segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

As plenitudes incompletas da vida

Uma das mais árduas tarefas da vida é a de percorrer a “via do meio” – o caminho do equilíbrio, da moderação. Há justo que perece na sua justiça tanto quanto há injusto que perece em sua injustiça. “Nem tanto o mar nem tanto a terra”, afirma o dito popular. “Bom é que retenhas isto e também daquilo não retires a mão”, complementa o Pregador. Todas essas frases corroboram para o fato de que o mal reside no excesso. Seja em sabedoria ou loucura, tristeza ou alegria, ira ou mansidão, pobreza ou riqueza, chuva ou sol; nenhuma serve à vida quando tomada em “doses cavalares”. Mas por que persistimos tanto em nos agarrar a umas das pontas da lança?
Enquanto lia “Do sentimento trágico da vida” (1913), do poeta espanhol Miguel de Unamuno, deparei-me com a seguinte frase: “a razão repete: vaidade de vaidades, tudo é vaidade! A imaginação replica: plenitude das plenitudes: é tudo plenitude! E assim vivemos a vaidade da plenitude, ou a plenitude da vaidade”. Parece que estamos sempre almejando “ser plenos” de alguma coisa. Plenos de alegria, esperança, gozo, fé; plenos de sucesso, amor, felicidade; ou até plenos de racionalidade, desrazão, obscuridade ou tragédia. Contudo, Unamuno toca num ponto nevrálgico: nem a plenitude ou imaginação, nem a razão, que tragicamente afirma tudo não passa de vaidade, preenchem realmente. Trata-se de falsos preenchimentos: inchações. Tudo o que incha não pode ser salubre.
Chego à conclusão que ser pleno de algo, mesmo que aquele algo seja aparentemente bom, não significa encher-se daquilo até a “marquinha vermelha”; essa é uma plenitude que mata. E os extremos são inimigos da vida, disse certo sábio. Assim, já decidi comigo mesmo: não fugirei mais da dor, pois, como bem diz a música dos Titãs, “fugir da dor é fugir à própria cura”. Afinal, na prática, ser feliz não é estar pleno de felicidade, pelo menos não ao modo contemporâneo, negando toda e qualquer desventura. Ao mesmo tempo, não abandonarei o desejo de ser feliz. Mas quero ser feliz ao modo de Jesus, o homem de todas as dores e da total alegria, parafraseando Henri Nouwen.
Não se trata de morbidez ou masoquismo, mas de realismo esperançoso, querendo abolir quimeras e falsas esperanças. Não almejo que a dor e o sofrimento preencham todo o copo de minha existência – acaso desejaria a autodestruição? Muito menos tenho a pretensão de dar lugar apenas às ânsias por sucesso e felicidade, pelo menos não nessa perspectiva alienante e individualista do ser “bem-sucedido”. Jesus inverteu esses padrões quando estabeleceu no Sermão do Monte (Mt 5.1-12) a lista dos felizes ou bem-aventurados, conforme o Reino de Deus. Desejo engrossar essa lista.
Quero trilhar a via do meio, entre a plenitude e a tragédia. Nada em excesso; nenhuma coisa suplantando a outra. Será muito pedir para permanecer sendo apenas humano? E que a graça me desperte para o real; que a misericórdia me ajude a encontrar as alegrias escondidas em meio às tristezas – o riso no pranto; que a compaixão me conduza ao eu que há no outro e ao outro em mim. Quero apenas viver. Viver é gozar das plenitudes incompletas da vida.
Jonathan

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