segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Grávidos de Deus

Nascimento: um dos acontecimentos mais mágicos e emocionantes da natureza. O nascer do sol, dos rios, das flores, da vida humana... Não sei (mas espero logo saber) se existe anseio mais gostoso que o dos pais de uma criança quanto ao seu nascimento. O nascimento é algo natural, mas é também um milagre, o milagre da vida, o milagre do natal.

Todavia, em nosso anseio (moderno) por naturalizar tudo – uma vez que “naturalizar a existência é um dos grandes desafios do homem moderno” (Gabriel Giannattasio) – temos naturalizado (banalizado, comercializado, fashionizado) o maior nascimento de todos: o advento, a vida do menino-Deus.

Por tudo o que envolveu o advento, ele foi o acontecimento mais extraordinário que já existiu.

Primeiro, porque nada nele seguiu o curso “natural” das coisas. Jesus nasce de uma virgem (Maria), noiva de José (o carpinteiro), numa estrebaria pobre na cidade de Belém. Uma história repleta de impossibilidades humanas feitas possibilidades divinas. Deus escolhe nascer do ventre de uma bem-aventurada aos seus olhos, mas desventurada (socialmente) para os seus (quem imaginaria?). José, contrariando os temores de Maria, e a atitude “normal” de qualquer judeu naquela circunstância, adota o bebê como seu filho, após ter sido convencido pelo anjo (pelo anjo!) de que Maria estava grávida do Espírito. Personagens anormais, para uma história anormal. Afinal, eles estavam grávidos de Deus! Tinham eles consciência da dimensão disso?

Segundo, porque o advento representa Deus se fazendo gente, tomando a forma humana, “arregaçando as mangas” e entrando na bagunça da história. O advento é uma das expressões mais sublimes de que Deus nos entende, e de que Ele nos ama. O menino-Deus é Deus conosco! Encarnou a fragilidade, a dor, e a miséria da condição humana, desde a inglória manjedoura até a insuportável cruz, expondo sua total vulnerabilidade para que, através de sua morte, encontrássemos vida.

Mas que vida é essa que encontramos? Em mensagens de fim de ano é comum se escutar pessoas dizendo que precisamos relembrar o verdadeiro significado do natal: Cristo nasceu e ele precisa continuar a nascer em nosso coração. Para que isso não continue sendo apenas um clichê de fim de ano, precisamos entender que esse nascimento não foi um acidente, nem pode ser naturalizado, mas é fruto do poder do amor do “Deus que intervém” (Schaeffer).

Ademais, de fato, o nascimento de Deus para a história não tem sentido (para além da naturalização e culturalidade) se ele não nascer em mim. E para que ele nasça em mim e em você é preciso que deixemos o Espírito realizar o milagre do natal, nos engravidando de Jesus. Não há força de vontade, nem bons pensamentos ou boas obras que possam gerar Deus em nós, e fazer da nossa vida uma vida cheia de Deus; quem faz isso é o Espírito, por obra e graça Dele mesmo.

Jesus nascendo em mim implica em eu nascendo para uma vida nova, vida repleta de amor, justiça, paz e esperança; vida que gera vida; vida que inspira a vida; vida que move outras vidas a viver conforme o viver de Deus em Cristo. Esse é o milagre do natal; não somente a notícia de que Deus está presente, mas do que vem a reboque: pessoas cheias, “grávidas de Deus”, ávidas por “engravidar” umas as outras com o amor, a compaixão, a solidariedade e os sonhos que brotam do trono da graça Daquele que sempre foi o mais fascinado e apaixonado pela história humana.

Que neste natal o Espírito te engravide de Cristo, para que a vida de Deus nasça em você e nasça em quem mais estiver ao seu redor.

Jonathan

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Carta à minha aluna, Elisabete

Querida Bete,

Quero começar dizendo que para mim tem sido um presente divino tê-la como aluna e companheira de jornada durante esse ano que se finda. Desde o primeiro dia de aula, no início do semestre passado, na disciplina de Metodologia da Pesquisa, pensei em quão desafiador seria ter uma deficiente visual em minha classe. Afinal, era um fato inédito em minha, relativamente recente, vida de professor. Será que eu estou preparado para esta situação? Como vou me adaptar ao seu contexto e necessidades? Como posso ensinar? Mas logo percebi que essas eram perguntas inúteis, sob certo ponto de vista. Porque, no início, eu é que não enxergava...

Não enxergava que, na verdade, poucas vezes estamos preparados para a vida; a vida é quem frequentemente nos prepara para ela mesma, através das muitas oportunidades que cruzam nosso caminho. E foi assim que passei a entender a sua presença, depois de certo tempo, sempre marcante, em duas de minhas classes neste ano: como uma oportunidade de crescimento para todo mundo, embora tome isso para mim, de modo especial.

Quando percebi em você a garra e a alegria de viver de quem vai à luta, apesar das muitas dificuldades, vi que não havia tanto com o que me preocupar quanto ao meu papel como professor, que é sempre limitado. Minha preocupação passou a ser: como posso aprender com a Bete, sua história e exemplo de vida? E você me ensinou muitas coisas ao longo desse ano, pode ter certeza. Até porque, aprendizado não se dá com conceitos, idéias e informações acumuladas na mente, mas, sobretudo, através de experiências vivenciadas que guardamos no coração (no centro de nosso ser). Logo, parafraseando Beto Guedes, experimentamos o aprendizado como lembrança de uma lição que até podíamos saber de cor, mas que ainda restava aprender.

Assim, aprendi que a cegueira física não é uma deficiência maior que a cegueira espiritual e ética de tantas pessoas – incluindo a mim mesmo, em certos momentos. Pelo contrário, ela permite que se enxergue mais que os outros em tantas coisas, sobretudo quando se busca forças em Deus e na superação de si mesmo; e quando se entende, como Paulo, que a sua Graça nos basta e que o poder se aperfeiçoa na fraqueza; e você tem feito isso, e me inspirado a também fazer, com as minhas deficiências (todos as temos). Ensinou-me a ser perseverante, a não reclamar da vida, a lutar pelo que sonho, a caminhar com os mais simples e aprender da sabedoria divina neles escondida, a acreditar na vida e, mais do que isso, a continuar a acreditar que Deus existe e que Ele anda ao nosso lado, nos guiando em nossos belos, às vezes tortuosos e difíceis, mas encantáveis caminhos. Obrigado por tudo até aqui, querida irmã!

Um abraço fraterno!
Jonathan

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Um canto de vitória e esperança (II)

O que nos motiva e nos move a continuar cantando?

Assim como nós, o apóstolo Paulo também faz perguntas: Que diremos diante destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Não nos dará Deus, de graça, todas as coisas? Quem nos fará acusação?Quem nos condenará? Quem nos separará do amor de Cristo? (Rm 8.31-39).

Por trás de cada uma dessas perguntas, há uma afirmação: de que Deus está ao redor e no interior da vida, provendo, cuidando, libertando, agindo soberanamente, sendo Deus! Em Jesus Ele nos deu a maior prova de amor de todas, não poupando seu próprio Filho. E, em outras palavras, o que Paulo está dizendo aqui é que nada do que diz respeito a este mundo e a esta vida pode eliminar ou nos privar dos efeitos deste ato de amor de Deus!

Embora a declaração de que somos mais que vencedores tenha se tornado um clichê usado pelos dois primeiros grupos, a) os do canto triunfalista, e b) os do canto de negação, ela está mais associada com os do terceiro grupo, c) da afirmação e aceitação jubilosa.

Será que Paulo está aqui negando que existem condenação ou separação? Ou que tribulação, fome, nudez, perigo, espada, perseguição, angústia e morte têm poder sobre nós? No meu entendimento, não! Porque, se esse é o canto de Cristo, é o canto daquele que venceu a morte, porque antes passou por ela; é o canto daquele que nos deu a esperança da ressurreição e da vitória, mas não rejeitou o caminho da cruz e do fracasso. Ou seja, nós podemos ou vamos passar, ou já temos passado por isso tudo (vide o v. 36, em que se diz: "Por amor de ti enfrentamos a morte todos os dias; somos considerados como ovelhas destinadas ao matadouro").

O que nos move ou motiva a continuar cantando ao passar, é que nenhuma delas tem poder suficiente para nos apartar do amor de Cristo! Nenhuma! Nada! Assim...

O cântico do amor é o que aumenta nossa fé e nos dá esperança!

Sempre acreditei, contra todas as falsas expectativas e os falsos sentimentos, que o AMOR é a mais sublime e necessária de todas as virtudes, marca da imagem de Deus em nós...

Não porque seja um sentimento, mas porque é e se traduz em ação! Ação que nunca julga se é justo ou injusto pagar, com a própria vida se preciso for, para que outros vivam. Por isso o amor é permeado pela dor e a incompreensão. Que razão, por mais inteligente que seja, consegue compreender o amor?

Jesus foi essa pessoa... Permeado de incompreensão, de dor, de amor – e por isso da maior alegria! A alegria que nada pode arrancar, pois não depende das circunstâncias. Por seu exemplo podemos hoje dizer, crer, esperançar: a morte não é o fim, é o começo! Nada pode nem poderá nos separar do seu amor!

Jonathan

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Um canto de vitória e esperança (I)

Como entoar um cântico de vitória e esperança em meio às adversidades?

É fácil cantar cânticos de vitória quando se é vitorioso; de alegria, quando se está alegre, e de esperança, quando as coisas que esperávamos acontecer, aconteceram. Só que o mais louco e contraditório da vida cristã, vida na fé, é que por tantas vezes, e pelas mais variadas razões, somos incentivados a cantar, apesar das circunstâncias. Mas, como podemos ser honestos com a vida, com as pessoas, com Deus e com nossos próprios sentimentos diante das perdas, e ainda assim, cantar?

Temos conhecido algumas formas de se fazer isso no cristianismo atual:

(1) Uma delas, diz respeito a “cantar vitória”, porque assim fazendo, “chamamos” a vitória para o nosso lado. Esse é o canto triunfalista. Talvez um dos mais populares hoje em dia...

(2) Outra, é o que podemos chamar de canto de negação. É o canto que nega a realidade, pois nos afasta dela. É o canto que nos dá doses de ilusão, de que tudo está sob controle e vai ficar bem, mesmo que nada esteja bem e, por certo tempo, nem vá ficar bem...

(3) O terceiro canto é o canto de afirmação e aceitação jubilosa. Aqui, reconhece-se a realidade, lamenta-se por ela, contudo, a realidade, por mais dura que possa ser, não pode paralisar o canto. Porque o canto, não nega nem está apartado da realidade...

A terceira forma de ser e cantar é a que mais me parece condizer com os muitos exemplos das Escrituras. E aqui quero ilustrar com dois poetas. Ninguém melhor do que eles para nos falar nessas horas... Eugene Peterson disse que os poetas são “pastores de palavras”, pois eles lidam com respeito e reverência tanto as palavras, quanto a realidade que elas representam.

1º exemplo: o rei-poeta Davi. É um daqueles que nos lembra a integridade que devemos ter. Nossos cânticos devem ser expressão do que vivemos. Davi cantava o que vivia.

Como a corça anseia por águas correntes, a minha alma anseia por ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo. Quando poderei entrar para apresentar-me a Deus? Minhas lágrimas têm sido o meu alimento de dia e de noite, pois me perguntam o tempo todo: "Onde está o seu Deus?". Quando me lembro destas coisas choro angustiado. Pois eu costumava ir com a multidão, conduzindo a procissão à casa de Deus, com cantos de alegria e de ação de graças entre a multidão que festejava. Por que você está assim tão triste, ó minha alma? Por que está assim tão perturbada dentro de mim? Ponha a sua esperança em Deus! Pois ainda o louvarei; ele é o meu Salvador e o meu Deus (Salmo 42.1-6).

2º exemplo: o profeta-poeta Habacuque. A situação do profeta e do povo era de escuridão. Mas seu canto é uma das mais bonitas expressões de afirmação e aceitação jubilosa.

Mesmo não florescendo a figueira, e não havendo uvas nas videiras, mesmo falhando a safra de azeitonas, não havendo produção de alimento nas lavouras, nem ovelhas no curral nem bois nos estábulos, ainda assim eu exultarei no SENHOR e me alegrarei no Deus da minha salvação. O SENHOR, o Soberano, é a minha força; ele faz os meus pés como os do cervo; faz-me andar em lugares altos (Habacuque 3.17-19).

Sinto que nós precisamos de um canto de afirmação: da vida, apesar da morte; da esperança, apesar do desmoronamento de expectativas; de alegria, em meio a tristezas; de vitória, não obstante as perdas.

(Continua...)

Jonathan

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Dia da Reforma Protestante: o que celebrar?

“Mas temos esse tesouro em vasos de barro, para mostrar que este poder que a tudo excede provém de Deus, e não de nós” (2Co 4.7).

No dia 31 de outubro de 1517, o monge alemão Martinho Lutero afixava suas 95 Teses contra a venda das indulgências (perdão para salvação) na catedral de Wittemberg, desafiando o Papado e a Igreja de Roma a uma reflexão e mudança de atitude. Esse ato consciente de transgressão marcou a vida de Lutero dali para frente, bem como de várias pessoas que foram por ele influenciadas; mexeu com os brios de Roma, que, quatro anos depois, excomungou-o e, com ele, seus muitos escritos de advertência e admoestação bíblica e teológica. Revoltados, muitos foram às ruas “protestar” contra tudo aquilo. Naqueles diferentes instantes, deu-se prosseguimento a um conjunto de eventos, que posteriormente foi chamado de Reforma Protestante.

Bem, e o que nós, cristãos do século 21, temos a ver com isso? Essa pode ser uma pergunta fundamental, mas também traiçoeira. Explico. Ao mesmo tempo em que temos tudo a ver, uma vez que o protestantismo nasce e cresce a partir de então, também temos tido bem pouco a ver, se considerarmos a falta de estímulo à conservação desta memória e herança reformadas entre nós, sobretudo entre gerações mais recentes de crentes (cinqüenta anos para cá). Parece que, em tantos sentidos, as igrejas que (direta ou indiretamente) advêm da Reforma, acabaram se esquecendo de seu “princípio protestante”.

Mas o que há de tão fundamental nesse “princípio” do passado, que valha ser lembrado, cultivado e celebrado no presente e no porvir? Se eu pudesse resumir em poucas palavras, diria o seguinte. Vale ser lembrado, pois:
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1. É um princípio de protesto: contra toda tentativa de fazer com que estruturas, hierarquias, dogmas e outros artifícios religiosos e humanos assumam o lugar único devido à Palavra de Deus. Tem-se, com isso, enaltecido mais os “vasos de barro” do que o próprio tesouro (Evangelho) que eles carregam. Por isso, esse protesto não pode ser esquecido, nem tampouco omitido em nossos dias. Afinal de contas, o que haveria para celebrar em um protestantismo que não protesta?
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2. É um princípio de retorno: ou, pelo menos, de tentativa de retorno à igreja que vemos sendo edificada conforme relatos do Novo Testamento. Uma igreja que teve amor pelo Senhor e por sua Palavra acima de tudo, e que soube traduzir isso em ações de amor e misericórdia ao próximo. Uma igreja onde as pessoas são mais importantes que as coisas, e em que são elas, as pessoas, sem distinção de classe, cor, etnia ou gênero, tampouco entre clero ou laicato, no respeito e celebração de suas diferenças, instrumentos de Deus em Sua Missão. É de acordo com esse modelo que devemos continuar nos reformando nos dias de hoje.
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3. É, por fim, um princípio de liberdade: a liberdade para qual Cristo nos libertou e na qual não temos de nos submeter a qualquer peso de escravidão. Uma liberdade alcançada pela fé, e alicerçada na graça de Deus, que deve nos bastar, porque sem ela não somos plenamente livres. Liberdade que implicou e deve continuar implicando em “livre exame das Escrituras”, sem a dependência exclusiva da mediação de classes especializadas e “autorizadas”, visto que Toda autoridade foi dada a Cristo e à sua Palavra. Todos os crentes podem (ou deveriam poder), a partir de então, se ver num ambiente livre em que possam juntos examinar, interpretar e aplicar o que diz a Palavra de Deus para suas vidas, servindo uns aos outros a adorando ao Deus que nos fez, nos redimiu e nos uniu a Ele e uns aos outros.
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Por essas (e por outras) que o “Dia da Reforma” deve ser dia de celebração a um único movimento: o movimento do Espírito, que continua soprando, falando, agindo entre nós, mas também além de nós. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça o que o Espírito diz às igrejas!

Jonathan

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Manifesto a favor do Aborto... dessa palhaçada eleitoral!

Quem imaginava que aquela discussão de cunho ético-religioso, ocorrida durante o 1º turno das Eleições 2010, sobre direitos dos homossexuais e afins, liberdade religiosa e a descriminalização do aborto iria tomar as proporções que tem tomado neste 2º turno? O detalhe é que agora os postulantes ao cargo de presidente do Brasil, Dilma e Serra, resolveram despertar para a questão, muito em função dos dados estatísticos de pesquisas eleitorais, e da própria resposta das urnas.

Como se afirma na matéria de capa da Época (edição 647, p. 45): “O horário eleitoral transformou-se, de uma hora para outra, num espaço de louvação a Deus – por gente que, no passado, nunca fora vista usando linguagem religiosa em público. Isso pode ser interpretado como hipocrisia ou pode ser visto como uma saudável imposição dos valores dos crentes a suas lideranças”. Hipocrisia parece mesmo ser. Mas não consigo ver como a imposição, seja lá de onde venha, pode ser algo saudável, nem o que está acontecendo, como uma imposição. Talvez a imposição mais saudável a se ocorrer pudesse ser a de impeachment eclesiástico de determinados líderes religiosos. Isso sim, seria bom de ver.

Estão dizendo por aí, então, que a religião resolveu abraçar a política de vez. Mas, pergunto: quando foi que elas (religião e política) deixaram de estar, direta ou indiretamente, abraçadas?

Estão dizendo por aí também que a religião (sobretudo a evangélica) será um fator decisivo no presente pleito. Por isso, afirmo: caso decida, decidirá pela via e da forma (eu disse “forma”) pior possível, através do costumeiro fisiologismo, calúnias e difamações, desinformação e cooptação.

Concordo com Ary Oro, que afirmou à revista Época (edição 647, p. 41) ser “impossível ignorar a força numérica, demográfica e eleitoral da religião”. Sem dúvida, razão pela qual é óbvio: os atuais candidatos têm se mostrado tão mestres na arte de não mais ignorar a religião no pleito eleitoral que até de religiosos agora estão posando, cheios de “dedos” com as questões morais e religiosas, com muita fé e amor pra dar.

Contudo, faço a seguinte provocação: terão estes o mesmo interesse em dialogar e ouvir tais grupos e líderes religiosos em seus governos, caso sejam eleitos? Minha hipótese, com base na história recente, é de que NÃO, por razões simples e óbvias:

(1º) Porque os religiosos em geral, salvo conduto aos raros cidadãos bem formados e conscientes que grassam não entre, mas aparte deles (embora sejam postos “no mesmo saco”), não estão discutindo um projeto de país e, sim, reivindicando a “conservação de seus direitos” – se é que acreditamos que a extinção deles está mesmo em jogo, e de que isso tudo, o que está circulando por aí, não tem nada a ver com mitos eleitorais.

(2º) Porque a maioria dos que ora se manifestam a favor disso ou contra aquilo têm pouca (ou nenhuma) contribuição a oferecer para a sociedade civil em assuntos não tipicamente religiosos ou morais, como educação, saúde, cultura, meio ambiente, infra-estrutura, economia, etc., salvo os marginais outrora mencionados, que estão espalhados por aí, inconformados (ou não) com esse lamentável cenário. Já os manifestantes de última hora são gente “boa praça”, defensores da moral, os quais quase todo mundo gostaria de ter como vizinho, mas, parafraseando o que disse Philip Yancey (2004), não suportariam passar mais de cinco minutos conversando com eles.

(3º) Porque, exatamente pela segunda razão, o discurso por eles (sobretudo os sacerdotes carismáticos e midiáticos) encampado é superficial e monolítico; pode até ser levado em consideração no momento, em função de propósitos eleitorais (ou eleitoreiros), mas serão esquecidos depois (ainda bem e tomara!).

Outra forma de participação é necessária e possível! A campanha de Marina Silva foi um exemplo disso. Sua exemplar atuação mostrou-nos que: (1) nenhuma confissão religiosa deve ser tratada como moeda de troca em qualquer circunstância, tampouco a eleitoral; (2) precisamos avançar em nossa atuação pública e cidadã, abandonando práticas antigas e rançosas como a barganha política e ideológica, o fisiologismo, precariedade e mediocridade; (3) que a religiosidade e os valores éticos de nosso povo precisam ser levados em consideração em uma eleição, porém não de modo raso e oportunista; (4) que a questão do aborto e do homossexualismo, por exemplo, devem ser tratadas no “mérito”, considerando o ser humano envolvido, seus dramas e os diversos fatores e complexidade de cada situação, e não apenas “lidas” sob a pecha política da lei moral, cívica ou religiosa (com grandes doses de purismo infértil e hipócrita – que “côa o mosquito, e engole o camelo”).

Uma coisa é se auto-declarar “a favor da vida”, como têm feito ambos os candidatos, retoricamente bem treinados; outra, mais complexa e custosa, é militar a favor dela, custe o que custar. Marina foi e continuará sendo uma militante pela vida, por causa (e a despeito) de seus valores religiosos; sua história tem sido uma prova disso. Além do mais, sendo religiosa, ela nos deu uma aula de como devemos nos portar enquanto cidadãos e agentes políticos no espaço público, sob os auspícios de um estado laico. Uma coisa é o que defendo pessoalmente (meus valores); outra é como fazer coexistir o que defendo pessoalmente com o “bem comum”, em um debate público sobre questões que envolvem interesses mais amplos que os meus. Nesse quesito, religiosos e não-religiosos precisam avançar, para que a sociedade avance.

Contudo, quantos estão dispostos a pagar o preço da integridade, quem sabe, às custas da popularidade ou reputação? Por isso, a impressão que dá é que Jesus Cristo, embora tenha seu nome sendo levado para todos os cantos e sendo usado (e abusado) das mais diferentes formas, tem bem pouco a ver com isso tudo. Sua história prova que ele jamais abandonou a integridade, embora tivesse sido tentado a optar pelo caminho mais fácil; e ele não dava a mínima para reputação. De que adianta ter uma boa posição e reputação perante o status quo, e uma péssima diante de Deus? Como ele mesmo disse: “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?” (Mateus 16.26).

Por isso, honesta e revoltosamente falando, sou a favor do aborto! Do aborto dessa palhaçada, que tem transformado o horário eleitoral em púlpito religioso; da palhaçada que fez de palhaços, políticos e de políticos, palhaços, e que tem transformado o povo – que elege tanto políticos quanto palhaços – platéia desse circo de engodos. Seria capaz de dizer que sou a favor do aborto dessas eleições inclusive, se isso fosse possível; seria a favor do voto nulo como protesto, se ele se me mostrasse algo efetivo e possível – francamente, a vontade é mesmo essa. Diante de tanta palhaçada, acho que estamos precisando de um pouco de anarquia do bem, de gente que se revolta e dá uma “basta” a isso tudo. Temos esse poder? Não é essa a vantagem que a democracia nos oferece, bem como a eleição direta? Não é do povo que o poder emana? Como diria Gabriel, O Pensador: “Não adianta olhar pro céu, com muita fé e pouca luta”. Parafraseando-o: Até quando você vai levando, porrada, porrada, até quando vai ser saco de pancada... até quando vai ficar sem fazer nada?

Jonathan,
Decididamente inconformado

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Só de sacanagem - por Elisa Lucinda



Meu coração está aos pulos!

Quantas vezes minha esperança será posta à prova?

Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.

Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova?

Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?

É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.

Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.

Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar.

Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau."

Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!

Créditos

Texto: "Só de Sacanagem", por Elisa Gucindo

Música: "Unimultiplicidade", por Ana Carolina e Tom Zé

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Amnésia ideológica no PT

Escrevi o texto abaixo há 6 anos. Relendo-o, percebi o quanto ele continua atual, guardadas as devidas proporções. Ele não demoniza o PT, como alguns têm feito atualmente, porque subentende que qualquer partido tem seus altos e baixos (uns mais baixos que altos, é verdade). Mas se trata de um desabafo de alguém que, um dia, acreditou na luta histórica do partido, e viu essa mesma luta se perder na amnésia ideológica auto-induzida vivida por muitos de seus membros na última década. Assim, exponho-o aqui sem nenhum receio, pois sei que, de lá para cá, a coisa só piorou. O diagnóstico (e o prognóstico), portanto, poderia ser muito pior que o aqui exposto. Segue...
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Diante dos últimos acontecimentos políticos em Brasília, e dos desdobramentos nas demais instâncias do país, vislumbramos uma das agitações mais ambíguas da história política brasileira. O maior paradoxo, a meu ver, está no fenômeno “auto-induzido” de debilitamento do Partido dos Trabalhadores, que outrora fora o maior partido de esquerda da América Latina, mas que atualmente, segundo a senadora, ex-petista, Heloísa Helena, não passa de “uma ferramenta política da propaganda triunfalista do neoliberalismo”.

As cúpulas diretivas do PT hoje são compostas por ditos ex-revolucionários de esquerda, que com uma avidez ingênua ou programática (quem sabe?), lambuzam-se e abusam do poder, de corpo e alma, abraçam a vaidade de seus interesses particulares, sobrepujam os adversários que cruzam seu caminho (eliminando ou anulando os “de dentro”, cooptando e contemplando os “de fora” do partido), e cospem nos direitos estabelecidos na constituição democrática da república, como tantos outros fizeram na história. Assim, a antiga “virgem imaculada”, padroeira defensora da ética e dos direitos dos trabalhadores, abandona sua beatitude para aos poucos se tornar dona de uma grande e rentável máquina de prostituição.

O PT protagoniza de forma patética os antagonismos do poder capitalista combatidos fervorosamente no passado por seus mais ilustres militantes (hoje “ilustres canalhas”, como o ex-ministro José Dirceu) e por tantos outros anônimos que se dispersaram na “massa” dos milhões que acreditaram em Lula – e que continuam acreditando nele, agora através de Dilma (sic) – dividindo-se entre os arregimentados e amordaçados pela “partilha do bolo” do poder, e as minorias dissidentes do partido, que persistem na mobilização contra as ingerências governistas, lutando para preservar as bandeiras históricas idealizadas no projeto de uma esquerda socialista e democrática, que vem sendo edificado há mais de duas décadas.

Hoje eles sonham e caminham sós, enfrentando o descrédito de suas utopias e vendo o desinteresse geral pela política crescer, posto que o realismo tem vencido a ludibriada “esperança”. Têm de encarar ainda a amnésia política e ideológica da base governante de seu partido, cuja práxis faz valer a frase profética dita por Heloísa Helena há quase uma década, antes de ser escorraçada pelos mesmos “companheiros” com os quais lutou pela construção desse partido. Ela disse, em matéria publicada na Veja on-line (29/01/2003), que “partidos nascem e morrem. Podem continuar vivos do ponto de vista legal, mas estar sepultados em sua razão de existir”.

Jonathan

domingo, 26 de setembro de 2010

Oração e integridade (III)

Para finalizar esta série, gostaria de compartilhar alguns trechos de pensamentos de autores a quem admiro, não por me ensinarem 10 passos sobre como orar, ou a fórmula da oração bem-sucedida; longe de mim coisas assim, e dos autores aos quais me referirei. Admiro-os, pois, ao falar sobre a oração, não escondem a dificuldade implícita nessa atividade, embora a considerem preciosa e importante; nem tampouco seguem a linha do determinismo crente, de que orar pode mudar céus e terra ou move o coração de Deus, desde que oremos “do jeito certo”.

Definitivamente, não! Reconhecem que a oração muda a gente em relação a Deus e não Deus em relação à gente. Tampouco ignoram o fato de que, pessoas de oração são, antes de tudo, gente de carne e osso, humanos, demasiadamente humanos. E isso me encanta, porque posso me distanciar cada vez mais do lugar religioso do cinismo, hipocrisia e da falsa piedade, e me aproximar mais de um lugar onde posso me considerar, quem sabe, um homem de oração, sem deixar de ser homem e nem almejar que minha oração “mova montanhas”, ocupando o lugar de Deus. Isso é o que ainda me mantém fascinado, ou seja, a chance de poder constatar que a oração, em si, não tem poder algum; quem o tem é Deus. E Ele parece não estar disposto a dividir esse posto com ninguém.

O primeiro autor a ser referendado não fala de oração (pelo menos não aqui). Mas fala sobre ser humano ou sobre a condição humana, coisa que nunca deixamos de ser, principalmente quando oramos. As palavras de Paulo Freire, admirável ser humano e brilhante educador, me inspiram a gostar desse paradoxo que é ser humano:

Gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo, inequívoco, irrevogável, que sou ou serei decente, que testemunharei sempre gestos puros, que sou e que serei justo, que respeitarei os outros, que não mentirei escondendo o seu valor porque a inveja de sua presença no mundo me incomoda e me enraivece. Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destino” não é um dado, (sic) mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade (Pedagogia da autonomia, p. 58-59).

Oração é, na vida de fé, o ato em que entramos diante de Deus em postura consciente e deliberada de falar e ouvir – relacionamento do Criador com a sua criação e dela com Ele. A qualquer tempo que nos concentramos, focamos os pensamentos e prestamos atenção, nós oramos. Orar significa ter consciência, exercitar a atenção, estimular e desenvolver a intensidade pessoal diante de Deus. (...) A oração é linguagem ousada para se dirigir a Deus, não para explicá-lo nem para falar sobre Ele. É resposta. O evangelho tem a missão de nos fazer parar de falar sobre Deus e nos levar a falar com Ele. (...) O verdadeiro conhecimento de Deus jamais é conhecimento sobre Ele; é sempre relacionamento com Ele (Trovão inverso, p. 128, 129).

A segunda referência foi de Eugene Peterson, para quem oração significa prestar atenção em Deus e manter o foco de nossa vida Nele. A terceira e última citação vem de Henri Nouwen, exemplo de integridade, como foi Jeremias; o que ele escrevia, ele vivia; e o que ele vivia, era expresso com enorme e inexorável franqueza em seus escritos. Com sua sensibilidade e brilhantismo ele deixou um legado espiritual incomparável para nós, cristãos. Em todos os seus livros praticamente se fala sobre oração. Mas em no Diário de seu último ano sabático, encontrei o que, para mim, são as palavras mais humanas e livres até então por ele escritas sobre o assunto.

Primeiro, ele começa falando sobre seu entendimento do que vem a ser a oração:

A oração é a ponte entre a minha vida inconsciente e consciente. Ela conecta meu pensamento com meu coração, minha vontade com minhas paixões, meu cérebro com meu estômago. A oração é a única via para deixar o Espírito vivificante de Deus penetrar todos os recantos do meu ser. É o instrumento divino de minha completude, unidade e paz interior (Diário, p. 20).
Em seguida, ele compara essa definição com sua vida de oração, fazendo uma confissão honesta acerca de si mesmo, um idoso de quase 64 anos de idade, que passou a vida falando sobre espiritualidade e oração, tendo um alto grau de aceitação e sucesso por isso, mas que, no fim da vida, se vê diante da encruzilhada tenebrosa de ter que admitir certos paradoxos em sua espiritualidade:

Se é assim, o que posso dizer sobre minha vida de orações? Gosto de orar? É meu desejo orar? Reservo tempo parar orar? Francamente, a resposta é “não” para todas as três questões. Depois de 63 anos de vida e 38 de sacerdócio, minha oração parece tão morta quanto uma pedra. (...) A verdade é que não sinto nada de singular quando oro, se é que sinto alguma coisa. Não há emoções intensas, sensações físicas, ou visões mentais. Nenhum de meus cinco sentidos é tocado – nenhum cheiro especial, nenhum som especial, nenhuma imagem especial, tampouco algum movimento especial. Se por um bom tempo o Espírito agiu tão claramente em minha carne, agora não sinto nada. Vivi na expectativa de que a oração se tornasse mais fácil à medida que eu envelhecesse e me aproximasse da morte. Mas parece estar acontecendo o contrário. As palavras escuridão e aridez parecem ser as melhores para descrever minha oração hoje (Diário, p. 20, 21).

Por fim, Nouwen nos brinda com a tentativa de avaliar sua própria confissão anterior, admitindo a grande dose de realismo nu e cru que nela há, sem, no entanto, perder de vista as possibilidades escondidas mesmo em seus mais áridos desertos espirituais, tampouco a perspectiva bíblica de que, no fim das contas, o Espírito “nos ajuda em nossa fraqueza, pois não sabemos como orar, mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis” (Rm 8.26, NVI):
Será que a escuridão e aridez de minha oração são sinais da ausência de Deus, ou são sinais de uma presença mais profunda e vasta que meus sentidos podem abarcar? A morte de minha oração é o fim de minha intimidade com Deus ou o início de uma nova comunhão, para além das palavras, emoções e sensações corporais? Na meia hora em que me sento para estar na presença de Deus e orar, não acontece coisa sobre a qual poderia comentar com meus amigos. Mas talvez esse tempo seja uma maneira de morrer com Jesus. O ano à minha frente deve ser um ano de oração, embora eu diga que minha oração está tão morta quanto uma pedra. A minha certamente está, mas não a oração do Espírito em mim (Diário, p. 21).

Jonathan

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Sobre o Manifesto do Conselho de Pastores Evangélicos de Londrina

O Manifesto ao qual me referirei, pode ser lido no Coisado.com. Fico feliz em ver este Conselho se manifestando, e parabenizo-o pela excelente iniciativa; deveria fazer mais manifestos dessa natureza (e espero que o faça), especialmente fora das eleições, sobre questões públicas que não envolvam somente a “causa” dos evangélicos ou cristãos, como ele mesmo estimula, e muito bem, seus leitores a fazer ao final do texto.

Todavia, quero respeitosamente destacar alguns pontos no mínimo controversos e passíveis de debate do manifesto:

(1) Primeiro, ele fala de “movimentos que se levantam contra a liberdade de expressão da igreja”. Isso me parece muito mais um sentimento interno, fruto desse movimento que temos visto acontecer nas ultimas semanas em função de certos vídeos, do que algo que seja intenção clara e direta desses movimentos. Indiretamente, talvez mexa um pouco; mas não podemos afirmar que seja intenção primária. O PNDH 3 (Programa Nacional de Direitos Humanos 3), por exemplo, pretende (veja, eu disse “pretende”) defender os direitos de TODOS, desde garantir os direitos civis e humanos dos homossexuais, até “o livre exercício das diversas práticas religiosas, e a proteção de seu espaço físico”, o que inclui obviamente os cristãos, mas não SÓ os cristãos.

(2) Afirma-se ainda que o PLC 122/06 “pretende tornar criminosa toda a manifestação contrária à prática do homossexualismo”. Bem, eu li o projeto (e fico me perguntando quem mais leu, antes de se pronunciar contra ou a favor) e, pelo que li, NEM TODA manifestação será considerada criminosa (pelo menos em tese), só aquelas que efetivamente forem criminosas deverão ser punidas, como a questão do preconceito e da discriminação, em torno das quais claramente gravita esta lei.

Veja o Artigo 20, por exemplo: punirá (com reclusão de 1 a 3 anos e multa) quem “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem... orientação sexual ou identidade de gênero”. Se um pastor ou crente fizer isso (o que inclui a mim), apoio que sejam mesmo punidos como qualquer um. Ter uma posição pessoal contrária a homoafetividade não implica, necessariamente, em incitar preconceito ou discriminação contra homossexuais. Aliás, o testemunho cristão não condiz em nada com tais ações. Se não condiz, porque estamos tão preocupados? Será porque sabemos que entre nós existem fundamentalistas religiosos bem capazes de agir contra tal lei e, não só isso, contra o que o próprio Cristo nos ensinou?

(3) O texto também diz que “precisamos buscar candidatos que, além de respeitar a Constituição, assegurem também o direito da Igreja Cristã”. Correto, “também”. Afinal, ele milita num estado laico, e tem de defender os direitos de todas as pessoas de professarem publicamente suas religiões e religiosidades, mesmo as não-cristãs, e lutar por um estado social de direito, visando o bem comum – básico isso, não?

Em suma, sugiro aos irmãos e irmãs que tenham lido esse manifesto, que também se informem, leiam, pensem, meditem, orem sobre tudo o que puderem, não só antes de votar nas próximas eleições, mas também de condenar ou emitir opiniões a respeito. Do contrário, continuaremos sendo taxados, e com razão, de reacionários ignorantes, e gente que não pensa. NÃO É PROIBIDO discordar, de quem for, mesmo que seja o pastor, bispo ou apóstolo da sua igreja. Ele foi ungido e escolhido por Deus para essa função no corpo de Cristo, mas não é melhor que ninguém, e mesmo eles, os ungidos, falam besteira de vez em quando, afinal, são gente, em construção, pessoas inacabadas. A boa obra que Deus começou neles não está mais completa do que nos demais, mas há de ser completada... Até lá, eles só realizam coisas diferentes e não mais importantes que você, que não é sacerdote, e continuam sendo pecadores salvos pela graça e muito carentes dela em suas vidas, como qualquer um de nós. Discernir é preciso e pensar não é pecado!

Jonathan

terça-feira, 21 de setembro de 2010

No limear entre o Amém e o Retuitar

É engraçado, porém, não sem sentido, como certas reflexões que tenho feito têm nascido e crescido ultimamente de papos informais, seja pessoalmente ou pelo twitter. Às vezes, o que escrevo vira opção de reprodução no twitter, às vezes o que tuíto (é assim que escreve?) vira alternativa para reflexões textuais mais ou menos amplas, como será o caso a seguir.

O último de meus cúmplices de idéias foi Sérgio Carmo (sigam ele no twitter: @sergiorscarmo, pra não dizer que não fiz “jabá”), após sua resposta a uma de minhas postagens, que dizia: “É tendência dominante na religião o endosso sem o exame crítico, o ‘Amém’, sem o conferir coisa com coisa”. Então ele respondeu com um “Amém” (risos), e em seguida brincou com o lance, dizendo que “o amém é o retuíte da vida real”. Gostei da brincadeira, e repliquei dizendo que, por sua vez, “alguns améns” (isto é, nem todos) são retuítes (sem edição, nem adição) da vida real. E ai de quem “adicionar” ou “subtrair” algo! Afinal, à Palavra (de Deus, ainda que segundo os homens) não se põe, sobrepõe e nem se tira nada, sobretudo quando são palavras dos “ungidos de Deus” (leia-se: “do próprio Deus”).

Para acrescentar algo a mais em nossa despretensiosa conversa, disse (aproveitando as últimas discussões de natureza político-religiosa que temos acompanhado via web) que o diálogo entre cristãos deve acontecer na tensão entre amém e não-amém, evitando recorrências freqüentes ao “seja anátema”. Porque a linha é muito tênue, tenho defendido, entre o expor e ouvir opiniões diferentes, e o destilar de nossos anátemas e demonizações (que se pretendem desideologizantes, mas que são ideológicos) ao diferente, simplesmente porque o diferente não é o “como-eu” da Palavra. Sacaram? Não?

Ora, pois: tentando ser menos filosófico – porque até isso hoje é motivo pra ser execrado no meio evangélico, ou seja, “ser filosófico” é igual a “não ser crente” – o que estou dizendo é que tendemos a tratar o vizinho (diferente) como ameaça, especialmente se o “diferente” desse vizinho é “diferente da Palavra” (leia-se: diferente de “como eu” leio a Palavra, sem admiti-lo). Encurtando e indagando: quem foi que disse que a gente precisa dizer amém pra tudo o que tem uma conotação religiosa, teológica, sacerdotal ou sagrada? Quem seria capaz de se dizer árbitro e detentor do critério máximo da Verdade, a ponto de não admitir outra interpretação da Palavra (e da realidade, à luz dela) que não a sua própria – ou a de seu gueto (leia-se: igreja), pastor, bispo, apóstolo ou papa? (Essa pergunta foi retórica, pois há muitos entre nós que ainda têm se mostrado bem capazes disso).

Enfim, será que os bereanos – aqueles que foram considerados “mais nobres” que os tessalonicenses, porque não só tinham grande interesse pela Palavra, como a examinavam cuidadosamente enquanto ouviam, para ver se tudo era assim mesmo (At 17.11) – enquanto tipologia crente, ficaram tão distantes de nós a ponto de serem extintos? Acho que não. Eles podem ser minoria (como têm sido na história?), mas ainda estão por aí, espero, e a se propagar pelas “beiras” (como diria Marcos Monteiro) do cristianismo brasileiro. E que eles cresçam entre e além de nós, não só nas igrejas, mas nas praças, instâncias públicas, na política, na cultura, na economia, na sociedade, em outras culturas... Há um amém pra isso? Se sim, então retuíte (ou repasse) pra tua galera, se quiser. Se não, amém!

Jonathan

domingo, 19 de setembro de 2010

Discurso da iniquidade à serviço da ideologia dominante: a posição de Marcos Monteiro

No crepúsculo das Eleições do ano de 2010, temos visto a emergência tardia, mas (in)oportuna (de certo modo e por suas próprias razões) de posicionamentos acerca da conjuntura política atual no Brasil. É sintomático: falar de política a cada dois ou quatro anos em função das agendas eleitorais (e eleitoreiras). Tudo bem, “antes tarde do que nunca”, diria o ditado, que endosso parcialmente.

O borbulhar desses posicionamentos entre os evangélicos se deu não por causa de Marina – a representante do segmento entre os postulantes à presidência – mas de um pronunciamento, veiculado em vídeo, feito pelo Pr. Paschoal Piragini Jr., da PIB de Curitiba, após 30 anos de omissão e supostamente fazendo coro à ideologia “crente não se mete em política”. Há algumas décadas esse princípio vem sendo subvertido, muitas vezes pelo lado negativo – corporativismo evangélico, escândalos políticos, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, participação em “mensalões” e “mensalinhos”, dentre outras coisas.

A recente discussão se dá em função de uma agenda legislativa, supostamente orquestrada pelo PT, em prol da aprovação de leis que defendem direitos em geral dos GLBTS (Gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e simpatizantes) e à favor da descriminalização do aborto. O referido posicionamento, se coloca não apenas contra a aprovação de tais projetos de lei (sobretudo o PLC 122/2006), como tenta induzir um grupo de fiéis a não votar no PT, sob pena de ter, como corolário, não só a possível aprovação de tais leis, mas o impedimento legal de cristãos em se posicionar contra a prática homossexual, com a instauração da chamada “iniqüidade institucionalizada” e, pós ela, a ira e juízo divinos caindo sobre nós (socorro!).

Há grupos, como eu disse, que têm se manifestado contrariamente não só a perspectiva ideológica encampada por Piragini e seus correligionários, mas também teológica – entendendo que a iniqüidade, enraizada no ser humano, avança sobre outras áreas da vida, e não somente a sexual, o que não só o vídeo parece ignorar, como boa parte dos posicionamentos públicos de evangélicos, que pouco têm a dizer sobre injustiças, miséria, violência, desigualdades, etc., fruto de um “pecado estrutural”, mas quando a coisa afeta a moral e os “bons costumes”, cá estão eles, prontos não somente para se levantarem contra, mas também para demonizar, exorcizar e mandar pro inferno, se preciso for, quem ao menos pense de modo diferente. "A Verdade" está do lado deles e, claramente (afinal, “tá na Palavra”), não pode estar com os demais, sobretudo com os “progressistas”, que são pintados como aliados do Diabo na luta pela implantação do comunismo – que coisa mais retrógrada e anacrônica!

O vídeo que quero endereçar aqui é fruto dos posicionamentos de primeira ordem – contra esse discurso da iniqüidade à serviço da ideologia dominante e em desserviço do reino, da liberdade de expressão, democracia e do diálogo aberto. Quem se posiciona é meu amigo e irmão, a quem admiro, pastor Marcos Monteiro. Quero não só parabenizá-lo por sua coragem e discernimento, como dizer que concordo com cada palavra que ele diz – exceto quando afirma que irá votar em Plínio, excelente candidato, diga-se de passagem, mas meu voto pessoal vai para Marina Silva. É um exercício público de sua racionalidade, um convite ao diálogo, e uma amostra de que nem tudo o que é evangélico no Brasil precisa ser alienado ou estar à serviço de um moralismo despolitizado, desinformado e ultrapassado. Faço minhas as palavras de Robinson Cavalcanti: "Um maniqueísmo histórico, não sincero, não verdadeiro, paranóico, não é uma boa forma de testemunho".

Valeu, Marcos! Peço que vejam o vídeo e estejam abertos a opinar – de preferência, respeitando quem pensa diferente.

Jonathan



quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Oração e Integridade (II)


Tu me conheces, Senhor; lembra-te de mim, vem em meu auxílio e vinga-me dos meus perseguidores. Que, pela tua paciência para com eles, eu não seja eliminado. Sabes que sofro afronta por tua causa.Quando as tuas palavras foram encontradas, eu as comi; elas são a minha alegria e o meu júbilo, pois pertenço a ti Senhor Deus dos Exércitos. Jamais me sentei na companhia dos que se divertem, nunca festejei com eles. Sentei-me sozinho, porque a tua mão estava sobre mim e me encheste de indignação. Por que é permanente a minha dor, e a minha ferida é grave e incurável? Por que te tornaste para mim como um riacho seco, cujos mananciais falham? (Jeremias 15.15-18).

O jeito de Jeremias de orar certamente não seria indicado a nenhuma Prêmio Nobel de Oração, se é que esse negócio existisse (às vezes, mesmo que às escuras, ele parece existir); nem publicado num livro com sendo a oração que devemos repetir, porque Deus sempre atende. Por isso, me sinto razoavelmente confortável pra falar de oração agora. Não porque Jeremias seja modelo, mas porque ele é um anti-modelo; não creio que oração tenha a ver com modelos, nem com pacotes fechados. Se não havia dissonância entre a vida e o livro de Jeremias, o mesmo parece ser verdade sobre sua vida como profeta e sua vida de oração. As mesmas dores, angústia, ira, medo, lágrimas, alegrias, prazer, tristezas, raiva e depressão geradas por seu ministério profético eram matéria de suas conversas, nem sempre cordiais ou piedosas, com Deus. Em outras palavras, ao orar, Jeremias mostrava que era humano e, precisamente por isso, que precisava de Deus.

Primeiro, ele se mostra carente, rejeitado (pelo pecado e indiferença do povo), e impaciente, clamando pela ação divina, que parecia retardar em função de sua paciência e longanimidade (v. 15). É como se ele estivesse dizendo: “Você me colocou nisso, e agora, por tua causa, eu estou sendo prejudicado. Vê se me livra dessa, Deus!” (me baseio na paráfrase de Eugene Peterson, em “Corra com os Cavalos”, p. 122). Jeremias se mostra aqui igualzinho a qualquer um de nós – quando “nosso tempo compulsivo colide frontalmente com o tempo da providência divina” (Peterson) – tentando ensinar Deus a como ser soberano, e a como ser Deus!

Segundo, ele afirma ser solitário, em seu trabalho de profeta, não tendo ocasião pra se sentar com uma galera em festa, dando risadas e se divertindo (v. 17). A tarefa de pensar, refletir, pregar, desvendar significados, é uma tarefa muitas vezes solitária, sobretudo no caso de Jeremias. E por mais necessário que seja, consciente e irredutível que se esteja, a solidão bate e, com ela, o desejo de convívio. E não havia porque esconder nada disso de Deus, já que tudo era por causa dele. E o profeta diz se sentir “oprimido” pela mão de Deus. Por mais que fazer parte das causas Dele seja um privilégio, nem sempre é prazeroso (e nem tem que ser).

Terceiro, ele se revela sofredor (v. 18a). Sofremos muitas vezes por determinadas posições que ocupamos. Por mais necessárias e reconhecidamente importantes, elas (e os tipos de reação que temos em relação a elas) nos conduzem a lugares de sofrimento. Lembro-me que, desde criança, eu sempre fui muito conseqüente. E minha conseqüência me levava a não revidar com força (e as vezes nem revidar), as provocações da minha irmã. E, como eu não queria revidar, pra não ser injusto nem fazer besteira, esperava justiça do meu pai. E nem sempre essa justiça vinha do modo como eu esperava. Daí, vinha a revolta; daí a gente pensa e fala besteira, mesmo sem fazer. Esse é o lugar de Jeremias, de revolta e dor, por razões muito maiores. E ele quer partilhar com Deus essa dor. Através da oração ele pode fazer isso.

Quarto, além de sofredor, ele também se mostra irado com Deus. A sensação é de que Deus o abandonou; no começo, parecia promissor andar ao seu lado. Depois, veio a decepção de ver que Deus nem sempre age do modo como esperamos, e que ser amigo de Deus implica em ter de conviver com inimizades outras. Então, Jeremias destila toda sua honestidade, quando diz (na tradução “The Message”): “Você não é nada mais do que uma miragem, Deus; um adorável oásis à distância, e então nada!” (v. 18b). Sinceramente, não sei como na nova versão do livro de Eugene Peterson (“Ânimo”, Mundo Cristão), os editores tiveram a proeza de dizer, em um dos capítulos, que Jeremias é “o mais animado dos profetas”. Não entendo isso, pelo menos não nesse sentido neurolinguístico para a palavra. É o mesmo que querer achar pelo em ovo...

Mas, não nos enganemos com esse negócio de honestidade, do qual sou defensor, porém, consciente de que ela nem sempre será recebida e acolhida com uma tonalidade positiva. No caso de Jeremias, foi uma amostra de sua intimidade, sem desfaçatez ou pieguismo, com Deus, o que é bom. Na oração, não precisamos de máscaras ou disfarces; queiramos ou não, estamos nus diante de Deus. Por outro lado, revela a perda do foco e das prioridades. A excessiva preocupação com o que os outros pensam ou dizem sobre nós, pode revelar uma excessiva preocupação conosco; e essa excessiva preocupação conosco pode ser um sinal de que perdemos Deus de vista, e o que Ele nos chamou a fazer.

Mas, como diz Peterson, no momento em que Jeremias coloca esses sentimentos em oração, algo começa acontecer. Deus, além de ouvir atentamente, o convida a rever as palavras ditas, restabelecer prioridades e a renovar suas perspectivas, não como alguém ofendido por sua postura, mas desejoso de vê-lo avançar e crescer. Deixar falar os sentimentos às vezes significa, ainda que do lugar legítimo da intimidade, dizer coisas que ferem o relacionamento. Então, corremos o risco de dizer coisas “vis”. Mas Deus, como fez com Jeremias, abre as portas ao arrependimento sincero, e nos chama a separar o precioso do vil (v. 19), e recolocar nosso vagão nos trilhos.

(Continua...)

Jonathan

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Os defensores do Livro

Assisti ontem ao filme O Livro de Eli. Achei fantástica a sua crítica, sobretudo aquela dirigida aos fundamentalismos religiosos de nosso tempo – em parte, encampado pelo debate em torno do recente pronunciamento, de púlpito, do pastor Paschoal Piragini, pedindo aos seus fiéis para não votar no PT nas eleições de 2010 (mais sobre o debate, ver: http://www.novosdialogos.com/) – em seus usos (e abusos) do “livro sagrado”. Uma das frases marcantes do filme é quando Eli, personagem do protagonista Denzel Washington, afirma: “Todos esses anos que eu o levava e o lia, diariamente, na minha obsessão por mantê-lo a salvo, deixei de viver segundo o que aprendi nele”.

É impressionante como essa frase representa bem o que se tem vivido em termos de história das religiões, dentre elas o cristianismo, até os dias de hoje, você não acha? Ou seja, quando nos tornamos paladinos de um livro sagrado (no caso do filme, a Bíblia), incorporamos a posição dos fundamentalistas religiosos, e tendemos a perder de vista a integridade que o próprio livro nos ensina – no caso de Eli, o ensino fundamental esquecido foi: considerar o próximo antes e acima de si mesmo.

E pior: agimos como se Deus (e sua Palavra) precisassem de guarda-costas, e tendemos a abafar a consciência de liberdade e tolerância que essa mesma Palavra reivindica. E, geralmente, aquele que julga que a verdade está do seu lado, é o menos capaz de ver a luz libertária que emana da Verdade – “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8.32).

Quando a luta pela liberdade se desassocia da luta pela verdade, e as duas deixam de ser parceiras, geradas e geradoras uma da outra, o resultado é o que a história já tem nos mostrado há milhares de anos: violência, intolerância, guerras, inquisições, fogueiras santas. Dogmas não representam “a verdade” de Deus, embora se lhes atribuam tal valor; o cristão, por mais que conheça a Jesus (caminho, verdade e vida) jamais poderá exprimir absolutamente essa verdade nas coisas que cria (dogmas, estruturas, instituições). Logo, a religião fala muito mais da forma humana que da forma de Deus.

Outra frase do filme, que corrobora com esta idéia, é a do personagem Carnegie, o antagonista da história, interpretado brilhantemente por Gary Oldman. Numa discussão com um de seus lacaios, que havia dito que tudo aquilo era por um “maldito livro”, coisa inútil, Carnegie responde incisivamente: “Não é apenas um livro! É uma arma poderosa, apontada para o coração dos fracos e desesperados! E com ele, nós controlamos”. Isso me faz lembrar outra frase, dita por Nietzsche em seu livro Humano, demasiado humano: “O cristianismo nasceu para aliviar o coração, mas agora deve primeiro oprimi-lo, para mais adiante poder aliviá-lo” (2005, p. 90).

Enfim, o filme retrata de modo sutil a maneira como nós, que nos dizemos seguidores do Cristo, nos relacionamos com a Bíblia: às vezes como um amuleto, que traz sorte e bênçãos se a gente souber ler as palavras certas, do jeito certo; um tesouro (não aquele em vasos de barro, mas em vasos blindados) a ser escondido e defendido com unhas e dentes, ainda que seja sob uma poça de sangue; um instrumento (arma) poderoso, capaz de manipular pessoas das mais diferentes formas e para as mais escusas finalidades.

O Livro de Eli me faz recordar algo básico, elementar: quando a Palavra deixa de ser meio por excelência de libertação, ela se torna qualquer coisa, menos a Palavra de Deus.

Jonathan

sábado, 11 de setembro de 2010

Oração e Integridade (I)

Poucas vezes a oração esteve entre os meus mais diletos temas. Talvez porque as exigências que quase sempre ouvia em relação a ela soassem pesadas e grandes demais para os raros (e custosos) momentos de oração aos quais me dedicava.

Na adolescência, me diziam que a oração é um elemento fundamental na vida de qualquer cristão verdadeiramente convertido, como uma espécie de “termômetro da espiritualidade”: quanto mais a gente ora, mais próximos de Deus estamos, logo mais espirituais somos. Essa lógica sempre me soou muito própria do ponto de vista da vida cristã formal – que eu tinha como referencia – mas, ao mesmo tempo, bem imprópria do ponto de vista de minha pouca capacidade de adequação a esses moldes.

Fora isso, ainda tinha o desânimo que batia ao ver (e ler) certas coisas sobre oração que a tratavam como um “negócio”. Tipo, é quase como se estivesse dizendo que oração é fazer business com Deus. Só não diziam que é um tipo de business do qual Deus mesmo, geralmente, está ausente. Afinal, pra quê Deus, não é mesmo? A oração já faz tudo: ela liberta, expulsa demônios, gera emprego, cura doenças, traz o marido ou a esposa de volta, tem o poder de converter o coração de pessoas e, mais do que isso, de “mover o coração de Deus”. Não me esqueço da primeira frase que li no livro “A oração de Jabez”, de Bruce Wilkinson, em que ele dizia: “Caro leitor, quero ensinar-lhe como fazer uma oração à qual Deus sempre atende” (2001, p. 02). Foi o suficiente pra eu não querer ler mais. E nem precisava...

Ainda hoje me impressiono positivamente ao ver pessoas, como meu colega Steve, que são intercessoras por natureza. Mas tenho tentado deixar de lado a ilusão de orar tanto quanto elas ou de ser igual a elas, pois isso é algo que nunca serei. Tento admirá-las como admiro quem serve com naturalidade e prazer, quem canta maravilhosamente, quem apara um jardim como ninguém, quem cozinha coisas deliciosas, quem joga futebol magicamente, ou quem ensina e discursa conseguindo prender a atenção das pessoas do começo ao fim. São dons especiais.

Mas orar não tem a ver só com o dom de intercessão. Aprendi há algum tempo que, orar, mais do que interceder ou falar com Deus, é viver. A Bíblia diz: “Orai sem cessar”. Isso pode significar que, mesmo quando o falar cessa, a oração não termina; Deus continua falando, e nós devemos continuar ouvindo a sua voz, que, apesar de inaudível, não cala. Deus tem seus meios, os mais diversos, para falar conosco. E tenho aprendido que, não obstante toda formalidade que ainda impera nesse quesito, há também muitos jeitos de orar, de andar e me relacionar com Ele.

Continuo no próximo post, falando da oração e integridade no profeta Jeremias.

Jonathan

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Pragmatismo invertido (II): Resposta a Mark Carpenter

Caro Mark,

Fico muito grato por seu comentário ao meu último post. Creio que você explicou melhor que eu. O uso da expressão “how” se encaixaria melhor mesmo em “quão” (se fosse o caso). Também acredito que vocês possam ter tentado honrar a intenção de Philip Yancey – embora esse negócio de perscrutar a intenção de alguém seja relativo à sua própria interpretação, e não possa ser equivalente à intenção original em si. Há outras obras, como a citada “Alma sobrevivente”, em que vocês se mantiveram mais fiéis à intenção explícita do autor, pelo menos em minha rasa percepção.

Contudo, como eu disse, ela “parece” (e como nem tudo que parece, é...) ter seguido noutra direção, que é a de ressaltar Que Deus “bom” é esse (no sentido de dar vazão aos questionamentos sobre a bondade de Deus mesma, e não se Ele “serve” ou não), e, como contrapartida, que fé (cristã?) pode ser relevante hoje. Mantenho minha posição reticente quanto ao uso das expressões “serve” e “verdadeira”, e conheço pouco, mas o suficiente, de literatura cristã, inclusive das que vocês têm publicado ao longo desses 45 bem-sucedidos anos de vossa existência, para saber que, embora possa haver interesse em respeitar a intenção do autor e a “inteligência do leitor”, igualmente inteligente é a estratégia de privilegiar o mercado.

Reconheço, nenhuma editora pode ser grande como é a Mundo Cristão hoje no Brasil sem levá-lo em consideração. Mas você há de considerar, igualmente, que não é possível manter a fidelidade a certo prospecto ideológico (formativo, consciente, crítico e teologicamente equilibrado) trabalhando em função das tendências de mercado – sem aqui querer demonizá-lo nem desconsiderar sua importância. Apenas creio que, assim como globalização e pós-modernidade são expressões idiomáticas e conceituais que tentam dar conta desse tempo em que estamos vivendo para que mantenhamos uma relação crítico-construtiva (de inserção parcial e também de suspeita) com a cultura , o mesmo pode se dizer do mercado, expressão que quer dar conta de tanta coisa ao mesmo tempo, tornando-se reducionista às vezes e com a qual (ou com o qual) precisamos manter a mesma relação crítica suspiciosa.

Ademais, o que vocês fizeram com livros como o “Corra com os cavalos” (antiga edição da Ultimato e Textus) para mim, também é um exemplo de pragmatismo, que visa mais atender as demandas de um tipo de público do que necessariamente a fidelidade ao “original”. Uma coisa é atualizar o livro. Outra, bem diferente, é atualizá-lo à luz de um apelo comercial. E isso não só vocês fazem, a maioria das editoras faz, e não é de hoje. Um leitor um pouco mais atento – e não precisa ser tão inteligente assim – saca isso rapidinho.

Leio e aprecio os livros de vocês e continuarei lendo, apreciando e recomendando. Mas creio que, como editora, vocês precisam não apenas de leitores “tietes”, ávidos pelos produtos (dentre os mais variados) que vocês oferecem ou as demandas que atendem (e criam), que aplaudem e concordam com absolutamente TUDO o que vocês fazem, desde as escolhas de autores, seleção para publicações e decisões editoriais menores, mas também de leitores que sejam parceiros críticos, entendendo que a apreciação pura e simples sem a crítica não produz crescimento, a não ser o do ego. Falo como alguém que tem, a duras penas, tentado aprender essa lição...

Respeitosamente,

Jonathan

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Pragmatismo invertido

Pela primeira vez, tive o privilégio de ver e ouvir o renomado escritor norte-americano Philip Yancey, na Livraria Cultura em São Paulo, na ocasião do lançamento de seu mais recente livro: “What Good is God? In search of a faith that matters” – que, na versão da Editora Mundo Cristão, ficou assim: “Para que serve Deus? Em busca da verdadeira fé”.

Já li alguns livros de Yancey, sendo “Alma Sobrevivente” (2004), para mim, o mais marcante e significativo de tantos que ele já escreveu. Foi interessante perceber como a habilidade narrativa do autor, ao contar histórias do cotidiano entremeadas por reflexão teológica, é uma marca não somente de sua maneira de escrever, como também de discursar. Curioso foi também notar a grande aceitação do público brasileiro para com este autor. Aceitação com relances de tietagem, visível no breve momento de interação com o autor, que se abreviou ainda mais em função da falta de objetividade dos “questionadores”, que questões não expressaram, senão apenas o desejo de externar seu entusiasmo de fãs.

Todavia, quero aqui chamar atenção para um detalhe mercadológico. O título do livro, se traduzido literalmente do original (e o original faz bem mais jus do que a sua versão), seria: “Quão bom é Deus? Em busca de uma fé relevante” (ou “que importa”). Segundo relatou o autor, com tantos questionamentos sobre a legitimidade da fé em Deus que o mundo tem feito, estupefato diante dessa era de catástrofes que temos presenciado, o livro é uma tentativa de responder a tais questionamentos, do lugar das experiências por ele vivenciadas em suas viagens ao redor do mundo como palestrante. A intenção, portanto, seria buscar um caminho de retorno a uma fé que tem importância em tais contextos – não essa com contornos quase dogmáticos (“da verdadeira fé”) que o subtítulo na tradução oferece.

Dessa forma, o título “Para que serve Deus?”, não apenas não parece condizer com o original – como boa parte dos livros traduzidos para o português por editoras como a Mundo Cristão – como instaura o que se poderia chamar de pragmatismo invertido. Ou seja, a pergunta “para que serve”, não vem de um autor norte-americano, como era de se esperar – já que são eles os que, por formação, mais tendem a pensar quase tudo em termos de “Para que serve” e “Como funciona” – mas de uma editora brasileira que, pela enésima vez, lança o livro de um norte-americano.

Moral da história: pelo jeito, aprendemos direitinho (com os norte-americanos, sobretudo) a pragmática lição de “como fazer vender” e “como produzir sucesso”, até mesmo quando a intenção original da obra e de seu autor parece ir em outra direção.

Jonathan

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Aprendizes da arte de dialogar (II)

O que é preciso haver, então, para que o diálogo exista, e não outra coisa? Arrisco-me aqui a ser pragmático e idealista (se é que é possível a convivência entre os dois), beirando o reducionismo, com essas sete pistas ou idéias soltas que ofereço abaixo. Segundo o que entendo, para haver diálogo é preciso:

(1) Aprender a separar o campo pessoal do campo das idéias. Por mais quimérico que isso pareça, especialmente se considerarmos a realidade, é essencial e deve ser perseguido, ainda que como ideal.

(2) Respeitar o direito alheio de dizer o que pensa, seja lá o que for esse pensar. Nesse sentido, vale outra vez lembrar Voltaire, em seu Tratado sobre a Tolerância: “As tuas idéias me são odiosas, mas eu morreria pelo direito que você tem de dizê-las”.

(3) Resguardar a crítica à matéria do debate, e privilegiar argumentos que não redundem mais em confusão do que esclarecimento. Isso significa: ser honesto intelectualmente e criticar as idéias do outro levando em consideração o lugar a partir do qual elas foram produzidas (por mais distante que ele esteja de nós), e não outra instância qualquer, inventada por quem critica só para poder “ter argumento”.

(4) Aceitar que o outro pode permanecer convicto de seus ideais, a despeito dos meus argumentos e posições. O diálogo existe pelo diálogo e não para que o outro se converta à minha “religião”. Melhor palavra, nesse outro caso, seria proselitismo. Fui chamado a esse mundo pra ser testemunha de Cristo e não para fazer prosélitos.

(5) Ouvir atentamente, ler com cuidado e interpretar com esmero e discernimento, para não colocar na fala do outro aquilo que ele não disse. Se já fizemos (e continuamos fazendo) isso com Deus e com a Bíblia, que dirá com o próximo?!

(6) Estar aberto e disponível ao relacionamento, independente da discordância no campo das idéias. Difícil, você pode estar pensando. E é verdade. Só que Jesus não apenas foi um modelo nesse quesito, como foi mais radical, quando disse que devemos amar aos nossos inimigos e quem nos persegue – que dirá aqueles de quem apenas discordamos, não?

(7) Entender que temos a tendência de tratar o diferente como ameaça; nós somos aqueles criam barreiras e reforçam as existentes. Não posso (falo agora por mim) estar apto ao diálogo sem antes admitir minhas inaptidões naturais para ele.

O verdadeiro diálogo é uma conversa que se dá entre aprendizes, audazes, porém, humildes, o suficiente para se admitir como tais. Isso significa que a conversa pode terminar, mas o assunto nunca se esgota ali. No diálogo, não há lugar para donos da verdade, e Senhores do absoluto. Somente com o Senhor estão a Verdade e o Absoluto. Sobre isso, Rob Bell disse o seguinte: “Nossas palavras não são absolutas. Apenas Deus é absoluto, e Deus não tem a intenção de partilhar seu absolutismo com ninguém, especialmente palavras que as pessoas usam para falar sobre Ele. E isso é uma das coisas com a qual pessoas têm se debatido desde o princípio: Deus é maior que nossas palavras, cérebros, cosmovisões e nossas imaginações”.

Diálogo é lugar para quem, como Paulo, admite que “em parte conhecemos, e em parte profetizamos”. Seres parciais, isso é o que somos, em todos os sentidos, rumando para aquilo que é Perfeito, Absoluto, quando conheceremos como também somos conhecidos. Até lá, precisamos (e muito) de Deus – quem dera se toda ciência admitisse isso. E precisar de Deus implica em não prescindir do outro. Não há vida sem relacionamento; não há diálogo sem a presença do outro. Termino com a frase de meu amigo Antonio Carlos Barro (via web): “Publicar seu pensamento é convidar o pensamento do outro”. Vamos nessa?

Jonathan

Aprendizes da arte de dialogar (I)

Não há mais dúvidas de que a internet (web) tem se tornado um campo cada vez mais amplo para debates, troca de idéias – e, no meio delas, algumas “farpas” são lançadas – o que nem sempre implica na existência do diálogo. Isto, pois, o diálogo é um lugar, por excelência, para alteridade – a qualidade do que é “outro”, o pensamento alheio, a celebração das diferenças. E quando a existência de diferenças é tratada como “o inimigo”, o que temos não é diálogo, debate entre idéias, lugar de alteridade (com alguma dose de identidade), mas campo de “tiro ao alvo”. E esse alvo facilmente deixa de ser o que outrem pensa, passando a ser esse próprio outrem.

As redes sociais hoje, lugar de exposição pública da vida (ou de parte dela, a que desejamos expor e a que almejamos que os outros “cultivem”) e das idéias, como o Twitter, são exemplos disso, isto é, da exposição de muitas idéias, que são tratadas ora com “afagos”, ora com “farpas”, e bem pouco como diálogo, que envolve crítica, debate, mas com respeito ao outro em sua singularidade e direito de expor o que pensa.

Nesse ambiente, há aqueles que se expõem publicamente, e não temem o debate, isto é, não esmorecem diante da tarefa de ter que defender publicamente as idéias que apresenta. Há também aqueles que se expõem, mas não gostam da crítica, seja ela plausível e bem fundamentada ou implausível e mal fundamentada, pois preferem apenas provar o gosto cremoso dos afagos. Para que esses existam, é preciso que haja outro grupo, o dos aduladores, que adoram (literalmente) ficar “navegando” nas idéias e sabedoria do outro e passando a mão na cabeça deles, como se fossem “gatinhos caprichosos e infantis”, até que ronronem de prazer. Os dois últimos grupos se completam. Entre eles, estão também os críticos pusilânimes, que se comprazem do lugar morno, pueril e confortável do anonimato, e preferem não se expor a fim de não “ferir a sua imagem”, embora adorem jogar farpas naqueles que não têm medo de se expor. Além desses, há também o grupo (menor) dos críticos equilibrados, que entendem que é preciso saber não só fundamentar como balancear a sua crítica; “endurecer, mas sem perder a ternura”, como diria Che Guevara.

É óbvio, essas são categorizações limitadoras, mas, ainda assim, não menos assertivas. Defender argumentos e desejar não receber reações contrárias é o mesmo que sair na chuva e não se molhar, impossível! Se eu parasse para lamentar se a “teologia pública” vale pena ou não à medida que as críticas aparecem, concluiria (muito humanamente) que nada vale a pena. Bom mesmo é só receber elogios e afagos – e qualquer um, que conhece suficientemente seu lado narcísico, não hesitaria em admiti-lo. Ao mesmo tempo, isso não significa aceitar qualquer tipo de ataque, sobretudo, aqueles que ferem o pessoal e esquecem-se das idéias. Enfim, minha motivação em escrever a respeito disso vem de uma reflexão feita em parceria com colegas e alunos há algum tempo, e tem a ver com as últimas querelas e quizumbas – não posso chamar de “debates” – que tenho presenciado na web. Rumemos para “novos diálogos”!

(Continua...)

Jonathan

domingo, 29 de agosto de 2010

Quando desperta o amor...

“Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, que não acordeis, nem desperteis o amor antes que este o queira... porque o amor é forte como a morte... as muitas águas não poderiam apagar o amor” (Cântico dos Cânticos, 8.4,7).


Cântico dos Cânticos, para mim, significa que, quando Deus projetou a relação de amor entre duas pessoas, ele pensava em conexão intensa, que envolveria o nosso ser todo: mente, alma, corpo, e que esse amor não sobreviveria apenas de sentimento, mas também de ação, amizade, companheirismo, doação, paixão, química, sexo – é obvio, falando aqui um pouco mais do amor entre um casal. E tudo isso tem a ver com espiritualidade, com conexão com Deus e com o próximo, que não é “outra dimensão”, separada da vida, mas uma qualidade essencial à própria vida.

Trata-se de um amor que não combina com indiferença, mas que arrebata corações, que podem dizer, como a esposa do texto diz: “desfaleço de amor”, ou morro por amor.

Será por isso que tanta gente hoje inconsciente ou conscientemente tem preferido não despertar o amor? Não despertar, digo, não se entregar a ele de corpo e alma, não ousar tentar viver as implicações do que significa amar e ser amado. Será porque ele nos deixa vulneráveis, como diria C. S. Lewis? Porque ele é capaz de fragilizar o mais poderoso e forte dos seres humanos? Porque faz sofrer? Porque não é um “mar de rosas” sem espinhos? Porque o próprio Deus nos advertiu em Cristo que amar implica em dar a própria vida por seus amigos, e que, portanto, não tem só a ver com satisfação, gozo e felicidade? É, talvez seja por isso – eu disse “talvez”, não estou aqui preocupado com diagnósticos precisos.

O que parece ser verdade é que, quando ele desperta pra valer, é capaz de fazer gente de carne e osso de “gato e sapato”. Quem sabe por isso Salomão tenha aconselhado a que não o despertemos até que ele mesmo queira. Mas, alto lá, então o amor tem “vontade própria”? Em certo sentido, parece que sim. O amor é livre. Fora da liberdade, não há amor. Se houver coação, não haverá amor, mas doença. Se tentarmos “forçar a barra”, ele deixará de ser natural, espontâneo, e facilmente redundará em angústia, por vezes sem fim. Por isso ele não é veneração, nem adorno, nem “arde em ciúmes”, como diria Paulo, tampouco se acha em qualquer esquina. Não tem nada a ver com estar no controle, nem com ser controlado. Aliás, significa sair do controle...

O amor é algo muito humano. Mas antes de ser humano, ele foi e é Divino. Aquele amor, que Salomão afirma ser “forte como a morte”, só pode ter Deus como origem. Não se trata somente de necessidade ou conquista (“quero esse amor pra mim”), mas de doação. Tem a ver com doar a parte mais preciosa de si mesmo ao ser amado, assim como Deus fez conosco concedendo-nos o que Nele havia de melhor, seu filho Jesus.

Me sinto enriquecido quando, em oração com minha esposa, ela costuma dizer: “Senhor, obrigado pelo nosso amor”. Não é somente “bonitinho”, como diriam alguns. Para mim, é sinal de que Deus está no negócio, e de que a gente “tá ligado” que, se Ele não estiver, poucas perspectivas de algo duradouro e pleno restarão. Pois, se esse amor vem de Deus e é abençoado por Ele, não poderá ser levado pela correnteza, ser comprado ou vendido, como relembra o texto, tampouco poderá despertar através da “pílula do amor” inventada por certa ciência pós-moderna. E com a ajuda Dele, a gente pode regar, cultivar e fazer crescer o amor, amadurecer e gerar outros frutos, incontáveis, imperceptíveis, quem sabe, porque o amor não precisa fazer alarde, ele simplesmente é o que é e, quando é assim, não há palavras o suficiente pra contar.

Jonathan

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O que há de novo na "nova reforma"? (2)

Uma análise que se quer “neutra” da polaridade exposta pela matéria foi a do sociólogo Ricardo Mariano, que, comparando o tipo de “apelo” da proposta em questão com a das igrejas neopentecostais, afirmou: “O destino desses líderes será ‘pescar no aquário’, atraindo insatisfeitos vindos de outras igrejas, ou continuar falando para meia dúzia de pessoas” (p. 91). Sobre a questão de “pescar no aquário”, creio que a visão é um pouco reducionista, porém não de todo equívoca, já que muitos “decepcionados” com a igreja acabam se reencontrando em estilos de comunidade de fé como os citados na matéria.

Mas o recado parece claro quanto ao falar desses líderes para “meia dúzia de pessoas”: excetuando Rosique e algumas das expressões “emergentes”, como a Caverna de Adulão – que têm uma proposta prática ligeiramente diferente – a abordagem desses “pensadores” tem conseguido atingir um grupo reduzido e elitizado de pessoas. E, acrescento, sua postura não sugere que haja um grande incômodo da parte deles em relação a isso, pois estes parecem reconhecer que há toda uma conjuntura que justifica esse aparente “insucesso popular”. A própria proposta da Missão Integral, a qual a maioria dos entrevistados afirma abraçar, tende a caminhar à margem do grande público evangélico – para o bem ou para o mal.

Por fim, se há uma mudança de fato em marcha na igreja evangélica brasileira, não compartilho das mesmas convicções da matéria – isso significa que não tenho tanta certeza assim – em pelo menos dois pontos: (1º) de que ela é “nova”, pelas razões já mencionadas, de que se trata de uma “reforma”, pois, se esse é o nome, pouco se verá em termos de “mudanças” efetivamente, e de que será apenas “protestante”, visto que a transformação promovida pelo Evangelho tem dimensões mais amplas do que as expressões do protestantismo hoje podem conter (Rosique e sua trupe são um exemplo disso); e (2º) em complementação à idéia anterior, de que ela se restringe às configurações de cristianismo vislumbradas pelo autor da matéria. Se há uma mudança em marcha, ela é bem menos previsível do que imaginamos, e não necessariamente terá quórum, visibilidade ou fará “estardalhaços”, alcançando mídia e projeções outras.

Se aquilo que Jesus disse sobre o reino de Deus é verdade, e eu creio que é, de que o reino pode ser comparado ao grão de mostarda, ao homem que saiu a semear, dentre outras imagens; de que nele terão precedência as crianças e os bem-aventurados do Sermão do Monte, em sua dependência pueril de Deus, as prostitutas, os publicanos, os “pequeninos” e outras pessoas semelhantes ao invés dos religiosos de cabedal, então a revolução em marcha (visto que o Espírito não cessa de soprar e trabalhar) virá de onde menos esperamos, das maneiras mais inusitadas e talvez pouco “espetaculosas”. As palavras de Jesus parecem anunciar um reino que coloca os valores e probabilidades de uma cultura ou religião “de ponta cabeça”, e brota da ação de gente que a gente nem imagina que Deus possa estar usando na qualidade de “vinho novo” do Evangelho, perto ou longe de nossos olhos, dentro ou fora da Igreja Protestante ou Evangélica.

“Naquela ocasião Jesus disse: ‘Eu te louvo, Pai, Senhor dos céus e da terra, porque escondeste estas coisas dos sábios e cultos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, pois assim foi do teu agrado” (Mt 11.25).

Jonathan

O que há de novo na "nova reforma"? (1)

Em que medida a “nova reforma protestante” anunciada pela matéria da Revista Época (leia aqui), Edição de 9 de agosto de 2010, é mesmo “nova”? Apesar de retórica, talvez essa tenha sido a pergunta que muitos se fizeram ao ler tal matéria, sobretudo aqueles(as) que possuem o mínimo de conhecimento do processo histórico nos últimos 20 anos e não o ignoram, como parece ter feito o autor da matéria e alguns dos entrevistados.

Primeiramente, e para não ser apenas negativo, a matéria traz informações interessantes de que pouco se tinha conhecimento, como é o caso do médico Rani Rosique, de Ariquemes, que, sem ser pastor e nem teólogo, tem mobilizado em torno de 2.500 pessoas no interior de Rondônia, distante dos olhos do “Grande Irmão”. Sem dúvida, trata-se de uma transformação a partir da periferia, como diria Paul Pierson. E mais, de uma transgressão do bem, o fato de mais de duas mil pessoas vivenciarem a experiência comunitária a partir de um mesmo núcleo mobilizador, mas em grupos espalhados por uma cidade, e não reunidos em uma catedral qualquer, como seria de se esperar em termos de igreja evangélica. O autor até usa esse exemplo para dizer que ele pode ser visto como “símbolo de um período de transição que a igreja evangélica atravessa” (p. 86, grifo meu).

E fico aqui a me perguntar se isso não seria muito mais um sinal dentre outros, que não ganham visibilidade, de que há um protesto silencioso vindo da margem do que propriamente uma “transição”, visto que essa palavra, pelo menos pra mim, indica que algo está emergindo para ocupar o lugar de outro em decadência. A “emergência” de grupos como esse, que estão à margem das grandes instituições e suas formas pré-estabelecidas e até dos “grandes centros”, porém, parece ser nesse caso mais o signo de que o Espírito sopra onde quer e como quer, como tem feito até hoje, e menos de uma “reforma” propriamente dita. O título dessa matéria soa muito mais como uma tentativa de chamar a atenção para um “peixe que se quer vender” sabe-se lá com que intenção. Vindo da Globo então, nem se fala. Das “boas intenções” que vêm desse império, aquele lugar quentinho, que vocês sabem bem qual é, possivelmente está cheio.

A matéria até tenta fazer um quadro que desenha didaticamente o que o autor chama de “Redenção e rupturas: 2 mil anos de reinvenção da fé cristã”, numa visão para lá de simplista. E, em seguida, elenca cinco diferenças entre práticas predominantes na igreja evangélica e as da “nova reforma protestante”. O interessante é que, se lermos as práticas dos ditos “novos reformadores” em relação aos temas propostos, veremos que isso não surgiu ontem, e, portanto, não há nada de novo no que se pinta como sendo novo, nem tampouco naquilo que dizem os representantes entrevistados – no sentido de que eles (e outros não mencionados) já vêm batendo nessa tecla há tempos.

O “rompimento da cordialidade entre os evangélicos”, que o autor afirma ter vindo ao público por meio de livros e artigos – e dá a entender que num período recente – já ocorreu em outros momentos, como na polarização entre Igreja Universal do Reino de Deus e Rede Globo na metade dos anos 90, e a participação marcante de instituições como Vinde e AEVB, de líderes como Caio Fábio, que, aliás, nem citado foi na matéria – mais um motivo para o argumento de que ela ignora o processo histórico mais recente, no que diz respeito ao rompimento declarado com os neopentecostais por parte de algumas lideranças e organizações “evangélicas”, mas não “evangélicas como as neopentecostais”.

Dentre aqueles que levantam essas questões há tempos, como disse Mark Carpenter na matéria (p. 89) estão alguns dos próprios entrevistados, como Ed René Kivitz, Robinson Cavalcanti e Ricardo Gondim, aos quais Caio Fábio chamou indireta e pejorativamente de “bando de bundões”, em pronunciamento feito em vídeo (assistir aqui). Se foram ou são isso que Caio diz, não me cabe julgar, mas que não foram os primeiros nem os únicos a levantar essa “lebre”, isso é possível afirmar. Uma das diferenças nessa ocasião é que se vive um momento menos articulado – mesmo entre alguns do grupo dos “novos evangélicos” – com algumas questões e desafios permanentes, sendo a matéria apenas uma oportunidade de dar visibilidade ao público geral de uma “outra face” da igreja evangélica que não aquela midiática, mas, ainda assim, diversa e com alguns pontos em comum, como parece ter ficado evidente no que foi exposto.

Ou seja, a “nova reforma protestante” que a matéria da Época apresenta não tem uma só face, nome, princípio de ação e representatividade.

(Continua...)
Jonathan