segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Deus é liberdade? (I)

1.
Quando partimos do pressuposto básico de que existe um Deus, criador do universo e de todos os elementos que subjazem a esse, a idéia primária é de que Ele é Todo-Poderoso. Não só pela possível ocorrência do sobrenatural na criação, mas, sobretudo, porque a grandeza e a diversidade existentes nela exprimem uma “origem” igualmente grandiosa, conforme expõe Paulo: “Porque os atributos invisíveis de Deus, assim como o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que foram criadas” (Rm 1:20).
2.
Paulo não só está dizendo que os atributos de Deus, bem como seu eterno poder, são perfeitamente reconhecíveis por intermédio do que foi criado (e, por isso, visto), mas também que, por meio das coisas criadas, sabemos que Ele é Deus. O apóstolo ainda afirma, num momento anterior, que o que de Deus é dado conhecer aos homens, já foi manifesto entre os tais, isto é, concreto, objetivo, imanente – porque Deus, afirma o texto, lhes manifestou.
3.
Faço menção à referida passagem para argüir que não há como pensar no Deus criador de tudo isso que nos rodeia abstendo-nos da idéia de que Ele é Todo-Poderoso e Soberano. Todavia, partimos de um pressuposto equivocado quando aferimos que “soberania” é apenas poder para fazer ou deixar de fazer “grandes” e “perfeitas” coisas no universo. Corremos o risco de voltar ao caminho da metafísica[1] para conhecer Deus.
4.
Por muitos séculos, desde a Idade Média, a filosofia escolástica, que incidiu tanto sobre a teologia católica como protestante, preconizou os conceitos da filosofia grega (Aristotélica), condicionando a idéia de Deus a metáforas filosóficas racionalizantes. Postulou-se Deus como o onisciente, imutável, Todo-Poderoso, auto-suficiente, elaborando conceitos de causa e efeito que o reduziram ao patamar de uma “substância”: racional, científica, demonstrada e indiscutível.
O Deus de Aristóteles, conforme observa José Comblin, “era o fornecedor de energia ao mundo inteiro, era o ponto de partida de todos os movimentos. Por conseguinte, era membro e parte do universo”. Dessarte, “o Deus da Bíblia foi, pouco a pouco, recoberto pelo Deus da metafísica” (Comblin, Vocação para a liberdade, p. 61, 62).
5.
Essa é uma perspectiva que não somente reduz Deus a uma categoria do pensamento humano, considerando apenas aquilo que Ele faz e não o que Ele é, como também inibe a percepção de um Deus que é vital e, por isso, sintético (no seu agir sensível); que se revelou objetivamente na história e atua concretamente na vida da criação, não como uma expressão subjetivista, mas libertadora da matéria. Deus é vida e não um conceito ou objeto. “Assim como o Pai tem a vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter a vida em si mesmo” (Jo 5:26). Comblin ressalta que “liberdade é a capacidade de fazer surgir vida, dom de vida. Por isso Deus é liberdade perfeita, porque produz vida perfeita: o Filho e o Espírito Santo, igual a ele”.

(Continua)

Jonathan

Nota
[1] Ramo da filosofia que investiga os princípios fundamentais da realidade que estariam “além” (por isso, meta) do âmbito da ciência, isto é, do campo físico, empírico. O nome procede de um volume de ensaios de Aristóteles posteriormente denominado pelos compiladores de “Depois da Física” (meta ta physika).

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