quarta-feira, 22 de julho de 2009

Dádiva e gratidão

A cada dia percebo o quanto a vida é menos o que ganhamos, e mais o que recebemos... E o recebemos (de uma perspectiva teológica) nem sempre (ou quase nunca) porque merecemos, trabalhamos, somos honrados, os melhores, e por tudo isso possuímos todo o mérito necessário que nos faz olhar para a situação e pensar: “Puxa, eu realmente mereço estar na posição em que estou, ser quem sou, ter o que eu tenho”. Não...

O caminho de Jesus Cristo me faz enxergar que a vida é dádiva, não possessão, de modo que, se é dádiva, é também entrega, afinal de contas, tudo aquilo que supostamente é meu, conquistado com meu suor e trabalho, na verdade não é...

É, sim, fruto da graça de Deus, por intermédio da fé, a qual, como disse José Miguez Bonino, “não é um novo recurso ‘da carne’, um novo esforço, talvez o mais extraordinário, de nossa existência ensimesmada: é um ato de Deus”. (Ama e faze o que quiseres, p. 72).

Não estou dizendo que tudo cai do céu como num passe de mágica. É claro que todos comemos, bebemos, nos vestimos e nos sustentamos como fruto de nosso trabalho. É óbvio que colhemos o que plantamos – embora nem sempre, já que muitas vezes tenho que colher o que os outros plantam, seja para o bem ou para o mal. O grande erro está na atitude que tenho para com isso, quando passo a tratar a vida como possessão, e não como uma dádiva pela qual devo ser grato, sempre...

E essa gratidão não significa “olhar para o céu”, e simplesmente dizer: “Obrigado Deus”. Implica que, se recebi de graça, de graça também entregarei como princípio do Evangelho. Pela misericórdia fui alcançado para ser misericordioso também com quem necessita. “Bem aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5.7).

Gostei de um vídeo de Rob Bell, o 23º da série Nooma, chamado “Corner”. Especialmente quando ele, paradoxalmente, diz que “Deus não é justo” e que devemos “espalhar sua injustiça por aí”, solapando o mérito e a suposta “justiça”. Pensando bem, Deus realmente não é justo, pelo menos não da maneira como nós imaginamos que deveria ser, de acordo com nossa idéia de justiça... Foi contra essa idéia que Jesus se opôs aos fariseus. É também contra essa justiça falaciosa que esse vídeo foi feito, a meu ver.

Sendo assim, Deus não seria justo, mas também não seria injusto; Ele é o que é, ou seja, é sempre mais do que podemos pensar ou cogitar teologicamente, embora nunca consigamos fugir de proferir a sentença conceitual: “Deus é...”.

Jonathan

Assistam ao vídeo de Rob Bell no You Tube: http://www.youtube.com/watch?v=g2nrp2L219A

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Sofrimento criativo - Por Paul Tournier

Existem pessoas que constantemente se preocupam se terão coragem de enfrentar isto ou aquilo quando envelhecerem: uma doença devastadora, incertezas ou a morte do cônjuge. Procuro sempre reafirmar a elas que enquanto a provação não está lá, a coragem também não estará. E elas serão, provavelmente, aquelas pessoas a enfrentar as provações que vierem com mais coragem.

Diversas vezes fiquei maravilhado com os recursos de coragem que as pessoas ansiosas e preocupadas revelam quando têm que enfrentar a provação real e não o fantasma da provação que povoa seu imaginário. Há mais a ser dito. Existe uma alegria extraordinária que irradia de muitos que sofrem sérias enfermidades, o que contrasta de forma surpreendente com a morosidade de tantas pessoas saudáveis que encontramos no ônibus. Qual é a explicação? Penso que isso ocorre devido ao fato de que suas vidas demandam coragem permanente, um constante expandir da coragem, e como a coragem pertence à economia espiritual, quanto mais a gastamos, mais a temos.

É como uma corrente que os atravessa e produz alegria, a alegria da vitória sobre seu destino. Esta alegria da vitória é algo que encontramos em todos aqueles que completam grandes tarefas, como quem escala até o topo de uma montanha, como os campeões de esportes, mesmo que entrem em colapso, com lágrimas de exaustão no pódio. Além disso, para uma pessoa seriamente comprometida e privada de algo, não é a vitória de um dia e sim a vitória de todo dia. De onde vem o prazer em viver? O prazer se origina mais dos desafios do que das conquistas em si.

A primeira vez que falei sobre o tema da privação foi em um encontro da Associação das Mães Solteiras. A audiência consistia de mulheres que eram viúvas, divorciadas, solteiras ou abandonadas por seus maridos, todas responsáveis pela criação de seus filhos sem a presença dos pais. O que eu queria dizer a elas sobre órfãos poderia ser um encorajamento para a vida de cada uma. Mas não precisavam de encorajamento. Fiquei espantado com a alegria que reinava entre elas. Refleti que elas também precisavam ampliar a coragem em cada dia de suas vidas, dias difíceis, e o segredo da sua alegria impressionante era a corrente de energia espiritual que as atravessava. Mas também havia o fenômeno da comunicação desta coragem, passada de uma para outra, cada percepção da coragem na vida da outra e a contribuição da própria coragem para a vida das demais. Era como uma multiplicação de reflexos em uma sala de espelhos.

A pessoa mais encorajada fui eu. Saí daquele encontro cheio de alegria. Quando a organizadora do evento entregou flores para meu jardim eu senti que ela merecia mais do que eu. Era claro que nada nos inunda de coragem mais do que um homem, mulher ou criança que demonstra coragem exemplar na adversidade. É bem mais efetivo que uma exortação. Parece-me que o mais importante a enfatizar é esta contagiante qualidade de coragem. Vejo tantas pessoas boas que genuinamente tentam resistir a todos os tipos de tentação através da fé em seus ideais, mas que se sentem frágeis perante o contagiante medo do mal, da violência, da injustiça e das mentiras que atacam o mundo. O que podem fazer a respeito disto? Sua obediência diária é valiosa, mas não parece mais do que uma gota perdida em um oceano em meio à tempestade. A bondade contagiante não é tão óbvia. No entanto, uma coisa que não pode ser negligenciada é o efeito contagiante de uma obediência excepcionalmente corajosa.

Na realidade, não penso que devemos exortar pessoas para que sejam corajosas. Para ser frutífera, a coragem deve vir espontaneamente, em resposta a um chamado interior. Consigo enumerar diversas mulheres que tiveram a coragem de desistir da idéia do divórcio em circunstâncias em que o divórcio seria até justificável. Eu não teria o papel de encorajá-las porque eram elas e não eu, que enfrentavam o sofrimento imposto por sua decisão. Jesus nos coloca em alerta sobre colocar sobre os outros, fardos que nós mesmos não carregaríamos (Lucas 11:46). Sempre observei que, quando é Deus quem nos chama para tomar este tipo de decisão, Ele também nos fortalece para suportar as conseqüências.

Paul Tournier

Texto e imagem extraídos da Revista Cristanismo Hoje (http://cristianismohoje.com.br/ch/sofrimento-criativo/)

sábado, 11 de julho de 2009

A vida: incomensurável dádiva (II)

Certa vez, Jesus convocou (chamou a atenção) a multidão que estava ao seu redor, bem como aos seus discípulos, e perguntou: “Que aproveita o homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Que daria o homem em troca de sua alma” (Mc 8.36-37).

Isso depois de redesenhar para seus (possíveis) seguidores o significado de perda e de ganho, pelo prisma e ao sabor do Evangelho. A palavra “alma”, do grego psyché, pode ser entendida como a própria vida, sopro de vida, essência vital. Jesus está perguntando: há algo nesse mundo que pode ser barganhado ou negociado em troca dela? Existe alguma coisa mais valiosa que a própria vida?

Fiquei pensando: a história de Jesus é a história de um Deus que insiste em amar e apreciar a minha a e a sua vida, de um modo tão infindo ao ponto de entregar a sua própria para que pudéssemos entender e experimentar o que é viver intensamente. E ele mesmo havia dito antes: “Ninguém tem mais amor pelos seus amigos do que aquele que dá a sua vida por eles” (Jo 15.13).

A vida, então, só encontra valor equivalente no ato de quem se entrega pela preservação da mesma vida; só a vida pode gerar mais vida, só a vida tem igual valor.

Se você, como eu, fez aquela pergunta do começo, não entenda isso como o fim da linha, mas a perceba como uma honesta e singela oportunidade de recomeço – e quantas vezes precisamos aprender a recomeçar, não é mesmo? A vida é muito mais do que se pode ganhar. Ela pode estar passando, agora mesmo, diante do seu nariz, e você assistindo de camarote, ocupado demais para perceber o que está perdendo, pois, quem sabe, já perdeu o verdadeiro sentido de “ganhar”.

É complexo, mas é simples: valorize a vida que pulsa em você e além de você. Abrace bem forte quem você ama, diga a ela ou a ele o quanto representa em sua caminhada; não perca mais as chances que Deus te dá de querer bem as pessoas ao seu redor, amando-as “como se não houvesse amanhã” (Renato Russo), e aceitando-as como elas são. Não puxe, não pressione, não force... Respeite o processo e ritmo das pessoas.

E peça ao Senhor que te dê sabedoria para aprender a curtir melhor a vida que Ele te deu. Lembre-se: a vida não é posse, a vida é dádiva! Que possamos escolher, e tornar a escolher, e de novo reaprender a escolher, a vida...

Jonathan

A vida: incomensurável dádiva (I)

Algum dia, você já amanheceu com uma sensação tremendamente incômoda, quase insuportável, de que você está perdendo a vida? A vida, digo, não essa que pulsa em você – ah, tudo bem, essa também – mas, me refiro à vida que pulsa, retine e explode, todos os dias, bem além de você.

Essa sensação vem acompanhada de um sentimento de que tudo o que realmente é importante para você – pense agora nisso, no que é mais importante – na prática, estivesse sendo pormenorizado e sufocado por todo o resto.

E por “resto”, aqui, entenda como sendo esse nosso ensejo, para alguns, ambição incontrolável, de ganhar o mundo, de se cercar de recursos, agendas, atividades, planejamentos, estratégias, metas que vão nos fazendo, às vezes, assim sem perceber, homem e mulher “biônicos”: programados para “ganhar o mundo”.

Você já teve essa sensação de que tudo o que efetivamente, nesse momento de sua vida, represente ganho, pode significar, por outro lado, a perda da essência do que verdadeiramente tem sentindo, importância e constrói para a vida?

Pois é, hoje acordei com essa sensação, e esse momento de introspecção que é quase um mergulho em si mesmo e na pergunta que não quer calar: o que de fato eu posso estar perdendo, negligenciando, pormenorizando ou não dando o devido valor em minha vida?

Você certamente já ouviu o termo “dois pesos e duas medidas”. Simplesmente não posso aplicá-lo à vida. Porque se eu paro pra pensar ou medir ou equiparar o “valor” da vida, isso significa que ela já perdeu sentido, porque ela é (adoro essa palavra) incomensurável; traduzindo: não se pode medir, porque não tem medida.

(Continua...)

Jonathan

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Deletando aquilo que nos aprisiona...

"Mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante" (Filipenses 3.13)

Faço parte de uma comunidade no Orkut cujo nome é: “Sim! Eu deleto sem ler”. É uma comunidade para animais como eu, que apaga certos emails de cara, sem dó. Você também se incomoda em receber tantos emails, encaminhados, com anexo, com ppt, propagandas, lixos desinstrutivos, etc., diariamente? Pois é, bem-vindo(a) ao clube!

Fiquei pensando nesse ato de "deletar": seria tão bom se pudéssemos fazer isso com nossas memórias indesejáveis não é mesmo? Deletar sem ter que ler, lembrar, remoer, sofrer... se amargurar! Mas parece que o que acontece é o contrário, como diz a musica do Pato Fu: “As brigas que ganhei, nem um troféu com lembrança pra casa eu levei; as brigas que perdi, essas sim, eu nunca esqueci, eu nunca esqueci”.

Ela me lembra de duas instâncias: (a) a de quando lido mal com minhas perdas; (b) a de quando tendo a ressentir-me demais do passado. Reconhecer quando isso acontece, é reconhecer que estamos inacabados, no processo. Mas é também ter de reconhecer e aprender que não posso me contentar com esse estado. E que meu aprisionamento ao passado é uma das razões para meu estado de apatia.

Poderíamos chamar isso de “onipresença do passado”: culpas, falta de perdão, fracassos, arrependimentos, a morte de alguém querido, brigas... a lista é interminável. O que podemos fazer com ela? Resta-nos algo a fazer, além de lamentar, chorar, remoer, ficando presos a tais coisas?

Paulo nos convida nesse versículo a “esquecer o que fica para trás”. Será fácil isso? O que isso significa? O quanto de esforço isso demanda? O quanto de paciência isso demanda? O verbo usado em grego é “epilanthanomai”, que significa “perder de mente”, “negligenciar”. O ponto aqui, portanto, é deixar para trás, não permitir-se ser dominado por essas coisas, embora não se possa apagar as lembranças.

Após algumas poucas experiências com isso, cheguei a uma consideração parcial: “esquecer” não significa “deletar de cara”, mas estar disposto a isso, e entregar a quem efetivamente detém tanto querer quanto o realizar: Deus. Sem querer ensinar como nem quando Deus tem que fazer. Ele sabe... Não subestimemos o poder que Deus tem de suavemente nos livrar de nossos fardos. Se não damos conta de esquecer ou "deletar", entreguemos a Ele, e o mais, creia, Ele, oportunamente, fará!

Jonathan