“Assim, Jesus sofreu fora das portas da cidade, para santificar o povo por meio do seu sangue” [Hebreus 13.12].
Ainda me lembro daquele slogan de campanha publicitária, que dizia "A vida é lá fora" [Life is out there]. Quando o vi pela primeira vez, confesso que fiquei pensando sobre o quão parcial essa declaração é. Quero dizer, a vida não é apenas pública – o que acontece lá fora – mas ela é muito privada – o que se passa dentro dos recintos, dos abrigos, das casas, dos acampamentos. Assim, uma vida que fosse apenas lá fora, talvez fosse muito para nós, afinal, a gente tem que viver lá fora, mas com a certeza de que temos um refúgio seguro e aconchegante no fim de cada santo dia.
Por outro lado, a ideia de que "a vida é lá fora" é um imperativo, um convite, para dizer que há muito mais para se ver, viver e experimentar além de nosso mundinho particular e privado. Assim é a vida para muita gente, uma dinâmica entre a reserva e a exploração, entre a reclusão e a dispersão.
Quando olho para Jesus, porém, lembro-me que sua vida, mesmo a privada, se deu fora dos portões. Ele não tinha morada própria, nem onde reclinar a cabeça. Ele vivia e peregrinava, de cidade em cidade, ao relento. Dependia, assim, da graça do Pai e dos favores das pessoas de bem. Sua vida sempre foi entrega, mais que recebimento; sua missão vinha dos céus, do Pai, mas seu palco era o mundo. Da Galiléia a Jerusalém, de Jerusalém a Samaria, até os confins da terra. Portanto, para Jesus, a vida era (e continua sendo) lá fora, no espaço em que se plasmam os dramas individuais com os coletivos, sem que, por isso, se perca de vista o particular, o caso a caso, a singularidade das pessoas e dos acontecimentos. A vida se dá lá fora, mas se dá de um jeito muito pobre se o olhar for duro e técnico, e não sensível e humano, como o de Jesus.
O que significa dizer que Jesus “sofreu fora da porta”? Em Hebreus, isso implica em pensar que esse mundo que se vive e que se vê “de dentro” (da sinagoga, do tabernáculo, do templo ou do acampamento) não era primordialmente o mundo de Jesus, nem é o de Deus. Jesus viveu fora da porta, ofereceu boas notícias (evangelho) ao mundo, e, exatamente pela natureza pública de seus atos, particulares ou coletivos, é que ele foi perseguido, torturado e morto fora dos portões, num ato coletivo e público de escárnio. A cruz é o símbolo desse abuso do mundo em relação a Jesus. A morte foi uma cerimônia pública; a ressurreição, por sua vez, não. Ela não foi para causar estrondo, nem provocar histeria ou catarse coletivas; ela se manifestou no secreto apenas àqueles/as que, pela fé e pelo testemunho prático, deveriam anunciar ao mundo que Ele ressurgiu, que a vida vence a morte, e que aqui não é o fim do “Fim”.
Por isso a igreja, que se chama de Jesus Cristo, deve viver também nessa dinâmica da dispersão e da inserção no mundo, de modo que, mesmo quando experimenta a reclusão, esta precisa ser uma reclusão aberta, convidativa, solidária, amorosa, calorosa, demasiadamente humana. Essa é a igreja que vive a anunciar a presença de Deus na vida humana e terrena, fora dos acampamentos, habitando em meio do caos do mundo, não para dissolvê-lo, mas para conferir um sentido à existência que há nele; não para julgá-lo, mas para reconciliar-se com ele. O convite é, portanto, para que saiamos do acampamento, onde a ação e Verbo de Deus estão, sem reivindicar privilégios, mas partilhando do insulto, do ultraje e do abuso de Jesus (Hb 12.13), tendo o mundo como arena, mas não como cidade permanente. E, enquanto buscamos a que há de vir, abraçamos a vida na que aqui vivemos na esperança de que aquela eterna cidade, possa ser vista cada vez mais no meio desta, onde a vida acontece, onde somos vocacionados a ser gente.
Jonathan
[Ilustração: “Caos urbano”, por Glauber Shimabukuro].