Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo, tome diariamente a sua cruz e siga-me” (Lucas 9.23).
Meu ponto de partida aqui é que não é com a cruz que nos identificamos, mas com o Cristo. Quando nos encontramos com ele, como consequência, nos deparamos com a cruz e seu chamado a segui-lo. Não me encontro com a cruz sem Cristo. Esse seria um encontro falido, sem sentido. A cruz, para nós, só tem sentido se for a cruz de Cristo. Sem Cristo, hoje como no passado religioso de nossa América Latina, ela não passa de símbolo religioso, ou de um ídolo.
Em Cristo, a cruz permanece sendo símbolo de morte, mas que gera vida. Na cruz, Ele perdeu a sua vida para que ganhássemos a nossa. Ao terceiro dia ele ressuscitou confirmando nossa esperança, não na cruz, mas Nele. Cristo, e não a cruz, é a nossa esperança. Mas, como sabemos, não há ressurreição sem cruz. Encontramos-nos naturalmente com a “nossa cruz”, na medida em que aceitamos o convite para sermos seguidores do Cristo. Assim, o caminho do cristão não é o de uma “opção preferencial pela cruz”, mas pelo encontro com Cristo, que põe diante de mim a mensagem viva da cruz, como expressão do discipulado.
Toda-via, a expressão humana mais anti-cruz e mais anti-Cristo que há, mais até talvez que aqueles que se auto-declaram assim, se chama ego (ou pelo menos começa nele). O que seria o “ser crucificado com Cristo”, “negar-se a si mesmo”, “tomar a sua cruz”, senão um chamado à conversão do ego? Por outro lado, uma tendência tão prejudicial quanto a de ser anti-cruz (ou “abandoná-la”), é a de iconizar a cruz. Quando transformamos a cruz é um ícone, nós a despersonalizamos, pois nos esquecemos que foi Jesus de Nazaré, filho do homem, muito humano, que carregou, sofreu e morreu na cruz.
É perigoso, também, porque isso pode se transformar numa “tendência” infrutífera e segregacionista: nós somos “os da cruz”, e eles (o resto que não pensa ou age conforme nossa visão de evangelho), são “anti-cruz” e “anti-Cristo”. Por amor de Cristo, evitemos essa tentação. Abraçar a cruz, como expressão do seguimento de Cristo, implica em, antes de olhar para o outro, assumir e reconhecer “o impostor que vive em mim” (Manning). E que, por todas as razões demasiado humanas, que já sabemos de cor quais são, não quer nada com o “credo da cruz”, a não ser reforçar o bordão que diz “cruz, credo!”. Não sendo masoquistas, e sendo honestos com Deus, como Cristo foi no Getsêmani, certamente diremos, diante do sacrifício: “Afasta de mim esse cálice”. Mas em nós opera, pela graça, outra marca da cruz que é a marca do “está consumado”, e é ela que nos capacita a dizer: “Contudo não seja feita a minha, mas a tua vontade”.
Então, dizer que nos identificamos com a cruz, e que ela “continua jovem”, não significa carregar a cruz como bandeira. Pois, como bandeira, o imperador Constantino no século IV, os cavaleiros ou paladinos das Cruzadas dos séculos XI-XIII, e as organizações racistas da Ku Klux Klan no século XX, também carregaram, e a gente sabe com que motivações. São exemplos de que Cristo e a cruz podem ser utilizados como instrumentos do anti-Reino e do anti-Cristo. Não podemos, assim, tratar a cruz como “crachá”: só é crente se adotar “o discurso da cruz”, se “falar da cruz”, se “usar a cruz”. Não faz sentido, simplesmente porque nada disso é garantia de uma identificação visceral com Cristo. Essa identificação, antes de passar pela cabeça, precisa passar pelas entranhas, pelo compromisso gerado na consciência de, pela graça, ser chamado Filho, e de que tudo o mais na vida é secundário à luz dessa básica identificação.
Por fim, ninguém carrega a cruz por amor à cruz em si, mas por amor ao amigo. Jesus disse que não há maior amor que esse, de alguém dar a vida em favor de seus amigos. E assim o fazemos porque cremos que Deus, em Cristo, desde a fundação do mundo, está reconciliando consigo mesmo todas as coisas. Ele é o centro. Não sou o “Cristo” de ninguém, mas minha vida é (espero que seja) uma expressão do amor de Cristo pelas pessoas. E isso para mim é a cruz: a expressão mais concreta, divina e humana, de esvaziamento de si mesmo, bem como do (anseio pelo) poder absoluto em nome de outro poder, o poder do amor de Deus. Um poder onde não estamos no controle de nada, Deus está.
Jonathan
Oii
ResponderExcluirFechou com chave de ouro....seu último parágrafo diz TUDO!!!!
Abs
Oii
ResponderExcluirFechou com chave de ouro....seu último parágrafo diz TUDO!!!!
Abs