sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

A miséria da busca pela felicidade (3)

The otherness

A felicidade no encontro com o outro

Quem é o outro? Objeto, meio ou parte integrante de nossa busca pela felicidade?

Bem, este não é um ensaio sobre alteridade, e sim sobre felicidade. Não pretendo aqui explorar múltiplas compreensões e significados do outro – como Levinas e Buber, por exemplo, já o fizeram e muito bem – mas apenas situá-lo em relação à busca em questão. Então, no tocante a tal busca, diria, em primeiro lugar, que o outro é tanto aquele que possibilita como o que interdita o “meu” caminho rumo à felicidade. Quero dizer com isso que não há felicidade possível sem a presença (complementar) do outro, tanto no sentido egoísta e privatista – do outro como aquele que promove, aplaude ou inveja a “minha felicidade” – seja no aspecto altruísta da solidariedade e do companheirismo, do outro que compartilha da vida comigo e só assim ela tem sentido, tanto na alegria, como na dor, como se diz na poesia “Tomara”, de Vinícius de Moraes: “E pense muito que é melhor se sofrer junto que viver feliz sozinho”.

Mas o outro (que pode ser uma mesma pessoa) cumpre essa função dúbia e paradoxal da possibilidade e da interdição. Ser o outro de alguém ou ter alguém como o seu outro implica, dessa forma, em aceitar e aprender a lidar com as frustrações, decepções e infelicidades provocadas invariavelmente na relação. Nessas horas, na mesma medida em que outrora sentimos necessidade da presença do outro, também sentimos – meses, dias, horas depois (e até simultaneamente) – repulsa e desejo de que ele ou ela vá embora pelas portas do fundo para que, quem sabe, a felicidade retorne pelas portas da frente.

O problema é que, seguindo esse raciocínio, ela não retorna sem o outro – provocador e interruptor da felicidade. Nesse interregno, há uma grande chance de que desejemos pagar um preço cada vez menor nessa relação com o outro. Se ser feliz é o que há de mais importante na vida, então o outro não passaria de uma peça na engrenagem, que serve unicamente a este propósito. E se não servir, vamos atrás de outro que sirva e satisfaça, mesmo que com prazo de validade – muitos dos casamentos atuais que o digam. Como diz a canção de John Mayer (“I’m gonna find another you”): “Eu vou agora fazer algumas coisas que você não me deixaria fazer, eu vou achar um outro de você”. No mundo em que temos vivido é assim: na mesma proporção em que se descarta um amor, por exemplo, se consegue outro – só não consigo entender como ainda se pode falar em “amor” nestes termos.

Na perspectiva da fé cristã, o outro é também chamado de “próximo”. Mas o que significa ser próximo de alguém?

Lucas conta uma história emblemática a este respeito. Certa vez, um legista ou perito na lei se aproxima de Jesus e, desejando testá-lo, pergunta acerca do caminho para a vida eterna. Jesus, por sua vez (e como de costume), responde com outra pergunta: “O que diz a lei?”. Então o legista cita o mandamento do amor (cf. Levítico 19.18), que termina com um “ame teu próximo como a ti mesmo”. Quando Jesus confirma ser este o caminho, dizendo “vá, faça isso e encontrarás vida”, vem a pergunta: “Quem é o meu próximo”?

Com a nova pergunta em mente, Jesus conta então a parábola do samaritano (ver Lucas 10.29-37). Todos já conhecemos o enredo da parábola; o que me interessa destacar aqui é a pergunta final de Jesus diante da história e a resposta do legista. Jesus pergunta qual dos três caminhantes (se o sacerdote, o escriba ou o samaritano) foi o próximo do homem quase morto à beira do caminho. A resposta do legista (embora lacônica no que diz respeito à pessoa do samaritano) vai direto ao ponto: “Foi aquele que deu prova de bondade para com ele”.

Como comenta Segundo Galilea, o samaritano foi irmão do ferido. E assim foi não por sua religião (o levita e o sacerdote eram religiosos, o samaritano era considerado herético), nem por sua raça (tida como impura e inferior por parte dos judeus), mas por sua bondade e dedicação aquele homem. Assim, nas palavras de Galilea: “O meu próximo não é aquele que compartilha minha religião, minha pátria, minha família ou minhas ideias. O meu próximo é aquele com o qual eu me comprometo”.[1]

A felicidade, na perspectiva cristã, é incompatível com os caminhos do privatismo pós-moderno; de igual modo, não se equipara à hipocrisia e alienação de representações religiosas como as da parábola. Afirma, sem ser piegas, a necessidade do outro, assumindo e reconhecendo sua condição (demasiado humana) de provocador e interruptor da felicidade. Mas, mais do que requerer o outro para mim, sinto-me estimulado por esta perspectiva a ser o outro, o próximo, de alguém. Só que, quando isso acontece, a felicidade deixa de ser um fim, como veremos adiante, no próximo post.

Jonathan

Notas


[1] GALILEA, Segundo. Seguir a Cristo. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 1979, p. 47, grifo meu.
*Imagem: Alan Rayner. Extraída de: http://www.bestthinking.com/

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