sexta-feira, 29 de julho de 2011

John Stott: mais um conciliador nos deixa

No dia 27 de julho de 2011 faleceu John Stott, um dos teólogos mais prolíficos que esta geração conheceu. Sempre considerei Stott muito mais que um teólogo que li e gostei, como tantos. Para mim ele foi um exemplo de que é possível exercer o papel de (re)conciliador em um mundo (bélico) de diferentes e diferenças. Stott foi capaz de “sentar à mesa” e dialogar com pessoas de tradições e visões de mundo tão distintas da dele sem perder o foco da conversa, o respeito e nem ter de negociar suas convicções. Neste sentido, considerando aquilo que tenho visto, mesmo no pluriverso do século 21 em que vivemos, penso que é válido correr o risco de ser “clichê” e dizer que ele foi um homem que esteve além de seu tempo.

Impossível esquecer o papel conciliador fundamental por ele exercido no Primeiro Congresso de Evangelização Mundial em Lausanne, 1974. Sem sua intercessão, talvez, não teríamos a possibilidade de ter em mãos hoje um “documento-pacto” tão coeso e diferente ao mesmo tempo, que influenciou toda uma geração de líderes cristãos por quase meio século.

É possível discordar de aspectos de seu pensamento teológico? Sem dúvida. John Stott foi um homem-teólogo e não um beato intocável. Mas, por ter sido um pacificador e aglutinador como poucos são, é improvável que alguém se levante para dizer qualquer coisa que o desqualifique como ser humano e ministro do evangelho. Até breve, velho mestre!

Jonathan

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Eterna mesmice, fascinante mesmice

Gerações vêm e gerações vão, mas a terra permanece para sempre. O sol se levanta e o sol se põe, e depressa volta ao lugar de onde se levanta. (...) O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol. Haverá algo de que se possa dizer: “Veja! Isto é novo!”? Não! Já existiu há muito tempo, bem antes da nossa época. Ninguém se lembra dos que viveram na antiguidade, e aqueles que ainda virão tampouco serão lembrados pelos que vierem depois deles. (Eclesiastes 1.4-5, 9-11).

A eterna mesmice, o encontro com o mesmo, ainda que diferente. É sobre isto que o autor de Eclesiastes está escrevendo neste início, sobre a monótona repetibilidade da existência humana. A atividade humana, por mais que aos olhos do historiador seja mutável, à medida que não se faz, nem se pensa, nem se cultiva "hoje" exatamente os mesmos valores das civilizações e grupos humanos de antigamente, permanece sendo “atividade humana” e jamais deixará de ser. Somos cativos de nossa humanidade.

A pergunta é: como manter nosso interesse no olhar para a história diante da declaração de que “não há nada de novo debaixo do sol”? Ou de que ninguém se lembra do que foi, nem se lembrará do que está sendo?

É possível se interessar pela história precisamente porque ela é história dos seres humanos, nos ajuda a entender o que o humano faz e como faz e a nos encontrar com nossa identidade humana – e, assim, como se diz, nada do que é humano nos pode ser estranho.

Fazer história é, portanto, aceitar este paradoxo: do encontro com os traços de repetibilidade do DNA humano na história (identidade) e, ao mesmo tempo, dos desencontros, das incertezas, da imprevisibilidade, das rupturas (diferença), que fazem da história uma mesmice humana no tempo, mas que também pode ser humanamente fascinante! Inglória é a tarefa de sobre isto falar, sem que a fala por si mesma incorra no paradoxo.

Jonathan

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Hipocrisia, eu quero uma pra viver!

Hipocrisia: a arte de viver convincentemente uma mentira, sabendo que é uma mentira, mas fazendo os outros crerem que é uma verdade para você/eu, impostor, e para eles; só que enquanto a mentira se aplica frouxamente a você, os outros a carregam como um fardo pesado e, caso não despertem do sono escravizador, logo se acostumarão à mentira e perceberão que ela pode ser uma mentira-verdade, à medida que houver gente (e sempre haverá) que nela acredite e dela faça sua razão de viver.

A hipocrisia existe desde que o ser humano existe; se a associarmos, por exemplo, com seu irmão gêmeo, o cinismo, está aí desde quando Adão resolveu dizer pra Deus que a culpa de ter comido do fruto foi “da mulher que me deste”, ou quando a mulher replicou dizendo que culpada foi “a serpente que me seduziu”. A hipocrisia, assim, é um subterfúgio para lá de eficaz, pois o problema sempre é do outro, nunca é meu. “Eu estava no caminho certo e dele nunca saí, até que apareceu você”; ou “Estava tão bem lá em tal lugar, até que fulano me tirou de lá e agora está me usando e minha vida está arruinada”, são frases comuns, para um problema comum e mal tratado. Sobrinha do orgulho, a hipocrisia precisa do outro para existir, pois usa a comparação como defesa: “Não sou tão santo quanto é o João Beato, mas quase um anjo em relação à Maria da Perdição”.

A hipocrisia é covarde e superficial, porque marginaliza o que realmente importa e põe no centro o trivial e menos relevante. Confunde retidão com justiça própria e santidade com abstinência; faz dos sacrifícios e rituais o último bastião da espiritualidade, dissociando-a completamente da vida, da misericórdia e da sede por justiça. Afirma uma sede incontrolável por Deus e seus mandamentos, mas é incapaz de reconhecê-lo no próximo, no diferente, no samaritano à beira do caminho...

Não é novidade para ninguém que sistemas religiosos se alimentam da hipocrisia e não subsistem sem ela. Muitas igrejas têm sido – até que provem a si mesmas e ao mundo o contrário – ao invés de centros de misericórdia e compaixão e comunidades de reino, covis de hipocrisia, onde o livre pensar é reprimido (sobretudo em assuntos como sexualidade, por exemplo), e o discordar (mais ainda da liderança e da orientação doutrinária) é tratado como pecado. Exceções à regra (os remanescentes) existem, é claro, mas com a sina de ter que “nadar contra a maré”, caso não (ou até que) se deixem corromper pelo “se não pode vencê-los, junte-se a eles”.

A hipocrisia vai, dessa forma, recebendo outros nomes, e vai sendo ornamentada com vestes outras, mais sofisticadas quem sabe (embora não menos vorazes) e se torna peça indispensável ao bom funcionamento da engrenagem, mascarada pelo discurso de que assim estaremos “no centro da vontade de Deus”. Como corolário disso e de outras tendências já bastante enraizadas, como a privatização da espiritualidade e a religião de consumo, as pessoas vão à igreja apenas para nutrir o lado “lúdico” da fé, que congrega e agrega a massa dos que querem distância do conflito e que relega aos ditos apóstatas, hereges e perdidos o lado trágico (e sombrio) da existência.

A hipocrisia tenta eliminar o sofrimento a todo custo e promover uma espécie de narcótico gospel como sustentáculo para uma fé “que funciona”. Uma fé que desconhece a compaixão, porque só age para aliviar a dor; que tem desconfiança em relação ao mistério, ao desconhecido e às incertezas; que pensa que testemunhar é igual a fazer propaganda de sua fé, e se distancia da prática da justiça por estar tão ofuscada com as celebrações e homenagens, públicas e privadas, ao “seu Deus” – o “meu Deus isso”, o “meu Deus aquilo”. Essa fé é substrato da hipocrisia. Irracional e inconscientemente, muitas vezes, ela canta: “Hipocrisia, eu quero (eu preciso de) uma pra viver!”. Nos lugares onde ela é vivida, as palavras de Jesus – “Acautelai-vos do fermento dos fariseus!” – ecoam como gritos em uma terra de surdos. Porque acautelar-se, talvez, implique em passar pela via da admissão honesta de que, no fundo, todos (digo, os que nos servimos do sistema religiosos, ou os que se encontram, como eu, em processo de libertação de suas entranhas para reencontrar Jesus de um modo renovado) somos um pouco como os fariseus ou hipócritas – o que seria um total absurdo e falta de espiritualidade, para muitos. Se toda mulher é meio Leila Diniz, como diz a canção “Todas as mulheres” de Rita Lee, então (digo isso contra meu melhor senso) todo crente é meio hipócrita, até que prove o contrário lutando contra tal orientação.

E o que Deus pensa disso tudo? Nada temos acerca disso senão indícios ou ecos (pela Palavra) de um constante manifesto de repúdio divino contra a escolha de tantos em fazer do farisaísmo e da hipocrisia sua morada permanente. Nas palavras do profeta Amós, com as quais quero encerrar, essa repulsa fica mais do que escancarada.
Não suporto os encontros religiosos de vocês. Estou cheio dos seus congressos e convenções. Não me interessam seus projetos religiosos, seus lemas e alvos presunçosos. Estou enojado das suas estratégias para levantar fundos, das suas táticas de relações públicas e criação da própria imagem. Não suporto mais sua barulhenta música de culto ao ego. Quando foi a última vez que vocês cantaram para mim? Alguém aí sabe o que eu quero? Eu quero justiça – um mar de justiça. Eu quero integridade – rios de integridade. É isso que eu quero. Isso é tudo que eu quero. (Amós 5.21-24 – Da Bíblia “A Mensagem”, de Eugene Peterson)
A questão é: quem será o primeiro a ter coragem de vestir a carapuça? Quem ousará romper com as correntes (frouxas ou apertadas) da hipocrisia? Quem será capaz de avançar uma milha mais rumo a uma entrada (definitiva?) em um cristianismo não-religioso? Sei lá... Eu decidi tentar.
Jonathan