“Por que estás abatida, ó minha alma? E por que te agitas dentro de mim?”.
Existe conversa mais crucial que aquela travada com a própria alma? Pois é o que o salmista faz no repetido verso da canção de profunda angústia e inquietação por ele entoada no Salmo 42, na qual convida sua alma para um bate-papo querendo entender a razão de tanto abatimento. Uma das coisas mais sadias e razoáveis que alguém pode fazer quando não dá conta de algo é ser honesto, consigo mesmo, com os outros e com Deus. No caso do salmista, essa honestidade se apresenta em forma de perguntas: Por que me sinto tão abatido? Até quando essa situação vai perdurar? Onde está o meu Deus? Por que permanece calado por tanto tempo?
Perguntas como essas evidenciam dúvidas e temores que assolam até o mais seguro de si – embora gente muito segura de si tenda a não abrir mão de sua fachada de austeridade – e cujas respostas não são simples nem exatas. Aliás, em se tratando da vida e do sofrimento humano nada pode ser simples ou exato. Por isso a linguagem dos trovadores e profetas é recheada de honestidade, paradoxos e de bela, ilógica e não equacionável poesia. A inquietude, quando não abafada com consolos artificiais, atrai e torna-se parceira dos paradoxos. O paradoxo pode até existir fora da mente, mas não pode ser reconhecido sem que (na mente) se dê lugar à inquietude, a qual provoca o pensamento que nos desperta quando algo não vai bem e nem, necessariamente, irá ficar bem – ao menos não do jeito desejado, tampouco com falsas garantias, do tipo: “Basta acreditar, que tudo vai dar certo!”.
O enfrentamento do paradoxo, por sua vez, promove, na linguagem do poeta, o que chamo aqui de aceitação inquieta – a aceitação que não se confunde com mera rendição. Ou seja, aceitar uma determinada condição não implica em se render ou se resignar a ela. Por exemplo: reconhecer e aceitar que a política no Brasil é permeada por corrupção não implica em se render à falácia de que todo mundo que nela se envolve é ou fatalmente será um corrupto, ou que nada pode ser feito a respeito da corrupção. Ademais, a realidade não se reduz ao que vemos. O que se vê é apenas uma parte do real, tanto quanto o olhar em si é parcial. Como bem disse Paulo, “agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho...” (1Co 13.12).
Assim, aceitação inquieta é aquela que indica a presença de uma fé que não banaliza nem suprime a realidade tal como a vemos ao mesmo tempo em que afirma (mesmo que relutando) a possibilidade e a imperiosidade de sua transformação. Por esta razão, a linguagem dos salmos – tão recheada de seus “por que” e “até quando” – também vem temperada com seus “contudo”, “apesar de” e “ainda que”, denotando fé na presença, persistência e fidelidade divinas em meio às mais variadas circunstâncias.
O silêncio (e aparente ausência) de Deus não é sinal de indolência ou paralisia da parte Dele, assim como minhas eventuais dúvidas, reclames e inquietações também não são sinais da falta ou morte da fé em mim. Pelo contrário, a inquietude não apenas provoca na mente o encontro com os paradoxos, como já dito, como retira a fé dos escombros da passividade e da falsa retidão, tornando-a um organismo vivo, atuante e em constante transformação.
A maturidade, desta forma, está mais para um tesouro a ser perseguido pelos cantos da existência e ao longo da vida na fé, que para um porto seguro onde se pode atracar de uma vez por todas. A soberba (ou o chamado “orgulho espiritual”) é que precisa de portos seguros de tal natureza. A “paz que excede todo entendimento”, não excede, mas existe paradoxalmente no meio de todo sofrimento, dúvida e inquietude que possamos ter. A fé bíblica se alimenta, então, de uma espera inquieta e de uma inquietude expectante, em que uma mesma pessoa pode (em tom realista) indagar: “Por que estás abatida, ó minha alma? Por que te perturbas dentro de mim?”. E ainda assim (em tom esperançoso) declarar: “Espera em Deus, pois ainda o louvarei” (Sl 42.11).
Jonathan
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