Poucas vezes, associamos o tema
da oração a práticas de cunho não (ou nada) religioso, como por exemplo,
aquelas que, no cotidiano, tocam o campo da ação e da eficácia. Eficácia aqui
tem a ver com a qualidade da ação que promove alguma transformação objetiva na
realidade. Nesse sentido, sua relação com a oração envolve a transformação
promovida no viver concreto de pessoas e em seu mundo. Assim, mais importante
que as fórmulas pragmáticas de eficácia – a oração eficaz como aquela “que
funciona” – é verificar se a oração representa uma revolução de mentalidade e
de estilo de vida ou se tem sido mais um instrumento ideológico de alienação e
amansamento de consciências a serviço dos sistemas de dominação e adestramento
vigentes.
Vale lembrar aqui da advertência
feita pelo diretor de cinema norte-americano Godfrey Reggio: “Penso que é ingênuo orar pela paz mundial se
não vamos mudar a forma na qual vivemos”. De nada adianta orar pelo governo
e seus governantes sem que isto nos conduza a um patamar de indignação,
protesto e denúncia quando, por exemplo, no governo há (e quase sempre há)
corrupção, improbidade e injustiça. É inócuo o compromisso de oração de sacerdotes
de uma cidade, que oram, ungem e abençoam o prefeito em seu gabinete, sem a
eficácia de uma conversa franca, construtiva e inteligente sobre a maneira como
este e seus correligionários têm administrado a cidade. É triste quando
circunscrevemos a oração apenas aos terrenos do “religioso” ou do “espiritual”,
pois, assim fazendo, arrancamos seu potencial de transformação integral da vida
humana.
Em Londrina temos vivenciado nos
últimos tempos uma situação política das mais vergonhosas e tristes de nossa
história, na qual prefeito, primeira-dama, funcionários de alto e de baixo
escalão, além de alguns vereadores estão sendo acusados e investigados pela
(suposta em alguns casos, e comprovada em outros) participação em um esquema de
corrupção, lavagem de dinheiro, improbidade administrativa, suborno e extorsão,
dentre outros. Enquanto não aparecem evidências claras de seu envolvimento
direto no esquema, o prefeito Barbosa Neto, por sua vez, tem adotado o discurso
manjado do político “João sem braço”, tal qual o presidente Lula no famigerado
esquema “Mensalão”, de dizer que é inocente, não sabia de nada e, como “prova”
disso, faz questão de que tudo seja devidamente apurado e investigado em seu
governo. A impressão que fica é que o mito do “caçador de marajás”, desde
Fernando Collor de Melo, se perpetua com certo grau de sucesso na política
brasileira, junto com a “moral” das vistas grossas e da cara de pau.
É lamentável que nós (cidadãos, religiosos
ou não) não tenhamos opinião alguma a emitir, nos resignando a tão somente
papagaiar o repetido jargão de que “na política é assim mesmo”, ou a fazer a
conformada oração “para que Deus abençoe nossa cidade e nossos governantes”. É
um devaneio dos mais canalhas reivindicar prosperidade, bênçãos e a conquista
do território da cidade “para Jesus” quando nela grassam sinais do anti-Reino
bem diante dos nossos lustrosos narizes! Quando isso acontece precisamos dizer
que há um cristianismo não-constantiniano que ainda subsiste, e não está
identificado ou mancomunado com qualquer sistema ideológico ou político, mas
tem seu compromisso primeiro com o Reino de Deus e seus valores. Isto implica,
talvez, na identificação com um modo não-integrado, não-sistêmico ou
institucional, anárquico e pacifista de ser, no qual a oração deixa de ser um
instrumento a serviço da “ordem” e do “progresso”, passando a ser um
instrumento desestabilizador da (des)ordem humana perversa.
Entenda-se o elemento de anarquia aqui não como apologia infantil
da pura desordem, ausência de qualquer governo ou mesmo da violência gratuita,
mas como um voto de protesto e contestação em prol do direito à vida e do ser
humano, e como rejeição dos caminhos associados ao poder como dominação,
vigente nas instituições, religiosas ou políticas, governamentais ou não. A
oração da eficácia é a oração por justiça, que se conjuga com a luta corajosa
contra a injustiça onde quer que ela, e a despeito de que forma, apareça, e em
favor da paz do Reino, que é uma “paz com voz”.
Esse é um tipo de oração que pode
nos livrar da associação perversa e hipócrita, seja com a agenda de oração dos
sacrílegos ou com a agenda de poder dos corrompidos. Como diz Gabriel, O
Pensador, “não adianta olhar pro céu com muita fé e pouca luta”. Então, até
quando a gente vai ficar levando porrada (risada e cusparada na face) nessa
vida aburguesada que levamos, fazendo de conta que não estamos sendo atingidos,
lesados, ou que não é da nossa conta? A corrupção é também resultado de nossa
omissão. Pense nisso.
Jonathan