como sendo uma grande terrível mentira. A diferença, para essa rosa, entre a beleza e a organização era de que a primeira mente, sem esconder que mente; já a segunda, também mente, mas chama a sua mentira de verdade.

Dessa maneira, Martelo irá atacar a noção de verdade como sendo o mais mentiroso artifício criado pela Física do andar superior, que, num primeiro momento, havia sido aniquilada pela denúncia ao desejo de levar as plantas até o Deus Girassol, mas que, num segundo momento, declarara sua independência deste, por meio do domínio da seiva poderosa, que por sua vez fora transformada também num deus. A grande martelada nessa física, bem como nas pretensões da planta do esclarecimento, foi o lançamento do mais afiado espinho: a declaração de morte ao Deus Girassol, que na verdade era uma declaração de morte aos fundamentos do solo, como sendo enganosos.

Assim, a verdade pretendida, nada mais era do que um monte de folhas e galhos que caem da árvore do conhecimento, cada uma fragmentária e contendo apenas uma parte da realidade expressa por essa árvore. E a noção de flor – essa independente e verdadeira – seria apenas uma ficção criada pela planta do esclarecimento para reforçar sua pretensão ao absoluto.

O solo do jardim entra em erosão... Nada foi igual após o brotar da rosa martelo e seus muitos espinhos. A própria idéia de jardim seria transformada com as posteriores mudanças no solo. Nada é cíclico, nada se repete, tudo se transforma - já vi essa idéia em algum lugar! O solo é mudança, e o jardim, metamorfose ambulante.

Jonathan

quarta-feira, 17 de março de 2010

No jardim da filosofia (I): A planta do esclarecimento

Quero pensar, alegoricamente, na Filosofia como um grande jardim. Um jardim complexo, é verdade, pouca gente se arrisca a passar por ele; muitos o negam, não conseguindo encontrar sentido e função para a existência desse jardim. E estes ainda acusam aqueles que ingressam nesse jardim como sendo loucos, excêntricos, ou quem sabe gente que fala numa linguagem que a maioria das pessoas não entenderia, e até por isso, não darão a mínima...
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Pensemos que esse jardim (filosofia) tem um solo (aqui entendido como a história da filosofia), um solo fértil de onde brotam todas as flores e plantas (os filósofos e suas correntes), todas elas derivadas (ou derivadoras, diriam alguns) de uma grande árvore, a “árvore do conhecimento”. Afinal de contas, o conhecimento e suas infinitas conexões com a vida e com o “real”, em termos de possibilidade ou de impossibilidade, são áreas de interesse filosófico. Imaginem que neste solo surgem diferentes espécies de plantas ou de pequenas árvores, que produzirão frutos na medida de sua posição no solo, e sua perspectiva ou posição em relação à árvore.
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Num certo lugar desse jardim, em uma dada posição no solo, surge a planta do esclarecimento. Essa planta queria representar uma espécie de “virada na flora do jardim”. Ela nasce pautada na argumentação de que as plantas até então existentes no jardim viveram debaixo de tutelas de plantas parasitas da árvore do conhecimento, ligadas a uma força estranha chamada de Física do andar superior (a metafísica, para os filósofos). E que as grandes culpadas disso eram elas mesmas, pelo mau-uso da “seiva” (representação da razão) que a todas é peculiar. O que importa para essa planta não é tanto o quê se deve saber, mas como podemos saber. E para estabelecer os modelos do “como”, ela, primeiro, apresenta os “limites desse saber”.
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A produção de frutos (conhecimentos por derivação), portanto, está vinculada a esses limites. O reconhecimento deles permite que se chegue ao verdadeiro esclarecimento. O verdadeiro conhecimento que brota da árvore-mor é conhecimento concreto, de coisas concretas (fenômenos), e não conhecimentos que pertencem ao mundo imaginário das flores do céu. Pautados nesse mundo imaginário das flores do céu, é que o jardim se viu contaminado por um falso conhecimento, gerador de subordinações (tutelas) improdutivas, que serviram, até então, como impedimento ao esclarecimento.
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Porém, como eu disse, há outras “flores” no campo, plantas dissonantes, raízes que não se desprenderam do solo, mas que clamam por vida e sustentação (pensamento) próprios. E uma dessas flores foi uma rosa vermelha espinhosa chamada martelo. Ela nasce de uma inquietação já presente no campo por meio de pequenos jardins e cores que foram arrancados dali por se julgar que não contribuiriam para o alvorecer da era do esclarecimento. Mas esse esclarecimento ultrapassou os limites por ele mesmo criado. E essa rosa martelo ataca as fraquezas, escancara os limites da era do esclarecimento no jardim.
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Uma de suas acusações é de que a era do esclarecimento criou uma oposição entre a organização (ciência) e a beleza (arte). Para que houvesse mais organização era preciso ter menos beleza, pois se cria que os reflexos da beleza prejudicam a boa organização no jardim. Somente uma boa organização, destituída de beleza, seria capaz de conduzir as pessoas à verdade, produto tão requerido pela árvore do conhecimento.
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(Continua...)
Jonathan

segunda-feira, 15 de março de 2010

Aprendendo a lidar com as incertezas (III)

Priscila, obrigado uma vez mais pelos comentários e pelas dicas, tentarei me lembrar delas todas as vezes que for me aventurar em narrativas.

Sobre seus comentários, meu objetivo está mesmo em ficar mais no campo da epistemologia (ciência do conhecimento) do que nas ciências exatas, que me parece ter sido o foco de seus comentários. Minhas críticas partem mais de meu próprio campo, que é o das ciências humanas, onde fazer ciência não é e nem pode ser "a busca por respostas exatas", visto que o humano tem muito pouco de exato. Todavia, concordo com você: não podemos abandonar certos alicerces e até mesmo "certezas", verdades, etc. Não sou defensor do relativismo e nem do absolutismo. Para mim, os extremos são sempre perigosos, pois me dão a sensação de que, cada vez que a eles me rendo, mais longe ainda em encontro do alvo. Parto apenas da admissão das incertezas presentes mesmo em nossas mais caras (e cuidadosamente investigadas) certezas, e de que isso é um fato inelutável ao ser humano.

Não penso que fazer ciência, mesmo as chamadas humanas, seja um “vale tudo” do tipo "o que estiver certo pra mim, estará certo, ainda que esteja errado". Porque assim deixa de ser ciência – que visa, obviamente, acertos, ainda que nem sempre “acerte”. O "erro" como você bem interpretou, é a lacuna. E disso não creio que poderemos fugir; ainda que a verdade seja meu foco, creio que nossa relação com ela é por aproximação, nunca por correspondência, e aqui obviamente não me refiro às “exatas” ou obviamente observáveis. Afinal, ninguém precisa dizer que está chovendo lá fora, quando eu olho pela janela e posso ver que está chovendo.

Contudo, grande parte da realidade a qual nos referimos – e aqui penso em termos mais da filosofia da ciência – não é transparente aos nossos olhos. Como diria Clément Rosset, a realidade resiste ao conhecimento, que por sua vez, até pode se remeter à realidade, mas inevitavelmente criando o duplo da realidade (que pode ser o duplo de si mesmo) e não a realidade em si. E como complementa Edgar Morin: "As idéias e teorias não refletem, mas traduzem a realidade, que podem traduzir de maneira errônea. Nossa realidade não é outra senão nossa idéia de realidade". E se, para alguns, isso pode parecer tragédia (ou mesmo relativismo), para mim é redenção, a idéia de que tenho de aprender a conviver com os mistérios da realidade que minha mente não pode desvendar por completo...

E se fôssemos pensar nas ciências que menos podem “errar”, como é o caso das ciências médicas, por exemplo, ainda assim ficamos sabendo de casos nevrálgicos e quebra-cabeças dificílimos de resolver, mesmo ao mais talentoso cientista, o que requer, muitas vezes, uma boa dose de conhecimento intuitivo – para entender o que estou dizendo, basta assistir a um episódio da serie “House” – isto é, um conhecimento que nem sempre pode dar a razão exata de seus procedimentos.

Afora, estão também os muitos erros médicos cometidos, seja por imprudência, descaso, falta de recursos ou mesmo por falta de explicações exatas, certeiras, para problemas da vida humana. Igualmente (falo, obviamente, como leigo-observador e não especialista), podem-se considerar as possibilidades de encontrar diferentes formas de tratamento para um mesmo problema (fruto de pontos de vista matizados), em que haverão aqueles que tratarão algumas dessas formas como mais ou menos eficazes que outras, enquanto outros poderão ver certas possibilidades como tão eficazes quanto outras, num princípio que leva em consideração a complexidade da vida humana e o valor da investigação particular de cada caso, que é um caso, sem considerar o todo.

Bem, pelo jeito sofro do mesmo “mal” que você, um mal necessário, quem sabe, que é o de falar tanto, ao querer explicar, e acabar falando mais para si mesmo – como forma de esclarecer seu pensamento. Enfim, o debate continua aberto, caso você ache necessário prosseguir. Afinal, somos todos aprendizes nas trilhas labirínticas do conhecimento...

Jonathan

terça-feira, 9 de março de 2010

Aprendendo a lidar com as incertezas (II)

Escrevo esse post em deferência e resposta às indagações de Priscila Monteiro ao meu texto anterior. É mais fácil escrever livre e levemente do que explicar a si mesmo. Mas não custa tentar, afinal, o objetivo, ainda que não pareça, é comunicar alguma coisa.
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O “erro” a que me referi no post anterior – embora tenha usado exemplos mais concretos e relacionados com a fé no início do texto – em geral, diz respeito ao conhecimento e à maneira como lidamos tradicionalmente com ele, como se a condição de sobrevivência de uma ciência fosse apenas as certezas e acertos que ela defende e outorga. Tentando dialogar mais detidamente aqui com Edgar Morin, mas tendo também outros pressupostos de leituras anteriores em mente, percebo que essa foi umas das armadilhas do conhecimento entre os modernos – a não admissão das suas lacunas, da imprecisão de suas “verdades”, e da plausibilidade do erro.
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Gostaria de aqui reproduzir o que falei numa série anterior de posts sobre pós-modernidade: uma das posturas da vida acadêmica que deveríamos transpor é a de continuarmos sendo modernos no sentido de buscar a suficiência e evitar o erro a todo custo, como se ele fosse o câncer da ciência. Pelo contrário, o câncer da ciência se chama sufi-ciência! É quando o cientista ou intelectual pensa que a ciência (ou o campo da racionalidade) tem todas as respostas e é capaz de tudo e mais um pouco. Essa falsa assunção é (foi) sua ruína. Pois o erro não é defeito, mas é a condição de continuidade e processualidade da ciência, pois “ciência sem erro é dogma”, afirma Pedro Demo, e mais: “A renovação do conhecimento é diretamente proporcional a presença do erro”.
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Isso pode parecer um pouco “low profile”, resignação ou como uma celebração do erro; e em parte é mesmo. Parte do reconhecimento do que Morin chama de um princípio de incerteza racional. Segundo ele, é preciso desbancar os mitos da razão todo-poderosa e do progresso garantido. Nesse sentido, Morin diferencia “racionalidade” de “racionalização”. A segunda é fechada por natureza e a primeira é aberta, fruto do debate e não da detenção de idéias; é autocrítica, reconhece seus limites, e “sabe que a mente humana não poderia ser onisciente, que a realidade comporta mistério”.
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Dessa forma, o oxigênio de qualquer proposta de conhecimento é dar vazão às dúvidas sobre nossa possibilidade de conhecer, mesmo quando queremos defender certos pontos de vista, expor certas teses e fazer afirmações de forma segura e objetiva. Uma das facetas do conhecimento objetivo reside precisamente na subjetividade que o comporta, elabora e o transmite. E como não podemos eliminar a subjetividade inerente a toda proposta de conhecimento objetivo, não podemos eliminar o erro, tampouco a incerteza.
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A assunção de tal realidade, pelo menos a mim tem conduzido a um exercício mais modesto da “arte” de conhecer, e nem por isso menos cheio de santa inquietude: eu ainda não terminei, ainda não estou acabado, não cheguei à reta final. É a celebração de uma vida que aprende (mesmo a duras penas) a lidar com as incertezas e a ser aberta às possibilidades do presente e do porvir...

Jonathan

terça-feira, 2 de março de 2010

Aprendendo a lidar com as incertezas...

"As certezas andam sempre de mãos dadas com as fogueiras" (Rubem Alves).
Você já ouviu aquele ditado (acho que é um ditado), que diz: “O maior erro é não reconhecer o erro”? Pois é, nossos pais, ou quem sabe nossos avós já tinham essa consciência. Há também outra palavra similar, agora vinda da Bíblia, acerca de nossa natureza humana: “Se afirmarmos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós... Se afirmarmos que não temos cometido pecado, fazemos de Deus um mentiroso, e a sua palavra não está em nós” (1 Jo 1.8,10).

Se aceitar o erro é sinal de sabedoria, e reconhecer o pecado princípio de redenção, porque temos tanta resistência em admitir tanto o erro como o pecado na vida?

Minha tese é a de que fomos criados dentro de certa ditadura da perfeição, que nos induz à ilusão de não errar, e a um conhecimento “cego” acerca da vida e de nós mesmos. Que tipo de conhecimento pode ser considerado “cego” e que tipo de “perfeição”, ditatorial?

Conhecimento cego é aquele que pretende ser espelho das coisas ou do mundo externo; subestima o problema do erro, visto que, segundo Edgar Morin, “todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão” (2000, p. 19).

Perfeição ditatorial é um pré-requisito ou exigência da forma cega de conhecimento; porém, ainda que visemos à perfeição (completude), nossos meios são imperfeitos e incompletos. Em nossa maneira de ser e conhecer, desde cedo, fomos “doutrinados”. O problema é que doutrinas, em geral, pertencem à ditadura da perfeição, não admitem erros, pois admiti-los representaria a sua ruína.

Admitindo que outra forma de conhecimento seja possível e necessária, considerando os processos de criação e recriação pelos quais passa um mundo mutante, Morin, em seu livro "Os sete saberes necessários à educação do futuro" (2000), defende que a educação do futuro (no sentido de que algumas de suas proposições ainda estão distantes da realidade presente) precisa identificar e reconhecer erros, ilusões e incertezas do conhecimento que produz e ensina.

Será possível à educação teológica hoje desenvolver um tipo de racionalidade e, como consequência ou fruto, de prática que ensine e aprenda a lidar com as incertezas do conhecimento e da vida?

Jonathan