segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A Fábrica de Queijo (II)

Pense outra vez na fábrica de queijo. Imagine que aquele homem que se levantou solicitando mudanças, agora, depois de execrado da fábrica, vê-se na iminência de construir uma lista de normas em torno das quais aqueles que se juntaram a ele devem seguir, como contraposição à ordem anterior. Mas ele não se preocupa tanto em fundar uma tradição.

Quem toma a peito isso são seus seguidores que, além de montar outra fábrica de queijo (mantendo muitos dos moldes da anterior, afinal eles só conheciam aquela forma), onde agora fabricam “queijo light” e outros derivados mais “puros”, eles ainda estabelecem a chamada “confissão do Queijo”, que sistematizava um consenso sobre os valores ensinados por seu precursor, indo, porém, um pouco além do que ele havia proposto.

“E aqueles que permaneceram na fábrica?” – perguntaria um leitor mais curioso. Bem, esses agora se vêm na iminência de retomar uma caminhada, a fim de não perder mais gente para as “novas ondas do queijo”.

A estratégia utilizada pelo “senhor do queijo” e seus subalternos ilustres foi a de reforço das trincheiras da mussarela. Se a queixa original dos rebelados era contra a tradição que se formou, a tática de reação foi, portanto, a de reafirmação e reforço daqueles mesmos princípios anteriormente defendidos.

Se alguém disser que o seu queijo está muito consistente, taque então mais consistência no queijo, porque é melhor pecar por muita consistência do que perdê-la completamente...

Para quem não entendeu muito nem a história, muito menos o sentido nela proposto, não faz mal. só deixo uma dica final: dê uma olhada na história da igreja pós-reforma, e quem sabe alguma coisa desse conto nonsense possa fazer algum senso estrito.

Jonathan

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A Fábrica de Queijo (I)

Imaginem uma vila, que sobrevive e gira em torno de uma grande fábrica de queijo. Os habitantes dessa vila se alimentam e se sustentam pelo trabalho e a produção do queijo. Originalmente não havia uma hierarquia formal nessa fábrica; a hierarquia existente, mal podia ser assim chamada, pois o controle, afinal, estava nas mãos de todos, e todos ajudavam todos. Todos tinham direitos iguais no “negócio do queijo”.

O tempo foi passando, e esses direitos foram sendo cerceados em função dos interesses e do controle daqueles que se valeram da hierarquia. Logo, todos, os que produziam e estavam envolvidos no negócio, só poderiam consumir e pegar queijo passando pelas ordens do Senhor do queijo.

Tudo era por ele, para ele, e fora dele nada poderia acontecer. Ele tinha seus subordinados, é claro, que lhe serviam e eram mediadores nas relações com o restante do povo.

Até que um dia, um dos moradores da vila que trabalhava na fabrica se levantou e começou a questionar aquilo, dizer que a fabrica era para todos, logo a produção e seus resultados era direito de todos, sem ter a necessidade de passar pelo “senhor do queijo”, a quem eles deviam respeito, mas um respeito limitado. O foco estava na comunidade.

O problema é que esse homem é execrado por suas idéias de reformar a fábrica, e leva consigo um bocado de seguidores. Muitos desses se vêem descontentes, a partir de certo instante, com as mudanças propostas pelo tal homem. Eles queriam mais. Além de direitos de participação na “ordem do queijo”, tendo livre acesso ao negócio, eles queriam também direitos iguais no aspecto de distribuição desse queijo.

Outros, foram mais além, pois acharam que a “purificação” proposta pelo homem, pode ter sido suficientes para uma reforma normativo-organizacional. Na prática, porém, sua acusação era de que tudo permanecia na mesma, houve apenas uma “transferência de senhores”. O que eles propõem é uma reforma também nos costumes, buscando como modelo aquilo que faziam seus ancestrais, que lhes ensinaram o fundamental sobre como lidar com o “negócio do queijo”.

Para esses descontentes, tanto o homem, “reformador” inicial, e seus correligionários, bem como o “senhor do queijo” e todo o sistema por ele controlado, perderam a essência do legado de seus ancestrais. Necessitava-se de um retorno ao primitivo. Para isso, contudo, era preciso um afastamento obrigatório. Essa vila estava por demais corrompida em relação a seu projeto original.

A solução foi montar uma “nova Jerusalém” do queijo, onde todos viveriam conforme os ensinamentos dos seus ancestrais, e seriam purificados por uma nova maneira de iniciação, que passa por uma reforma nos costumes, bem como por novas maneiras de comer o queijo, por exemplo.

Muitas divisões aconteceram após esses ocorridos. A fábrica estava definitivamente em colapso. Os “radicais”, como assim foram chamados, começaram a ser fortemente perseguidos, sua comunidade ideal foi desfeita. Como castigo aos prisioneiros, muitos tiveram de ingerir quilos e mais quilos de queijo e, ironicamente, à nova maneira inventada por eles. Mas ainda não era o fim, muitos deles se dispersaram por outros lugares, e a causa dos radicais assim se perpetuou.

(Continua...)

Jonathan

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Teologia, o gracioso "Sim"

A teologia é a matéria-prima dos inconformados! Dos que não aceitam pacotes, nem tampouco produzem pacotes. E por essa vocação, creio que quando temos uma teologia presa e gerida apenas pelos dogmas, e doutrinas não temos teologia, temos arbitrariedade. Arbitrariedade acerca do que é, de verdades imutáveis, indeléveis, de absolutos que nada têm a ver com Deus e que muitas vezes negam o valor da vida, que Deus tanto preza, e também do que jamais pode ser, dentro do que estão incluídas a subversão, a heresia e a transgressão, assim categorizadas, muitas vezes, pelo simples fato de questionarem a ordem estabelecida. Teólogos, na melhor acepção da palavra, não se rendem a tais categorizações, tantas vezes simplistas e unilaterais.

Por não se render a arbitrariedades e por não negligenciar o seu papel, que é falar de Deus, ela não julgará esse papel (falar de Deus) como um papel estritamente dela (como se pelo simples manuseio de métodos científicos ela pudesse chegar a ele), mas de todo ser humano. Nesse sentido, todo ser humano pode ser um teólogo, à medida que pensa, pulsa, sente e crê em Deus na criação e na existência. Dessa forma, teologia não é o estudo de Deus. Isso, pois Deus, como um ser eterno, não pode ser estudado. "O Deus do evangelho", diria Karl Barth, "não é, portanto, nem coisa, objeto, nem idéia, princípio, verdade ou soma de verdades, nem expoente pessoal de tal soma" (Introdução à teologia evangélica, p. 12).

Podemos, sim, falar de nossa experiência de Deus, isto é, de Deus como um ser pessoal e relacional. E, exatamente por desejar o relacionamento, escolheu se revelar. Assim, diriam alguns teólogos, teologia é o estudo de Deus em sua revelação. Revelação que desce, palavra de se diviniza, divino que se verbaliza e verbo que se humaniza. Deus se fez ser humano! Essa é uma das grandes afirmações de fé das quais a teologia pode se valer. E esse Deus, assim, age na história. De tal modo que o "objeto" da teologia, por assim dizer, está em movimento, e ela também precisa estar. O assunto da teologia evangélica, citando outra vez Barth, é Deus – Deus na história de suas ações. Não por aquilo que somos, façamos ou nossas capacidades, mas por aquilo que ele é e nos concedeu. Assim, a teologia é uma resposta inteligente e reverente ao gracioso “sim” de Deus, isto é, à sua “auto-revelação benigna e amiga para com o ser humano” (Introdução à teologia evangélica, p. 13).

Jonathan

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Não é proibido pensar (Final)

(Rótulo 3) “O mundo pós-moderno é o das sensações em detrimento das percepções, do espiritualismo, e é a era da desrazão”.

Revanche do sagrado – é assim que muitos caracterizam uma faceta do momento “pós-moderno” – contradizendo profecias do séc. XX que declaravam o “fim da religião”. Essa percepção é reforçada se considerarmos o crescente interesse em espiritualidade (religião banhada em sentimento), aliado a um desinteresse por estruturas mais racionalistas e hierárquicas. Mas não é tudo o que se pode dizer sobre esse momento, e chamá-lo de era da desrazão pode não passar de caricatura, em se desconsiderar outras possibilidades...

Há outra perspectiva sobre isso que diz que a mudança não está em rejeitar a ciência ou abandonar a razão, mas visualizá-las sob outro ponto de vista. Nesse sentido, como já disse outrora, o pós-moderno faz uso da razão, constrói juízos e até admite algumas certezas, porém, reconhecendo os limites de sua razão, a provisoriedade de seus juízos e as dúvidas presentes mesmo em suas certezas.

Outra questão está na supressão das emoções no passado, que no presente redunda numa avalanche de emoções, de carência, e de necessidade de relacionamento. Conversar com quem quer prova racional, lógica e exata de tudo é muito chato, e vejo que há um reconhecimento crescente disso – que pode se expressar em desilusão e resignação, ou em busca por algo novo.

A diferença entre a apologética de hoje e a de ontem é que não temos mais de colocar um valor excessivo nas evidências lógicas como prova racional de nossa fé, mas damos também valor às ações, histórias vividas e contadas, aos relacionamentos. O relacionamento passa a ser o lugar onde podemos com a vida compartilhar a nossa fé, não ignorando argumentos racionais, mas passando a dar mais valor a perguntas honestas e a respostas honestas.

E a fé, segundo Brian McLaren, “é o contexto no qual é possível explorar os mistérios que fundamentam essas perguntas”, e, acrescento, sem ter de recorrer a respostas fáceis e evasivas... Durante anos a fé tem sido atacada de várias formas. Às vezes justamente, em outras injustamente. Exercemos nossa fé em meio a bons e maus exemplos. E as pessoas se apegam muito aos maus exemplos (talvez porque eles sejam mais visíveis) e estão cansadas desse tipo de religião – de dogmas, escravidão, guerra, opressão e morte. Mas ela não tem a última palavra...

McLaren apresenta a visão de uma religião na qual podemos nos alistar na luta contra o mal:
"A religião que enxerga o orgulho dos fariseus ‘aqui dentro’ e a devoção das prostitutas ‘lá fora’, a religião que ouve satanás sussurrando aos ouvidos do discípulo mais importante e que enxerga o amor exemplificado no viajante samaritano – essa religião irá inspirar a sua lealdade. A religião que reconhece sua inutilidade quando é só discurso sem ação... essa religião as tirará da cama no domingo de manhã. A religião que enxerga a verdadeira fé onde quer que ela se encontre – incluindo um ‘forasteiro’ de um contexto ‘errado’, tal como o centurião romano ou a mulher sírio-fenícia (Lucas 7.1-10 e Marcos 7.24-30) – e não somente vê, mas também a confirma, aceita, recomenda, celebra – essa religião as conquistará para a vida inteira. Mas espere! Não estamos falando sobre o reino de Deus, proclamado e demonstrado por Jesus Cristo?” (Brian McLaren. A igreja do outro lado, p. 125).
Que continue havendo sempre um grupo honesto e fiel de cristãos que não sacrificam seu amor e fidelidade ao reino no altar do fanatismo e das balburdias balaônicas de nosso tempo.

Jonathan

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Não é proibido pensar (II)

(Rótulo 2) “Ciência e fé não se misturam, pois são incompatíveis”.

Isso é outro rótulo que, por vezes, aparece e reaparece na história, e que foi potencializado pela modernidade em seu endeusamento da razão humana e da ciência. C. S. Lewis em “A Abolição do homem”, afirma que muitos “cientistas” aceitaram a oferta do bruxo: “Entregue sua alma e em troca ganhe poder”.

O cientista crê na ciência porque ela lhe oferece provas do que ele afirma. A contradição, portanto, é que essa ciência exige certa dose de “fé”. O cristão crê sem a necessidade de provas objetivas; tem certeza em meio a incertezas, e isso faz sentido, não é irracional.

No final do mencionado livro, Lewis diz: “Se você enxergar o que está por trás de todas as coisas sem exceção, então tudo se tornará transparente para você. Mas um mundo completamente transparente é um mundo invisível. Ver o que está por trás de todas as coisas é o mesmo que ver nada” (C. S. Lewis. A abolição do homem, p. 77).

Uma perspectiva racional de fé no mundo pós-moderno é aquela que reconhece que a realidade não é transparente. Em 1Co 13.12 se diz: “Apenas conhecemos uma porção da verdade, e o que dizemos sobre Deus é sempre incompleto. Mas quando o Completo chegar, nossas incompletudes serão canceladas”.

A incompatibilidade entre fé e razão existe quando: (a) se abandona uma resposta que integra e faz interagir diferentes perspectivas da vida, e (b) perdemos de vista que a supremacia vislumbrada pela fé não é a da evidência lógica, mas é a da evidência da graça.

Jonathan

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Não é proibido pensar (I)

A questão de John Stott em seu livro “Crer também é pensar” continua sendo relevante: Qual é o lugar da mente na vida do cristão iluminado pelo Espírito Santo? Mas peço licença a ele (Stott) para reformular um pouco a questão: Como posso situar a razão e as emoções em relação à fé no contexto pós-moderno?

Algumas contribuições à questão serão dadas nos próximos três posts, a partir de alguns "rótulos" comuns dentro e fora do âmbito cristão.

(Rótulo 1) “O místico não pensa, só sente, flui e transcende

Sim, o místico cristão sente, transcende, mas também tem que pensar. Antes de tudo, porque o cristianismo é uma religião de revelação – “Logos”. Do contrário, como os autores bíblicos teriam transmitido a mensagem do logos sem antes colocá-la na moldura do pensamento, da linguagem ou da cultura?

E é tarefa nossa hoje, interpretar, refletir e ensinar essa palavra. Como posso fazer isso sem pensar?

C. S. Lewis disse: “A fé... é a arte de se aferrar, apesar das mudanças de humor, àquilo que a razão já aceitou”. Como diz outro pensador, Hans Küng: “O sim a Deus, portanto, é uma questão de confiança, se bem que confiança é em si mesma perfeitamente racional. Para esse ato de confiança não existe nenhuma prova racional, mas existem certamente muitas razões sensatas”.

Posso até crer porque é absurdo, como afirmou Tertuliano, mas se trata de um absurdo que faz algum sentido (racional) para a vida.

Jonathan

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A vontade de Deus

Paulo disse que é santa, perfeita e é agradável... Bem, não necessariamente aos nossos olhos, e este é um ponto controverso dessa vontade. Queremos que ela seja de fato agradável, mas isso em nossa vã compreensão significa, na maioria das vezes, ser agradável conforme nosso ego e sua pluriversidade perversa de desejos. Ela é agradável, sim, mas no sentido do Bem conforme Deus, que realmente vê e quer o melhor para nós. E nós, queremos o melhor de Deus, ou o nosso melhor “de Deus”? Difícil aporia. Muitas vezes, na prática, eu fico com a segunda sentença.
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Conhecer a vontade de Deus implica em ser íntimo Dele, para ser íntimo dela. E ser íntimo (amigo) Dele, é preciso conhecê-lo em Sua Palavra. E mais do que isso: é preciso fazer o que nela Ele manda, como disse Jesus: “Vocês serão meus amigos, se fizerem o que eu lhes ordeno” (Jo 15.14). Enquanto isso, por outro lado, fazemos da vontade de Deus o centro de nossas neuroses religiosas, na ânsia de querer viver “no centro da sua vontade”, quando esse tal centro (que não sabemos bem qual é), na verdade, passa ao largo, visto que ao largo passamos de sua Palavra.
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O grande “mistério” é que nem tudo sobre a vontade divina é mistério. Boa parte dela foi revelada. Assim, embebidos de sua Palavra, estaremos embebidos de sua vontade, ainda que sempre de modo incompleto, até que vejamos como somos visto, e a incompletude seja anulada.
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Mas a questão também vai além do saber, o que me remete de novo a Jesus, em sua oração no Getsêmani: “Meu Pai, se for possível, afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero, mas sim como tu queres”. Ele só pôde pensar em rejeitar o cálice de Deus por conhecer o que beber dele implica. Assim, o enigma de Jesus, para além do conhecimento que se possui da vontade do Pai, pode se resumir na pergunta: o que nos capacita a cumprir essa vontade? De onde virá a afirmação: todavia, não como eu quero, mas como tu queres?
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Não penso que seja de um lugar de coragem, pensamento positivo, força de vontade ou heroísmo, do tipo “Chuck Norris Gospel”. Mas de um lugar de vulnerabilidade, dependência e intimidade com o “Abba”, que nos consola e nos dá força e graça para não sermos guiados apenas pelos sentimentos (“o seguirei até a morte” ou “afasta-o de mim”), mas pela convicção espiritual do caminho certo. Assim, que possamos entrar numa comunhão tão profunda na qual não exista outro caminho senão o da honestidade, e que possamos, como Jesus, num misto de coragem e vulnerabilidade, orar ao Pai: contudo, não a minha, mas a sua vontade seja feita!

Jonathan